Archive for 2012

Devaneios em Tocantins.

 Há muito tempo que não escrevo nada que me convém... Há muito tempo que não me encontro nas palavras de alguém e sei que não falta muito para que eu possa, de uma vez só, parar toda essa turbulência que me carrega até o fim dos meus planos secretos, que não parecem fazer mais sentido quando se trata dessa enorme estrada, a qual eu olho da janela e não sei aonde vai chegar... Se eu soubesse, eu viveria assim... Sempre a toa.
 Já está escurecendo e nós continuamos seguindo por esse asfalto cinza com faixas amarelas que há muito tempo, precisavam de uma reforma. Raramente vejo carros vindo na direção oposta e muito menos procuro remover meus óculos escuros para enxergar quem está a minha frente ou até mesmo ao meu lado... Alguns dormem, eu me perco, eu escrevo com um pequeno feixe de luz em direção a cada mínima palavra por mim descrita... Sinto saudade, mas não sei do que.
 Todo esse cansaço em meus olhos me fazem pensar, deixar a caneta de lado e talvez observar, mais uma vez, toda a paisagem lá fora e dessa vez, sem sucesso. A noite caiu como um raio num tempestade de verão e eu nem pude perceber que no final do dia, eu estava sozinha novamente, sem me preocupar com o que havia de errado ou com o que poderia acontecer no final de tudo isso... Ainda sim, queria descobrir do que sinto falta. Não é de ninguém. Há tempos não tenho amores e nem desamores, há tempos não sei o que significam as músicas que de vez em quando, ainda tocam na rádio da estrada, há tempos estou perdida em algo que nem existe e um tanto despreocupada com quem anda ao meu lado... Não sei se foi o que eu trouxe do Mato Grosso ou se fui contagiada com a melancolia de Curitiba, que eu nem conheço, mas talvez tenha sido todos aqueles poemas recitados em paredes durante uma longa viagem à São Paulo... Aonde estou agora?
 Não são dicionários e nem guias que me salvarão, nem as palavras e nem as alegrias... Talvez possa ser um pouco menos do que foi um dia e muito mais do que poderia ter sido durante pequenos segundos de devaneios... Eu não sei se entendo, não sei se vou chegar, mas vou... Vou sim. Vou porque não tenho porque não ir, afinal, eu só tenho 24 anos e uma miséria inteira pela frente... Suspiros atrás de suspiro, o feixe de luz se apagou e meus olhos se fecharam como se encontrassem a paz... E eu... Eu sigo em frente pelas estradas do Tocantins, sem saber se um dia eu vou chegar.

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Viva la revolución!

 Põe esse teu charuto na boca e te calas que já não quero ouvir mais nada. São meras palavras de um revolucionário que fuma cigarro de palha, bebe cachaça e discute política, se não sou o mesmo "marginal" que pixa seu muro em busca de uma revolução. Toma um charuto, patrão! Sinta-se em casa.
 Temo que seja tudo o que eu tenha dito. Temo que talvez não sobreviva ao amanhã, buscando palavras e teorias para um novo dia que nunca chegará, para uma madrugada que parece não ter... Um sol forte sobre a cabeça de quem precisa de um misero pedaço de papel que lhe daria uma barriga cheia e um conforto de três horas pra menos, um copo de água, um sorriso da esposa e talvez dos três filhos. Tijolos em uma obra em construção, cimento por tijolo, suor por arroz, cansaço por feijão.
 Três copos e meio de pinga e a coragem para continuar. Risadas e casos de família, casos ocultos, vida que ninguém que moraria alí poderia conhecer, histórias que as paredes não poderiam contar e um mundo totalmente distinto de seus patrões, formados com uma blusa social branca, sem nenhuma mancha, sem nenhum cheiro forte de esforço árduo para viver insignificantemente.
 Em meio a todos esses casos, estou eu com um marlboro red na mão e um bafo de uísque na boca. Sinto cheiro de fumaça, sinto cheiro de alcool, sinto cheiro de vômito, sinto cheiro da podridão e vejo meus olhos sedentos por uma revolução quase que utópica em minha mente. Sinto cheiro de revolução. Sinto cheiro de boteco, sinto cheiro de poder, sinto cheiro da derrota, sinto cheiro de suor, sinto cheiros e cheiros enquanto as cadeiras vão se movendo sozinhas e vozes começam a ficar mais altas... Eu não sei nem pra onde estou indo.
 Abri os olhos e soube, não era só eu. Era o rapaz dos tijolos. Sim, sim, o rapaz dos tijolos está do meu lado! Gritamos por um novo dia, lutamos por uma nova fase, morremos por um novo amanhecer. Não temos pátria, não acreditamos em promessas, não somos partes de um juramento, não queremos ficar calados, não queremos sofrer sem sentir como poderia ter sido, não queremos mais um dia! Queremos uma chance, queremos um agora e uma utopia que todos compartilhamos através de nossos olhares ao sol do meio dia. Queremos as mulheres tomando conta do poder, queremos gritar com elas e sentir a liberdade correndo em nossas veias como seres humanos iguais que somos, queremos a educação, a responsabilidade de cuidar de nossos filhos para que sejam brilhantes no futuro, queremos a inserção da cultura para todos, queremos mudar a estupida letra do hino nacional, queremos um hino nosso, nossa garra, nosso povo, nossa luta, queremos uma saúde decente, queremos um atendimento melhor, queremos respeito, queremos carinho, queremos igualdade, queremos professores, queremos mais amores, queremos dividí-los, queremos uma sociedade aonde todos tem o poder, queremos algo nosso e não do governo.
 Queremos uma revolução! Uma maldita revolução! Queremos gritar e nos deliciar com os prazeres de se ter uma vida confortável e tranquila. Queremos o fim do governo.
 A minha utopia, no entanto, se tornou um tesão e um ecstasy dentro de mim que nunca mais se apagou... Um jovem revolucionário com um cigarro na boca e um uísque pra esquecer que as lutas nunca funcionam se o povo não gritar seus desejos e ideias...
 Mas que revolução... Que revolução.

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Vinte e dois anos.

 Teve um dia que eu quis faltar no trabalho, mandar o meu chefe ir a puta que pariu, dizer a secretaria que ela era uma gostosa e que de vez em quando, eu batia punheta pensando nela, dizer pro cara do escritório ao lado que eu já o vi cheirando pó e que sua mulher me pagou um boquete depois daquela festa de casamento da nossa querida colega, que eu também já comi.
 Agora que eu narrei estes importantes fatos da minha vida, você deve estar pensando que sou um fodedor de primeira, pegador e que provavelmente tenho várias mulheres me querendo e não vou dizer que estão errados. Fodo sempre que posso e consigo. Fodo todas. Não me importo se são feias, se são travestis, se são viados, eu como o cú e não deixo passar. Eu não me importo com mais nada. Tem muito tempo que parei de me importar com as coisas e a causa de tudo isso, fora uma vergonha para mim na época, mas só agora eu pude entender o seu real valor entre as estúpidas coisas da minha vida inútil... Não vou me perdoar.
 Eu tinha 22 anos, cursava medicina, era bonitão e solteiro. As garotas viviam em cima de mim e eu pegava todas elas, até que me apaixonei por uma caloura de psicologia que tinha por volta de uns 16 anos. Sim, 16 anos e cursava psicologia na universidade federal. Todos achavam o máximo, porque ela era realmente genial e linda. Linda como eu nunca tinha visto antes. Tão linda quanto as viagens que eu havia feito. Tão linda quanto todas as mulheres que eu tinha pegado e, de fato, era a mais linda de todas dalí.
 Seu nome? Talita. Talita, Talita, Talita... Talita que rima com Rita, Talita que rima com as minhas canções, Talita, doce Talita, pequena Talita... Não me canso de repetir esse maldito nome que me fez descobrir que eu havia encontrado uma razão para ser menos babaca do que eu era.
 Talita tinha cabelos longos, escuros e olhos verdes como um par de esmeraldas... Não sabia muito bem o que encontrar alí, sempre fora um mistério para mim. Tinha um sorriso branco como as nuvens e mãos tão leves quanto a sensação de flutuar na agua salgada do grande e imenso mar azul, o qual parecia insignificante perto da beleza quase que irreal dessa garota.
 Começamos a nos encontrar um tempo depois que fui apresentado para ela. Ela acreditava nas minhas mentiras e eu acreditava nas verdades dela, mas por um segundo ou dois, não me arrependo de nada. Pensava eu que seria no máximo seria mais algum dinheiro gasto em bebidas para que eu pudesse leva-la pra cama e como outra qualquer, uma pagina virada no meu livro mas para minha infelicidade... Talita virou o jogo.
 Jogamos e jogamos, várias e várias vezes e depois de ter feito ela se render, consegui a minha maldita transa e tenho dito que foi o dia mais infeliz da minha vida...
 Quando terminamos, ela colocou suas roupas, indiferente enquanto eu observava aquele corpo tão lindo e suado, brilhando a luz daquela lua amarelada que estava lá fora. Ela se virou e com aqueles olhos verdes, me encarou e sem nada a declarar, partiu.
 Não me importei muito, deixei ela ir. Talita era esse tipo de garota, mas no dia seguinte... Ela não estava lá para eu contar vantagem. Ela nunca mais esteve lá. Eu nunca soube realmente o que aconteceu no final das contas, até perguntar para uma colega sua, a qual também tinha sido uma vitima minha entre quatro paredes.
 - Sabe da Talita?
 - Ah... Hm. - Se deitou de bruços e suspirou. - Pensei que você soubesse.
 - Soubesse o que?
 - Ela desistiu da faculdade.
 - Como assim?
 - Ela desistiu. Disse que não era o que queria.
 - Ela não saiu por minha causa né? - Eu era tão egoísta que acreditava nisso mesmo.
 - Vai saber!
 Depois dessa noite de transa, eu decidi que iria procurar Talita e descobrir o motivo pelo qual ela havia desistido de cursar psicologia... Mas nunca pensei que fosse me arrepender e que fosse me importar com ela a tal ponto de andar tanto para encontrar com aquelas esmeraldas novamente... Se bem que nem eu mesmo sabia o que eu sentia. Eu realmente nunca soube.
 Andei muito pela cidade até encontrar a casa de Talita, afinal, a informação rolava solta com aquelas veteranas fofoqueiras que ela tinha... Então, quando toquei a campainha, a mesma me atendera com aqueles olhos verdes receptivos, mas que dessa vez, pareciam frios. Muito frios. Eu nunca havia sentido aquela coisa estranha antes. Sentia algo engraçado no estomago e uma péssima sensação por ver que ela me fitava com tanta frieza, eu esperava mais... Eu esperava muito mais daqueles olhos, do mesmo jeito que ela me olhava na noite em que eu finalmente, pude me aproveitar de cada parte de seu pequeno corpo.
 - Encontrei você. Não vim aqui com o intuito de ficar te pedindo nada, mas só queria saber porque você não está mais indo a faculdade.
 - E desde quando isso diz respeito a você?
 - Pensei que você tinha se apaixonado depois daquela transa.
 - Eu não me apaixono. Por ninguém. Muito menos por você. Foi só uma transa.
 - Bom, pra mim foi algo a mais.
 - Você diz isso pra todas? Elas acreditam mesmo?
 - É sério! Eu quero ficar com você! Se eu não ligasse, eu não teria vindo aqui.
 - Veio porque quis, ninguém te pediu... Ou pediu? Pagaram quanto?
 - Eu sinto coisas estranhas perto de você, mas depois daquele sexo, eu não consigo mais parar pra pensar em outra coisa. - Mas no momento em que eu dizia essas coisas que pareciam ser sem sentido pra mim, mas que eram do fundo do meu coração estúpido, vi outro homem andando e vindo em nossa direção e com uma expressão séria, perguntou:
 - Quem é?
 - Um amigo da faculdade.
 - Eu já disse que não gosto desses seus amigos, Talita.
 - Eu sei, querido, já estou mandando ele ir embora. - Querido? Isso eu não entendi.
 - Tudo bem, vou esperar lá na sala.
 E então, aquele cara que mais parecia um monstro, saiu, deixando-nos a sós novamente.
 - Eu sou casada. Não quero saber de você. Foi só sexo e se eu não vou mais a faculdade, isso é problema meu.
 - Casada? Mas você só tem 16 anos!
 - Escuta aqui, dá o fora daqui. Não quero saber de você. Você pode até ter sentimentos tolos e infantis por mim, mas você nunca saberá quem eu sou de verdade.
 Com uma agilidade quase que incomum, ela fechou a porta na minha cara enquanto eu fitava aquela madeira, tentando entender o que realmente havia acontecido... Ela era casada? Como assim? Eu... Eu... Eu não entendia. Não mesmo. E como se já não bastasse, passei a visitar sua casa todas as madrugadas e descobri que ela também já era mãe e que aquele grotesco era marido dela. Ela apanhava daquele filho da puta mas parecia estar feliz, porque seus olhos verdes brilhavam toda vez que encontravam os olhos vesgos e esbugalhados daquele maldito e eu... Com olhos castanhos e tristonhos, pela primeira vez na vida, senti uma dor anormal que quase me mata até hoje...
 Frequentei bares, arrumava briga, vomitava por uns becos, larguei a faculdade, comi putas, perdi minha casa, meu carro, minha familia... Perdi Talita... Perdi a única mulher que posso ter pensado um dia em me "casar"... Em dizer "eu te amo" e toda aquela babaquice escrota que todo mundo diz quando está apaixonado, mas isso nunca havia acontecido antes... Não para mim.
 Infelizmente, nesse mesmo dia, bebado e vomitado, resolvi visita-la. Gritei bobagens e mais bobagens na frente de sua janela e sei que ela conseguiu me ver, mas do mesmo jeito que a chuva, senti uma dor  terrível no peito e logo pude perceber que minha camiseta branca, estava com um tom avermelhado, que parecia colori-la cada vez mais... Olhei para o lado e vi aquele desgraçado com algo na mão que parecia ser uma arma e com o que me restava, fui até ele e me atirei sobre seus braços fedorentos, enquanto ele me deixava deslizar lentamente até cair ao chão.
 O filho da puta me deu um tiro, me roubou a mulher que eu amava, que acabou com a minha vida... E eu, filho da puta como ele, amei demais sem saber quem eu amava... Eu, filho da puta como ele, admiti para mim mesmo nos últimos segundos que amei Talita e que mereci cada gota daquela chuva que nem parecia tão gelada mais... E de repente, tudo escureceu, mas eu nunca soube se o dia, enfim, chegou.

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Uma crônica sobre uma tarde entediante de Novembro.

 Já parei pra pensar se deveria ficar simplesmente deitada nessa cama por um dia inteiro e ver as coisas, as pessoas, os carros e a cidade se mover em camera lenta pela janela, ver os repetitivos movimentos do sol durante uma tarde inteira e não pestanejar para não perder um segundo sequer de cada passo dado por essa rua, que poderia me levar para o final da cidade ou para um paraíso qualquer... Um puteiro qualquer.
 Tento porque teimo. Não há caneta que escreva um conto sem uma palavra, sem um sentimento besta ou uma mera ilusão de alguma coisa que pareça ser fácil de se imaginar... Ou que seja impossível, tanto faz, porque no final das contas, o céu azul vai acabar se tornando negro e num piscar de olhos, o dia amanhece novamente, com pequenas pinceladas lilás e um pontinho de azul claro como no fundo dos olhos da menina da padaria... Que pena.
 O cigarro está ao lado, as fotografias na parede são quase irrelevantes... Eu penso em tirar todas elas, em colorir cada pedaço desse quarto com um pedaço de quem já se foi ou de quem está por vir. Pensei em tirar os móveis do lugar, jogar fora a televisão, deitar no chão e com poucos acordes, montar uma simples canção sem pensar em nada. Nada além de nada. Nada além das vozes que lá fora pareciam indicar outra dimensão e eu simplesmente não podia entender. Não entendia nada. Não porque era japonês, nem se fosse chinês ou até mesmo português... Não entendia nada porque não entendia ninguém. Só o violão.
 Mudei a sala, como num pequeno jogo lógico, o quarto se transformou no banheiro, a sala se tornou a cozinha, que se tornou um quarto e quando passava das quatro horas da manhã, já não era mais nada. Não haviam mais peças que se encaixassem em cada buraco daquela cidade que eu observava hoje cedo. Eu quis levantar, apenas pensei em levantar... Mas no final de tudo, eu passei olhando, com grandes intenções os longos passos daquela menina de cabelos encaracolados... Como os de Caetano Veloso.

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Tóquio.

 O barulho do vento batendo na janela, acompanhado com os últimos gritos do trabalhadores que retiravam algumas coisas das ruas.
 Falavam algumas palavras tão rápidas que dificultava um pouco mais a minha compreensão, já que sentia a diferença de estar presente em um local aonde o meu idioma natal nem sequer era citado pelos nativos daquele país. Engoli seco, colocando de lado a papelada, misturando-na com o resto da bagunça que estava alí por aquele quarto tão estranho, com paredes diferentes das quais eu costumava acordar e observar nas manhãs de segunda- feira.
 Levantei-me calmamente e com curtos passos, caminhei até a grande janela. Os gritos daqueles trabalhadores já haviam se silênciado junto com aquela noite tão estranha para mim e tudo o que restava lá fora, eram os ventos. Ventos com perfumes diferentes dos quais eu estava acostumada a sentir.
 Um barulho suave acompanhava o ritmo desses ventos, meus olhos se deslocaram até o possível esconderijo dessa "canção oriental" e para a minha surpresa, um pequeno penduricalho, o qual eu não sabia nem o nome, balançava, agitado com as ondas de vento que lhe agrediam o descanso e como num piscar de olhos, mudava suas direções, respostas e intenções, como quem talvez, soubesse bem mais do que eu.
 Então, algumas luzes coloridas que de longe passaram a chamar a minha atenção, sinalizavam uma torre muito alta, imponente, como se fosse um rei que tivesse os olhos em toda a cidade e pudesse desvendar cada movimento de cada um de seus servos que passavam por alí ou que jantavam em suas casas, com sua família ou aqueles que assim como eu, estavam sozinhos e sabiam que talvez não estariam juntos de alguém por um bom tempo.
 Suspirei e hesitei, enquanto me lembrava de que aquela torre, me lembrava as luzes de São Paulo. Me lembravam a paísagem que eu havia visto ontem a noite, na maior cidade do meu país e que me traziam recordações estranhas, descritas em minhas memórias e em cada folha de meu caderninho vermelho, que me acompanha desde sempre, em cada aventura minha.
 Eu estava cansada. Muito cansada. Mas não conseguia desprender os olhos daquele brilho avermelhado que vinha de longe. Haviam sido mais de vinte e quatro horas de voo e cá estava eu, pensando em tudo que poderia ter sido mas nunca fora, talvez até mesmo criando algumas hipóteses para uma nova vida em Tóquio, que me arrancava um sorriso confuso.
 Seja Tóquio ou seja o Japão, eu sei que havia muito mais, por isso me deitei no chão de meu quarto e com as luzes apagadas, adormeci profundamente numa dança de silhuetas que eu desconhecia e nem sabia se poderia acordar amanhã ou continuar assim... Como quem não precisa de outro dia.

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Maquetes.

 Se tudo fosse como a gente planeja uma maquete, a cidade poderia ser mais leve e não haveria poeiras. Nem carros. Nem bicicletas. Nem pessoas.
 Os prédios seriam caixas velhas, cobertas por papéis que dão a pseudo impressão de uma nova paisagem ou de um novo aspecto, talvez mais bonito, talvez mais antigo, mas tiraria toda uma essência que antes, protegia o seu perfume.
 O seu perfume que pode ser de marca. O mais caro do mercado, o mais cheiroso de todos, o mais marcante e aquele que todos elogiam quando você passa por perto. Você pode estar com o maior sorriso estampado na cara, mas já parou pra pensar se esse sorriso vale mesmo a pena? Se todas as gotas desse perfume sedutor fazem você sorrir mais ou menos? Estranho pensar sobre.
 É diferente quando não se tem muita coisa, quando se tem apenas uns olhos que querem ser sinceros e mãos atadas pela incapacidade de agradar a todos ou até mesmo, agradar a alguém que lhe pareça ser algo a mais. O sentimento de rancor, a solidão e a capacidade de desenvolver um raciocínio para encantar e conquistar as pessoas, já que não há muito o que se possa fazer caso queira se relacionar socialmente.
 Não sei agradar. Juro que não. Não sei muito bem o que dizer na hora certa e nem o que pensar na hora errada, mas com certeza sei que, meu bem, nós nunca existimos.
 E nunca vamos existir, de fato.
 Coexistir é fácil, errar também, amar não.
 E não há vinho que me faça mudar de ideia.

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Meu eu, só meu.

 Meu eu.

 Meu pequeno e inútil eu sentado nas pedras que já estiveram dentro de um rio.
 Meu tão estranho eu. Indiferente. Submerso eu, sufocado eu, cego eu, tanto eu que não me restou outras palavras a não ser eu-inútil, eu-perdido, eu-sozinho. Eternamente eu-sozinho.
 Meu eu tentava ler mais uma vez ao pequeno príncipe, mas o meu eu não sabia enxergar mais nada além de vastas luzes que se afastavam cada vez mais e quase que em um universo paralelo ao meu, eu não via mais nada além de uma noite escura sem estrelas, com cheiro de chuva, com cheiro de destino e uma brisa quase que irrelevante.
 Me questionava.
 - Meu eu, o que eu faço agora? - Mas o meu eu nunca me respondeu nada.
 - Meu eu, pra onde eu vou agora?
 - Meu eu, não consigo enxergar.
 - Meu eu, a chuva vai cessar?
 - Meu eu, quando o sol vai nascer novamente?
 - Meu eu, quem sou eu?
 - Meu eu, aonde estou?
 - Meu eu, meu eu, meu eu, meu eu.. - E repetia isso tudo pela eternidade.
 Meu eu estava tão triste que nem sequer me respondia mais... Eu costumava ouvi-lo toda vez que a razão não fizesse mais sentido e a emoção não me levasse a mais nada... Meu eu tinha uma solução que me fazia suspirar lentamente e forçar um sorriso torto. Cadê o meu eu?
 Meu eu tá perdido como eu. Meu eu não tá mais comigo ou se está, tornou-se mudo e eu tornei-me cego.
 Embora não enxerguemos mais nada, meu eu entenderá que há um dia para nossos pequenos passos e marcas de dedos espalhados pela terra seca, avermelhada. Meu eu sabe tanto sobre tudo que já eu, não saberia nada se não fosse por ele. Meu eu me ensinava todos os dias, com passos duros e o suor no rosto, encarar as ameaças naturais de uma trilha que parecia fazer sentido... Mas agora que o meu eu parou pra descansar e nunca mais voltou, minhas pernas perderam a capacidade de se locomover, de se levantarem e continuarem seguindo... Meu eu se tornou um nada, assim como eu, meu eu fracassou. Meu eu caiu. Meu eu se embriagou... Meu eu frequentou botecos... Meu eu se odiou eternamente... Meu eu se amou...
 Mas o meu eu... Me abandonou... E agora... Se não tenho mais os sentidos...
 Meu eu sempre repetiu... Mas eu nunca escutei que o meu eu sempre tinha razão...
 Há sempre uma razão pela qual eu escolhi andar sozinha esse tempo inteiro... E continuarei andando...
 Até o meu eu... Até o último suspiro.

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Luzes violetas.

 As batidas continuavam firmes em um ritmo quase desconhecido para mim e tudo o que meu corpo podia sentir era uma vibração intensa, quase que infinita tomando conta de meus movimentos tão duros e planejados, era como uma máquina inexistente que precisava de um pouco mais de energia para se locomover ou simplesmente de uma nova manutenção, mas eu perdi meus olhos no meio de tantas luzes, de tantas cores diferentes e metade delas, eu não saberia reconhecer e muito menos, lembrar de seus nomes ou de onde vieram.
 Não é essa a questão. Não vou falar da música e sim da sensação que tive quando olhei o meu reflexo na mesa espelhada que estava sobre o som. Vi meu reflexo, vi o reflexo dele, logo atrás de mim e o dela, que estava ao meu lado. Vi os olhos de ambos e enquanto procurava entender, enquanto procurava uma razão, ele tentava não olhar para ela e ela, se perdia nas batidas de bateria e nos solos de guitarras que pareciam ser tão livres. Num suspiro ou dois, eu soube que talvez fosse a hora certa de dizer ou de parar... As luzes violetas.
 Espelhos e mais espelhos, pessoas que dançavam e se divertiam, bebiam, falavam bobagem e riam entre si de piadas bobas ou se atiravam no chão de tanto dançar. Estavam perdidas no seu ecstasy eterno e em seus movimentos repentinos que pareciam acompanhar aquelas batidas. Olhavam-se nos olhos e suavam loucamente com um ar de que queriam mais, sentindo um tesão tremendo de continuar se movimentando como se o som não fosse acabar, como se as luzes continuassem a piscar, guiavam-nas para outro lugar, refletiam os espelhos que pareciam vazios para mim e ele... Ele ainda olhava pra ela.
 Sua expressão era inconfundível, eu via nos olhos dele tudo aquilo que ele queria com ela e ela se perdia nos espelhos. Reflexos infinitos e muitas histórias que talvez não devam ser reveladas... Não sei muito bem ao certo o que foi que aconteceu, aonde meus olhos foram parar ou aonde aquela fumaça me afetou, mas eu sempre soube que no final das contas... Eles... Talvez pudessem mesmo ficar juntos... Ou foi um engano meu?

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Mudanças são normais?

 Não sei. Talvez sejam sim, pois ao longo da vida, as pessoas tendem a amadurecer ou até mesmo regredir em relação a tudo aquilo que aprenderam com experiencias relacionadas a coisas bizarras ou até completamente inúteis.
 Como dizia Gregório de Matos, "A firmeza somente na inconstância" e eu complemento dizendo que é a firmeza da vida ou todas as coisas concretas que as pessoas insistem em acreditar ou desacreditar. Tudo tende para a incerteza na vida de todos aqueles que procuram com horários definitivos, os seus trens de partida, que talvez o levem a algum lugar que seja melhor ou até mesmo pior, mas aqueles que se vão, nunca estarão satisfeitos totalmente, portanto, mudam-se a cada segundo que podem ou até mesmo, que não podem.
 Só acho que com tudo isso, nós mudamos. Eu mudei, você mudou, eu cresci, você cresceu e as coisas tornaram para um lado diferente do que esperávamos. Todo mundo diz que é normal, todo mundo acha normal mas eu sou a única que acha isso uma loucura? Tanto tempo com tantas coisas e de repente, elas passam sem mais e nem menos? Nós passamos por tantas coisas juntas e no final das contas, nos restou uma amizade que foi facilmente destruída pelos ventos e pela areia que o tempo trouxe numa tempestade qualquer? O que aconteceu conosco? O que há de ser?
 Eu não entendo. Não é normal. Não é normal pra mim ter que aceitar isso tudo e mentir que não sinto saudades de conversar bobagens com você durante uma noite inteira ou quando eramos bobas o suficiente para acreditar em sonhos adolescentes, estúpidos, os quais nos moviam e nos faziam sorrir. Desejos, intrigas, palavras, abraços e uma eterna sede pelo desconhecido, o qual nunca imaginamos e que nos trouxe até aqui.
 Que seja então, como tiver de ser, como for e como será. Minha vida é calculada, o tempo não, o tempo deixa ruínas como deixou de nós, uma fotografia e apenas os bons momentos na cabeça e a saudade de um abraço e talvez de um beijo que nunca mais nos consolará, nunca mais existirá, apenas a sensação de um doce momento que parecia tão eterno quanto aquele sentimento que você me trouxe. E que levou consigo, uma pequena parte de mim. Eterna.
 Minha Penny, espero te ver de novo algum dia. Espero que a vida nos deixe sorrindo por aí e que possamos, novamente, nos entender um dia sequer... E que enquanto nada disso acontece, vivamos o que o presente nos dá e o que o futuro nos escreve, sem sabermos e depois... Sei lá, depois é depois... Um fim que eu desconheço.

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Cama, livro e café.

 Existem pequenos momentos que por mais que o tempo tente os varrer, estão fixos no chão da vida de quem anda por aquele apartamento. Estão presos, em molduras brancas talvez, com um efeito de uma fotografia antiga, a qual não se pode destruir e alguns, pendurados nas paredes brancas que são frequentemente vistas por visitas ou até mesmo por estranhos, mas nem sempre, pois existem portas que não se abrem tão facilmente e também quando se fecham para outros, é para nunca mais se abrirem e o inverno lá fora, acaba sendo um pouco mais gelado.
 Na sala desse mesmo apartamento, há um sofá e um violão encostado no mesmo. Um violão antigo, com marcas da vida e que nos braços de uns e de outros, emitia uma música a qual nos lembrava que há muito tempo, já existiram razões para que cantássemos ali e as palavras proferidas, numa simples letra, talvez significasse bem mais. Olhos nos olhos. Um momento a sós. Aquela risada ao lembrar de uma música antiga e a sensação boa de estar se cantando aquilo que gostaria de ser dito. São risadas que percorrem os longos corredores e conseguem chegar aos meus ouvidos e que, sem nenhum esforço, fazem parte de mim.
 Nos quartos, poesias e palavras grudadas nas paredes manchadas. Alguma forma de sair e esquecer as dores da vida. Poemas que já foram dedicados para tantas pessoas, poemas tão diferentes sobre mundos tão diferentes e lugares tão diferentes. Poemas tão reais e outros tão utópicos quanto os pensamentos que naquela cama, adormecem como se não houvesse um amanhã e no final das contas, aquela letra tão mal feita com aquelas rasuras tão grandes destacam que uma vez na vida, eu tentei sentir ou realmente senti, não sei, mas eu tentei. Eu juro... Juro que tentei.
 Já na cozinha, a panela com uma certa quantidade de água ferve.
 - O chá está servido.
 Eu me lembro. Suspiros e uma volta e meia para darmos risadas e um bom dia na mesa.
 A água que ali fervia para o café, já se ebuliu quase que por inteira e dela, nada restou, a não ser uma panela queimada que esperava por uma atitude a mais. Eu fiz isso também? Devo ter feito.
 A bolacha ruim e mais algumas conversas de um domingo que parecia acordar melhor, que transformava a embriaguez do dia anterior, em mera consequência estúpida da vida e ainda me diz que no final desse livro todo, sempre existiu um marcador de paginas com uma caneta nova, para que eu pudesse retornar ou ao menos tentar marcar. Depois escrever. Escrever muito até me cansar de tudo.
 O melhor de tudo é que você e já se foi. Uma parte só que eu nem soube escrever, que a gente nem tentou escrever, mas que nunca iríamos escrever de fato. Era um tudo e um nada e ao mesmo tempo, marcas de canetas borradas por toda a folha... A pagina que nunca soube virar.

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Quase um ano.

 Reconhecer limites pessoais é uma verdadeira merda, pois quando tudo parece estar funcionando para que o inalcançável seja finalmente alcançado, as pernas tremem e uma tempestade de ventos faz com que toda força obtida, seja perdida na mesma proporção e no final das contas, eu sei, eu nunca mais serei a mesma.
 É triste admitir isso. É triste pensar que no final das contas, meus limites se ampliaram por conta de algo que eu nunca pensei em "adquirir" certa parte da minha vida. Fora difícil. Tantas noites perdidas, pensando em algo inexistente para que por um ou dois segundos, pudesse aliviar toda aquela tensão de saber se no dia seguinte, conseguiria ainda abrir os olhos e enxergar as paredes brancas do meu quarto... Ou pelo menos do hospital e suspirar aliviada por finalmente saber que podia ficar tudo bem. Era mais um dia. Um dia a mais é sempre um momento a mais, que não pode ser desperdiçado, nem por um segundo e são as vinte e quatro horas mais valorizadas durante uma vida inteira, a qual a incerteza domina sobre o dia de amanhã.
 Nunca pensei em reclamar de tudo, as vezes acho que até valeu a pena. Naquele instante, a melhor parte de mim possuía olhos verdes e cabelos loiros que me faziam acreditar e continuar, mas depois, essa melhor parte de mim fora arrancada e eu passei a caminhar novamente com meus próprios pés sobre uma areia um pouco mais firme que a anterior, a qual eu nunca saberia se conseguiria sair ou não.
 Abri meus olhos num pulo e quando as coisas foram passando diante de mim, percebi que não teria um fim alí e que talvez, se eu segurasse um pouquinho mais o meu dedo indicador e apertasse como uma criança assustada, eu conseguiria sair dalí sem me preocupar. Eu sorriria e eu acreditaria depois que pra se viver, é preciso aprender a lidar com todas as dores imundas que ensinam lições importantes ou bobas, mas que servem como os livros que educam aqueles que querem abrir suas imaginações ou expor suas opiniões.
 Eu sei, já vai fazer um ano.
 Um ano e eu estou aqui.
 Quanto tempo...

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Efeitos de vinho branco ou coisas estúpidas.

 E se eu te dissesse tudo aquilo que eu tenho vontade de dizer, alguma coisa saíria do lugar? As coisas fugiriam do meu controle novamente e eu ficaria completamente perdida? O que aconteceria se eu proferisse as palavras certas (ou erradas) no momento certo (ou errado) e lhe fizesse pensar (ou não pensar) sobre tudo isso que têm acontecido nos últimos meses? Será que você notou ou que passou despercebido? Será que fez sentido?
 É engraçado. Tá todo mundo reclamando da vida hoje e a única coisa que eu posso fazer pro tempo passar um pouco mais depressa é beber várias cervejas no meio da semana, ouvir New Found Glory e procurar, sabe-se lá como, alguma palavra que possa esclarecer tudo isso que tá se passando na minha cabeça agora.
 Eu sei que vou continuar sentada aqui e que quando você chegar, vai pedir pra eu sair. Eu vou sair. Vou caminhar até a porta e pensar em tudo aquilo que eu poderia ter dito ou ao menos, não dito e quando chegar em casa, vou me jogar nas palavras erradas que estão justamente em cima da minha cama, desarrumada e amassada, como quem não precisa de esperanças para um outro dia, pois do mesmo jeito saí, elas saíram pra nunca mais voltar, mas eu ainda penso em voltar, se você quiser que eu volte, claro.
 Se eu resolver ligar a televisão, vou mudar de canal sem parar, vou fingir que estou concentrada em algo que realmente não me prende. Depois vou tentar ler o jornal, depois vou tentar ler algum livro, depois vou tentar escrever, vou tentar fazer música, vou tentar tirar da minha cabeça várias razões pelas quais eu poderia ter feito diferente ou simplesmente ficado, caso alguma coisa fizesse sentido, já que na minha cabeça, nada disso faz sentido algum. Nada. Nada mesmo.
 Vou entrar no google e fazer umas vinte pesquisas sobre o que dizer. Vou procurar palavras novas e vou fazer mais rodeios pra nunca chegar aonde eu quero chegar, mesmo sabendo o rumo, mesmo sabendo aonde eu quero estar, eu não quero chegar. Tenho medo do caminho. Tenho medo dos automóveis vindo em minha direção, em alta velocidade. Tenho medo de um grave acidente. Tenho até mesmo que colocar uma máscara de papel pra observar o movimento sem nem precisar fingir um sorriso. Nem sei o que fazer.
 É uma péssima situação, essa de ficar largada em casa pensando em tantas coisas que ao seu ver, não parecem fazer sentido algum, mas que os outros, dizem fazer sentido. O que é isso tudo? O que vai ser isso tudo? O que pode ser isso tudo? Conquistas, paixões, perdas, derrotas? O que é tudo isso que a gente sente quando os sinais não correspondem as ondas lançadas? O que é se embriagar pra tentar entender as coisas?
 Não sei, não sei e não sei. Só sei que nada nunca vou saber.
 E quem é que vai que me explique.

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Noite de show.

 Horas. Horas e mais horas que se passavam lentamente, como quem não tinha pressa de chegar a lugar algum. A agonia tomava conta de minhas mãos e o caderno agora, já possuía seu nome em cada linha do mesmo. Eu tentei me controlar. Eu tentei não ligar. Eu tentei tanto mas nada consegui. Quem dera pudesse ter sido um pouco mais fácil, mas naquela noite, eu soube. Eu tive certeza. Tenho que ligar. Vou ligar. Devo ligar? Droga! Será que eu devo ligar? Seria mais fácil ignorar? Será que se eu não ligar, ela vai ligar de volta? E se eu ligar e ela ligar de volta num outro dia? Ah, que se dane! Eu vou ligar.
 Disquei o número um pouco tremulo e engolindo seco. Não sabia muito bem o que dizer, mesmo que na maioria das vezes, eu sempre estivesse calmo nessas horas, mas hoje eu não estava! Hoje não. Não me peça calma, não me peça palavras, eu não tenho muito pra dizer, apenas o suficiente.
 Apertei o botão para ligar e quando comecei a ouvir aqueles bipes compassados, senti a minha espinha congelar, a garganta secar e aquela sensação terrível de que alguma coisa poderia acontecer no instante em que ela pudesse...
 - Alô? - Atender essa merda e interromper bruscamente os meus pensamentos.
 - Olá! Tudo bom? - Tentei manter a calma mas acho que engasguei um pouco com as palavras.
 - Oi! Não esperava que você ligasse. - Aquela voz... Ah, aquela voz.
 - Eu também não esperava que eu ligasse... - É nessas horas que eu sinto raiva de mim mesmo, mas a risada do outro lado da linha, fez com que eu me acalmasse um pouco.
 - Que bom que ligou.
 - Sério?
 - Sim... Eu estava mesmo esperando que você ligasse... Talvez eu não soubesse muito o que dizer na noite passada, talvez a gente pudesse conversar agora... Estava muito barulhento, não acha? - E riu mais uma vez, senti uma sensação extremamente agradavel, embora ainda fosse encomoda.
 - Ah, realmente... Mas a banda estava boa, não acha? Digo... Eu me diverti... E você?
- Também, bastante! Eu não esperava aquilo deles, na verdade.
 - Pra ser sincero, nem eu...
 - Pois é... - E a falta de assunto. Talvez eu devesse falar algo útil pra quebrar o gelo?
 - Você estava linda com aquele chapéu.
 - Ah, obrigada! Gostou mesmo?
 - Sim, fica ótimo em você, assim como qualquer coisa, érr... - Gaguejei.
 - Está sendo fofo, apenas.
 - Não, estou sendo sincero, pequena.
 - Larga disso, eu não fico bem assim.
 - Fica sim, você ficaria linda até de pijama, chinelo e com os cabelos bagunçados. - Senti meu coração apertar. Eu não estava mentindo. Ao meu ver, ela ficaria linda de qualquer jeito.
 - Porque está sendo tão fofo?
 - É que eu não esperava que tudo aquilo acontecesse. Eu queria que acontecesse de novo, sabe? Eu queria tentar.
 - Quer? Porque?
 - Porque é o que há, oras. Eu adoraria lhe acompanhar, seja na praia, seja na maré, seja no vento, seja em qualquer lugar. Eu ficaria feliz em segurar a sua mão e dizer que o sorriso estampado na minha cara era por sua causa. Eu ficaria feliz de estar ao seu lado sempre que você precisasse. Eu fico feliz perto de você.
 - E pra que tantas palavras?
 - Pra dizer que, pequena, se acontecer do amor existir pra nós, a gente é quem vai saber e não ninguém. Só a gente. Então me entrega esse jornal, senta comigo no café de manhã e vamos falar bobagens, depois eu te levo a pé pra casa, a gente vai cansar, mas no final, estaremos rindo, porque estariamos juntos e acho que já valeria a pena.
 - Talvez nem tudo valha a pena.
 - Mas vale a pena quando a gente quer, pequena. Se você quiser, a gente pode tentar fazer o mundo.
 - Pode dar errado.
 - E que dê! Quem se importa? Tá aí pra dar errado mesmo, pode ficar pior do que já está? - E a ouvi rindo novamente.
 - Não mesmo.
 - Então façamos o mundo da nossa forma e que os ventos soprem para nós. Deixe o resto pra lá. Vamos sair essa noite e a gente se entende.
 - As oito?
 - As oito.
 - Sem hora pra voltar?
 - Sem hora pra voltar. Te acompanho.
 - Certo. E se o vento soprar errado?
 - A gente luta para ir contra, oras. O importante é lhe acompanhar. - Sorri.
 - Te vejo a noite.
 E ela desligou. Não sei o que foi que deu em mim, não sei muito bem o que foi que aconteceu, eu só sei que eu gostaria de tentar e acho que ela, tanto quanto eu, também gostaria e se o vento soprar a favor, que venham as folhas de outono, as friagens do inverno, o sol do verão e as flores da primavera. Estaremos eu e a minha pequena e nada mais importa.

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Velas e caravelas em Santos.

 De vez em quando, nas minhas noites em Santos, eu gostava de ir pra janela do apartamento e acender um cigarro. Aproveitar que uma vez ou outra, eu saía daquela minha vida urbana e conseguia um pouco de paz observando o mar que parecia ser tão infinito naquele instante. Os navios lá longe, esperando pelo sinal para entrar no porto, suas luzes me guiavam os olhos enquanto que a areia estava completamente nua e iluminada, diferentemente de meu apartamento que estava todo escuro.
 Gostava de fazê-lo sozinha. Fumava um, fumava dois, fumava vários, mas digamos que nesse dia, eu não estava completamente só. Todos já haviam adormecido e lá estava eu, com o famoso cigarrinho vermelho entre os dedos. Suspirando, pensando, tragando e com uma vontade tremenda de por meus pés descalços naquela areia que parecia um tanto limpa naquela madrugada.
 - Tá acordada ainda? - Ouvi uma voz bem familiar, mas não me dei o trabalho de me virar para ver quem se aproximava.
 - É. Tô meio que sem sono.
 - Vamos dar um rolê na praia então?
 - Pode ser. Vamos sim.
 Apaguei o cigarro no cinzeiro e logo coloquei os meus calçados. Fomos até a praia calmamente, sem dizer nada, apenas calados enquanto observavamos o quão vazia estava aquela avenida naquele instante. O cheiro do mar nos acalmava e aquela brisa gelada bagunçava um pouco de meus cabelos um tanto despenteados e por isso, dei de ombros.
 Nos sentamos alí, não muito longe do mar mas também não muito longe do calçadão e como de costume, acendi mais um cigarro.
 - Aceita um?
 - Dessa vez vou aceitar.
 Dei-lhe um cigarro e acendi o mesmo, enquanto tragavamos e pensavamos em coisas distintas... Ou não.
 - Sabe... É sempre uma boa vir aqui de madrugada, não acha?
 - Sim. Me transmite uma sensação muito boa.
 - É, a mim também.
 - Engraçado... Até as idéias, sabe?
 - Entendo. Pensa demais, não?
 - É, em todas as coisas, todos os tipos de coisas. Não sei ao certo.
 - Se estiver pensando no mesmo que eu...
 - Depende. O que é?
 - Em como as pessoas lhe abandonam.
 Quando disse isso, ouvi com atenção e realmente, era algo a se pensar.
 - Em que sentido?
 - Em todos. Muitas vezes você é um louco apaixonado por alguém ou simplesmente está apoiando alguém e no instante em que você se descuida, plaft! Você caiu de um abismo. Todo mundo te empurra.
 - É verdade. Ninguém está lá pra você. Ninguém sobe em lugar nenhum por você.
 - É, mais ou menos isso. Não importa o quê. Mesmo que você tenha milhares de amigos, sempre haverá algum que vai te deixar cair. Ninguém é forte o suficiente para segurar o outro, afinal, nascemos sozinhos e não para ficarmos juntos o resto da vida, se é que me entende.
 - Não, não! Eu concordo.
 - A sensação de ficar sozinho a vida inteira é um pouco estranha, ao ver de alguns, mas ao meu ver, é interessante, pois chega uma hora que todos passam a ir embora e no final das contas, não há mais nada a se dizer, a se fazer a não ser abrir a porta e ir embora também, pegar um táxi e o primeiro avião que você achar. Pra algum lugar. Ou se preferir pode ir de trem, carro, qualquer coisa... Mas é algo natural da vida. Colocar as malas no porta-malas e seguir em frente, entende? As fotos ficam pra depois.
 - Mas... Porque está dizendo isso assim?
 - É que quando você é abandonado várias e várias vezes, você acaba aprendendo que mudar é um ciclo natural. Nada é pra sempre, ninguém dura pra sempre, sentimentos não são pra sempre. Nada dura mais do que um determinado tempo e ainda assim, as coisas tomam um rumo diferente. Não adianta, as pessoas acabam se desencontrando, pois nenhuma vida fora feita para se enganchar na outra e com isso, viver assim. As pessoas tentam fazer isso, mas não é bem assim que funciona, elas tentam fazer isso funcionar, entende?
 - É, realmente. Correntes, não?
 - Enferrujadas. Prontas pra quebrar a qualquer instante. Tudo é muito frágil visto assim.
 - É, eu concordo. - Dei um longo trago enquanto assimilava suas idéias.
 - As vezes eu queria entender como as coisas funcionam do outro lado...
 - Como assim?
 - Aquela velha história de remar e ser deixado levar pelas marés.
 - O que tem?
 - Faz sentido, não? Você nunca sabe onde vai parar, em que porto vai procurar abrigo... Nunca sabe quando uma tempestade vai chegar, quando um dia ensolarado vai brilhar, você nunca sabe das coisas que podem acabar acontecendo. Você só vive, só respira, só controla a vela do seu barco para que ela não rasgue, mas caso isso aconteça, você rema.
 - E se não tiver remos e a vela rasgar?
 - Aí você se deixa levar. Com certeza a algum lugar você vai chegar.
 - Sabe exatamente aonde?
 - Ninguém nunca sabe.
 - E se não for a algum lugar bom?
 - De volta ao mar! O bom de se viver é isso, você pode ter escolhas, na verdade, você pode tentar. Não importa em quantos portos você pare, você sempre chegará a algum lugar, seja ele bom ou ruim.
 - Mas e os amores? Desamores?
 - Faz parte. São cicatrizes de lutas, sobrevivencia, sorrisos e lágrimas. É a saudade de casa.
 - Então quem navega não tem casa?
 - Tem sim! A imensidão do mar. Olha só aqueles navios lá longe... Provavelmente alí haverão alguns loucos para voltar para casa mas com certeza alí existem vários deles que sabem que o oceano é a sua casa. As ondas, a maré, a brisa, tudo. Principalmente os portos, aonde estão seus amores.
 - E pra que tantos rodeios?
 - Porque quando se trata de paixões, não existem paixões entregues e as conquistadas, são as que mais valem a pena.
 - Acha mesmo?
 - Acho. Um esforço em um projeto incompleto vale bem mais do que um projeto pronto. Você imagina seus amores?
 - Não, não faço nem idéia.
 - Então olhe melhor ao seu redor, não precisa encontrar, mas se você acreditar, ha de surgir.
 - E quem não acredita?
 - Faz como eu. Rema, veleja que tem onda. Hoje o mar tá bom, o dia ta ensolarado e se amanhã chover, temos a certeza de que o dia vai voltar a brilhar.
 Sorri com sua última frase e me calei. Tinha razão e não precisei de mais nada, apenas terminar aquele cigarro e me deitar na areia enquanto via sua sombra se afastar de mim. Acho que era a hora. Apaguei o cigarro e fechei meus olhos. Era hora de dormir.

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Um telefonema e a banda de samba.

 - Mais um, por favor?
 - Mais um?
 - Sim. Mais um.
 E me entregou o objeto azul que estava em suas mãos, com um olhar desconfiado.
 - Não acha que está exagerando hoje?
 - Não. É o suficiente.
 - Vai ligar?
 - Vou tentar. Devo?
 - É, eu acho que deve sim. Eu não ligaria.
 - Você nunca liga.
 - É que eu sei que se eu não ligar, ela não vai ligar de volta.
 - Então! Deveria ter ligado.
 - Acho que não.
 - Tudo bem. Vou ligar.
 Os bipes compassados do outro lado da linha me assustavam um pouco. Meu coração batia conforme o tom daquele momento tão confuso e atormentador. Parece até simples, mas é dificil quando se trata de...
 - Alô. - Ah que merda, eu não tava planejando isso.
 - Alô! Érr... Com quem falo por favor? - Eu reconheci a voz, mas fingi que não.
 - Sou eu... - E disse seu nome, que eu já sabia de cor.
 - Ah, oi! Sou eu... E eu gostaria de saber como você tá? - Idiota?
 - Olá! Eu estou ótima e você?
 - Estou bem, que bom! Então, eu gostaria de saber se você vai estar em casa esse final de semana.
 - Acho que sim, por que?
 - Queria te chamar pra sair. - Senti minhas espinhas congelarem.
 - Claro. Aonde quer ir? - Ela aceitou?
 - Qualquer lugar que você queira! Tem alguma idéia?
 - Por enquanto não, mas vou pensar.
 - Tudo bem, passo pra te buscar as nove?
 - Tudo certo. Te vejo lá.
 - Okay, até mais.
 Desliguei.
 Suspirei novamente e olhei a minha volta.
 - E aí? Como foi?
 - Ela aceitou!
 - Como vai ser?
 - Eu não sei, só sei que vai ser.
 E peguei minha jaqueta jeans pra pular na cidade. A banda estava passando, o samba estava tocando e eu fui a procura dela junto com a música.

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Espetáculo.

 Era assim, vagava pela cidade sem rumo de madrugada. Tomava uma cerveja, pagava a conta, ia embora e sempre estava com um olhar bem distante. Já havia deixado a mania de procurar botecos para ouvir os homens e suas histórias, afinal, estava tentando não contar a sua também.
 Andava e não se importava com mais nada. Não encontrava sentido nas pequenas coisas que antes pareciam ser ótimas e que lhe arrancavam um sorriso do rosto, sorriso sincero que há muito tempo já não era o mesmo do espelho de manhã, que também já não era mais o mesmo depois de ouvir uma boa piada ou coisa parecida, mas ninguém sabia para onde tinha ido esse sorriso, pois as cortinas estavam fechadas para o espetaculo. Espetaculo sem público, sem final, sem sentido. Sem enredo.
 Trabalhava todos os dias e já não pensava mais no amanhã. Era meio que automatico e as falas, muitas vezes, nunca eram pensadas. Nunca foram escritas e seus olhos seguiam concentrados em algo que não lhe parecia familiar, mas que era, até por demais. Era a única coisa que sabia fazer bem e no entanto, já não se importava mais. Assim como deixou de amar alguns amores, deixou de amar o que melhor fazia e vivia sem saber aonde chegar.
 Subia no palco algumas noites, tocava algumas notas, cantava e não ouvia ninguém. Se ouvisse sua própria voz, já seria interessante, mas o teatro estava vazio e não parecia emitir som algum. Era como se não houvesse música, era como se não houvesse nada. Era como se fosse um eterno vacuo, sem resposta, sem eco e sem porta de entrada, mas já era costume de sua rotina viver disso. Já não se importava mais. Seus olhos acompanhavam aquela imensidão e não chegavam a lugar nenhum.
 Deitava no sofá da sala, lia jornal, bocejava e tomava café nos domingos pela manhã. Passava os olhos pelas pequenas letras como quem lia com interesse, embora tudo alí não fizesse o menor sentido. Olhava pros lados e todos os atores do espetaculo, haviam ido embora. Os oculos sujos, as roupas jogadas, as fantasias que um dia já foram coloridas até demais e aquela vontade imensa de abrir a cortina para que tudo se inicie outra vez, mas sem a música macabra e talvez com um público que ame tanto essa peça quanto o próprio artista.
 Colocou sua máscara e amou, mais uma vez, todas as palavras e todos os passos a serem seguidos naquele pedaço de papel amarelo e rasgado. Os olhos brilharam ao fundo e em três segundos, já possuía uma garrafa cheia em sua mão esquerda enquanto que observava as cortinas vermelhas que lhe atrapalhavam a visão. Chutou-as, sentiu ódio, sentiu tanta coisa mas que se acabaram no momento em que retirou a máscara e tudo o que lhe estava a frente, desapareceu novamente.
 Eu não sei muito bem o que era ou do que se tratava, mas no final das contas, esse tempo todo, esse ator era eu.

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Péssimo texto numa manhã de domingo.

 Noite mal dormida com pensamentos antigos. Coisas que já me cansaram um dia e que hoje parecem fazer sentido novamente. Idéias ruins para um pensamentos diferente enquanto as palavras saem quase que travadas, uma a uma, como uma corrente enferrujada, pronta para se soltar a qualquer instante e quando isso acontecer, as palavras se soltam e tudo passa a não fazer sentido novamente. Não mais. São só palavras, mas não pra mim.
 Decidi hoje, sem querer, que novamente vou lhe escrever alguma coisa. Só pra tentar apagar essa sensação estranha que sinto toda vez que acordo pensando em você, essa sensação de um vazio sem fim que deixaria de ser tão triste se houvesse mais alguém, que no caso, seria você. Você e suas mãos, seus abraços, seu sorriso e principalmente o seu olhar, que tem alguma coisa diferente dos outros, mas é fantastico e faz com que eu me perca em meio as linhas que tento retalhar para logo me aproximar de ti e lhe fazer sorrir.
 Eu não tenho lá o melhor jeito de agir com as pessoas, na verdade, eu não levo jeito com nada. Tudo o que eu faço é apenas alguma coisa para ficar ao teu lado ou pelo menos lhe chamar a atenção e eu sei que muitas vezes não é lá uma forma muito agradavel mas juro que não faço por mal. Eu só não sei como agir. Eu nunca soube e então, acabo um tanto perdida enquanto espero alguma resposta que muitas vezes, pode não ser algo muito incentivador, mas eu espero. Eu espero muito. Eu espero porque eu sei que vale a pena.
 Reme nas minhas palavras. Ou melhor, deixe-as te levarem na maré mais calma possível e se elas forem boas o suficiente, te trarão até mim, mas lógico, só se você quiser e deixar que as correntes se soltem, no final das contas, eu posso lhe proporcionar muitas coisas boas, creio eu. Não tenho tudo, mas acho que tenho o suficiente para lhe trazer bons sorrisos e bons momentos, pois ver-te feliz é o melhor presente que posso ganhar durante um dia todo. Ou o seu sorriso. Ou você.
 Eu sei. É tudo muito pouco embora sejam muitas palavras. Mas eu sei, talvez você saiba que o que vale a pena é o que se sente. O clichê de tudo. Não precisamos de flores ou chocolates, é apenas um agrado a mais. A única coisa que lhe peço é que se quiser tentar, estou aqui. Estarei aqui. Calada, mas estarei. Esperando por você.
 Agora se me permitir, vou apagar isso.

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Apenas um conto de amor.

 Numa certa vez, conheci uma menina. Ela tinha cabelos negros que combinavam perfeitamente com seus olhos, também negros. Tinha uma pele branca, tão branca quanto as nuvens daquele dia ensolarado. Não me lembro que dia, não me lembro aonde, só sei que conheci essa garota e nem o nome dela eu quis perguntar. Tive medo. Medo de saber demais. Medo de olhar naqueles olhos que possuíam um brilho único sei lá de onde, eu só queria descobrir de onde vinha um olhar tão sincero. Solitário também, o que acabava por complementar os meus olhos cansados. Ela me olhava e me arrancava a alma, pr'eu perceber que podia dormir nas voltas de seu corpo. Corpo delicado. Podia eu parar de contemplar tamanha beleza?
 Tinha um sorriso que me contentava. Um sorriso que me fazia sorrir toda vez que ela comentava algo ou que se lembrava de alguma coisa que julgava engraçada. Não tinha uma feição comum e nem interesse por livros ou política, mas era tão bela e delicada que me fazia repensar em todas as coisas que na minha vida, nunca fizeram sentido, embora eu soubesse que fosse uma única vez, um único encontro com a garota dos olhos negros. Não precisavam ser verdes. Eram tão belos quanto.
 As vezes, quando eu estava cansada demais pra enxergar alguma coisa, ela me acolhia como uma árvore que acolhia alguns pássaros durante uma chuva de verão. Me abraçava, me envolvia pr'eu não reclamar da vida. Me contava casos, me distraía, me cutucava, me tirava as roupas e as colocava no varal, para secar e esperava comigo, no sofá da sala, o inverno chegar. Deitava sua cabeça sobre meu ombro, segurava minha mão e me sussurrava algumas coisas. Me pedia pra ficar, pra não sair na chuva, porque tinha meio de raios e eu a calava, com um beijo no calar da madrugada.
 Embora eu nem soubesse seu nome e tomasse um café com ela na manhã seguinte, para rirmos de todas as coisas como sempre fazíamos, era meio que indiferente. Ela tomava doce, eu tomava amargo, ela gostava de tango, eu gostava de bossa nova, ela era fã de Picasso e eu de Frida. Ela reclamava do quanto eu era fria, eu reclamava do quanto ela era quente, ela me envolvia e eu dormia no sofá. Ela me escrevia, eu apagava, ela lia Clarice e eu lia Machado. Sempre fomos tão assim e acho que sempre seremos assim, claro, se eu a tivesse conhecido mesmo.
 Mas foi só um conto de amor.

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Eulália Andrade.

 A vinheta na televisão apresentava um novo comercial. Ele lia o seu jornal diário, como quem não quer nada, como quem ignorava a voz grossa e rotineira que vinha daquele aparelho que lhe parecia ser tão irritante. Pernas cruzadas, como um verdadeiro gentleman, embora soubessem do seu verdadeiro "eu", que não era nenhum pouco gentleman e sim, um mesquinho, pão duro, rico. Tipico personagem Machadiano com um charuto na boca, mas diferente deles, era extremamente ignorante.
 Ao seu lado, na poltrona, uma mulher loura dos cabelos ondulados. Entediada. Bocejava enquanto tricotava alguma coisa e não desprendia seus olhos daquele aparelho irritante. Não era magrela como sua cadela que estava deitada ao seu lado e apreciava a boa culinaria francesa. Tudo o que vinha da França, para ela, era tudo de melhor! Pensamento brasileiro do século XIX, Europa é primeiro mundo. Vida européia num país cheio de negros, mestiços e indios e ela nem sabe pronunciar mademoiselle.
 Chegando em casa, está o filho. Responde ao ser chamado de Meneses. Era um pseudo intelectual que gozava da boa companhia das mulheres do final da rua. Ninguém sabe o nome delas mas elas sabiam quem era ele. Ele, que usava luvas de couro no verão, cartola preta e sapatos maiores do seus pés. Acreditava Meneses que era sua forma de poder, porém, diferente do bom homem João, não tinha os sapatos manchados.
 Agora que citei João, vos digo quem é. João era o bom homem que cuidava da casa dos Meneses. João era quem aturava a santa ignorancia de seu patrão, cujo acreditava cegamente no que o padre pregava durante as missas de sabado a noite. João não era católico não, João era negro, João fazia parte dos brasileiros daquela época mas todos ignoravam João, porque ele não era católico e nem tinha olhos azuis e claro, vivia de sapatos marrons manchados.
 Alguns vizinhos acreditavam que o Dr. Meneses, pai do Meneses luvas-de-couro, gostava de literatura. Dr Meneses talvez fosse um intelectual de seu tempo, embora não tivesse com quem conversar, porque não tinha amigos. Quer dizer, tinha sim. Tinha Andrade. Andrade era o amigo que lhe visitava aos domingos. Bebiam muito e depois riam de tudo. Andrade era político e tinha um importante papel na sociedade carioca daquele tempo. Sabia de tudo, lutava por tudo e dividia com Meneses os seus charutos cubanos. Engraçado é que se davam bem, mesmo que a filha de Andrade seja uma frequentadora assídua da clínica do Dr Meneses.
 O pior é pensar que nem o Dr Meneses, nem o Meneses luvas-de-couro e muitos menos Andrade sabiam da verdade. Que Meneses e o Dr Meneses tinham algo bem em comum: Eulália Andrade e um filho de olhos verdes. Ou devo dizer, Meneses Andrade luvas-de-couro?

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Dezesseis minutos.

 Meia noite e três. Quatro. Agora são quatro minutos.
 Silêncio e muito vento. Vento forte que agredia a janela e assobiava de leve em meus ouvidos, quebrava meu silêncio e secava a ponta da minha caneta preta que agora borrava o papel.
 O café estava ao meu lado e eu precisava acordar cedo, embora os pensamentos não me deixassem dormir, eu me esforçava para esvaziar a mente de qualquer inutilidade que naquele instante, me parecia muito mais do que impertinente. Dei um suspiro enquanto via os minutos se passando no relógio. O que vou fazer?
 Paixão. É, paixão. Paixão é toda essa coisa estranha de se sentir ansioso quando menos se espera ou de perder todas as palavras na hora certa ou até mesmo o simples fato de tropeçar no seu próprio calçado por estar com a mente tão longe. Pensar em alguém que talvez não pense o mesmo, mas pensar em alguém. Em um certo alguém. Talvez em um certo cheiro, um certo momento, uma certa piada, palavra, risada, qualquer coisa que seja pequena o suficiente para ser guardada em um lugar tão grande. Sentir as fortes pontadas no peito e um coração desesperado, querendo gritar alguma coisa. Sensações estranhas e um olhar quase único ao se observar aquele alguém único e especial. Talvez seja tudo, talvez não seja nada. é paixão. Somente paixão.
 Penso que me sinto assim quando se trata de você. Saio com suas amigas, as ouço tocar em seu nome e tudo em que eu penso é no que poderia ter dito ou que deveria ter deixado de dizer. Penso em como você está, por onde anda, onde está, no que está pensando, o que quer amanhã, se vai dormir bem, se vai pensar antes de dormir. Não sei, só sei que penso demais. Penso em você, escrevo pra você e na hora de chegar, nada acontece. É uma falha no meu super sistema humano. Uma grande falha quase irreparável quando se trata de você.
 É estranho porque te vejo como se fosse meu passaporte para um lugar qualquer, aonde eu não precise sentir medo ou coisa parecida, mas tenho medo de me aproximar de ti, pois me apavoro toda vez que ouço você me chamar e tento disfarçar com as piadas estúpidas de sempre. Você ri ou simplesmente ignora e eu finjo que está tudo bem. A gente finge assim, certo? E tudo... Chega a um ponto final. Mas seria melhor se chegassemos na vírgula.
 Não sei até quando vou lhe escrever tantas cartas de quem está procurando por um refúgio em seus abraços, mas espero um dia lhe dizer, mesmo que já espere a resposta, mesmo que já saiba o que vai acontecer, espero um dia poder lhe dizer.
 Perdão, menina, mas continuo lhe achando a mais bela de todas.
 E ah, me faz um favor, rouquin? Me faz parar de pensar tanto em você como eu penso.

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Teadoro, Teodora.

"Beijo pouco, falo menos ainda.

Mas invento palavras

Que traduzem a ternura mais funda

E mais cotidiana.

Inventei, por exemplo, o verbo teadorar.

Intransitivo:

Teadoro, Teodora"


Manuel Bandeira

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Terra à vista.

 Eu não lhe procuraria se não soubesse da verdade ou se não desconfiasse de seus atos. Eu nem me importaria, talvez eu desse apenas mais um trago pra tentar fingir, fugir, tanto faz. Eu só sei que daria mais um trago.
 Vejamos todas as evidencias, primeiro os olhares, depois os lábios, as palavras, os rostos, os cabelos, os gestos e as risadas. Vejamos também as palavras, tudo que deixamos pra trás e mais um pouco que possamos encontrar pela frente, talvez saibamos até demais, talvez eu queira até demais e você não. Sei lá, não entendo muito, só sei que escrever pra você já se tornou uma rotina, a qual eu pretendo fugir pois rotinas me entediam e cá entre nós, eu sempre acabo voltando. Olha aí. Mais um texto pra você.
 Engraçado que quando realmente fomos apresentadas, eu nem notei muito. Confesso que não foi grande coisa. Grande festa, grandes mulheres, eu acompanhada, você perdida, bebidas e mais bebidas, palavras, músicas, risadas e aquela famosa distração de quem não procura nada. Não encontrei nada alí, nunca encontrei nada antes e creio que nem chegue a encontrar o que tanto espero, que nem sei o que é, embora saiba que exista ou que não exista ou fique me contrariando o tempo inteiro, já que gosto de rodeios e sei que talvez você também goste. Sei que não nos reparamos mas depois quando bati meus olhos em você, soube o que queria, a pena toda foi que você nunca me pediu pra lhe escrever um conto de amor. Poderia eu lhe escrever um conto de amor sem ficar mal? Lhe escrever uma carta Machadiana e citar alguns versos de Miss Dollar? Talvez te conquiste ou você simplesmente me ignore. Sou uma escritora e nada mais.
 E aquele teu jeito estranho de me olhar. Ah não, não sei se é coisa da minha cabeça não, mas seu jeito estranho de me analisar ou sei lá o que você faz. Que diabos você tem com esses olhos azuis que eu não consigo entender de jeito nenhum. Não vejo sinais, não vejo fogos, não vejo brilhos, não vejo nada. Nada mesmo. Não vejo nem um pequeno gesto de ternura quando você me procura ou quando simplesmente passo a ignorar a forma com que me olha justamente para que eu não me sinta tão incapaz. Cê deveria me falar o que cê faz, pra eu entender. Pra eu conseguir correr, entende? Mas não são minhas palavras que vão me salvar dessa vez. Nem as suas. E talvez nada do que a gente espere mais tarde.
 Não, não. Não vou lhe citar Chico Buarque ou Caio Fernando Abreu ou qualquer coisa desse tipo. Acho que não preciso dizer que sua personalidade pseudo sagitariana com planetas em escorpião chega a ser assustadora quando se trata dos assuntos sentimentais. Nem devo dizer que quero tanto desvendar o que se passa dentro desse pequeno casco alaranjado que insiste tanto em me atormentar. Me encomodar, cutucar, pedir pra invasão e eu tento entrar em um acordo de paz, mas somos como gregos e troianos. Só não sei quem vai ganhar, se é que existe vencedor num "jogo" como esse, certo? Não sei mesmo.
 Só sei que não entendo de nada, que não sei de muita coisa mas que, sinceramente, quero estar presente. Quero fazer parte, quero estar contigo ou eu realmente preciso ser um estereótipo dos caras que você pega? Primeiro que sou uma garota e segundo que tenho o dom da literatura. Isso te serviria? Você deixaria de lado alguns pequenos detalhes e tentaria se deixar levar comigo em pequenas palavras que nos levam como se fossem marés? Ou você viraria as costas e fingiria que nada aconteceu? Talvez eu espere isso de ti. Vire as costas e nada aconteceu. Cê vai embora, eu fico aqui e tá tudo bem. Tá sempre tudo tão bem, não tá? Sempre.
 É, meu bem, fique na minha cabeça ou se vá. Se abra comigo e depois suma no mundo sem me avisar. Cite-me qualquer coisa e me abrace devagar, depois se a noite pedir pra ir embora, a gente deixa. Quem disse que o sol precisa chegar quando se tem os teus olhos pra enxergar?
 Terra à vista.

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Meia dose de pinga.

 Uma dose e meia de pinga e um sorriso sincero para o mundo. Para ti, toda a felicidade do universo e que para mim, seja a mesma o fruto da minha. Quem seria eu sem um copo na mão direita e um cigarro na mão esquerda pra reclamar de você?
 - Cê ainda não foi embora não?
 - Porque?
 - Porque você deveria ir embora. Já disse.
 - Só porque você não me ama mais?
 - É, você tá me atrapalhando já.
 - Cê reclama demais. - Continuou dando de ombros.
 - Reclamo nada, cê que é acomodado demais. Anda, vai embora.
 - Vou nada.
 - Vai sim.
 - Se me der um bom motivo.
 - Deixei de te amar. Não basta?
 - Não, não basta.
 - E porque?
 - Porque cê não deixou de me amar.
 - Como pode ter tanta certeza?
 - Quem deixa de amar não escreve mais. Quem deixa de amar não olha mais assim. Quem deixa de amar não resmunga mais.
 - Do que você ta falando?
 - Que ficaria mais preocupado se você nao resmungasse mais.
 - Porque?
 - Porque aí sim você deixaria de ter me amado.
 - Como pode ter tanta certeza?
 - Eu tenho. Você ainda questiona demais. Ainda me ama.
 - Amo nada.
 - Ama sim. Quer fingir que não, mas quando eu sair, você vai sofrer.
 - Vivi a vida inteira sem você, porque agora vou precisar?
 - Porque me ama.
 - Amo não.
 - Ama. Ama demais. Ama mais que eu.
 - Você é convencido demais.
 - Não. Eu sei o que sente.
 - Então o que sinto?
 - Raiva e amor. Quer estar comigo, me ama mais do que eu te amo mas seu orgulho não te permite.
 - Ah, me poupe!
 - És orgulhoso demais.
 - Nunca fui. És o mais idiota.
 - Sim, mas me ama! Me ama bem mais do que ler Machado de Assis.
 - Cale a boca e dê o fora logo. - Ele se levantou e meu coração apertou, os olhos torceram e imploraram para que ele ficasse, ele pegou a unica coisa que lhe permitia e sorriu pra mim.
 - Eu vou. Eu vou porque me pedes. Eu vou porque te amo. Eu vou porque eu sei eu vou voltar.
 - Não preciso que volte.
 - Eu volto. Volto sim. Volto aqui. - Se aproximou de mim e envolveu seus braços em minha cintura, meu corpo estremeceu como um todo e eu não pude deixar de me dar por vencido.
 - Porque faz isso?
 - Porque te amo. Te amo como me amas. Ama-me como lhe amo e tudo ficará bem.
 Depois, ele nunca mais partiu e se partiu, me levou com ele... Mas agora só tomamos sorvete juntos porque o destino nos permite o eterno, que nunca existiu.

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Canudos.

 Tenho dito que não sei de nada e que hoje não vou respeitar nenhuma regra de pontuação, acentuação, como eu sempre faço. Tenho dito que fico mastigando as verdades e cuspo-as como se fossem totalmente insignificantes. Tenho dito que lhe escrevi um conto de trás pra frente. Tenho dito que... Você e... Eu que... Tudo que... Tenho dito demais.
 É o suficiente pra me fazer aprender a velejar sozinha e se a tempestade vier, que venha com força para que derrube e rasgue as minhas velas. Para que eu não precise continuar e possa apenas olhar o meu farol adiante, que no caso, é você. Que nem sabe o efeito que tem. Quiçá nem se importa com isso. São muitas turbulencias para um voo só.
 E se a neblina chegar, quem sabe eu possa me calar. Quem é que vai me ouvir? Aposto que não será você quem tentará me salvar e no final do dia, não será pelo meu sorriso que você voltaria satisfeita pra casa. Nem sabe que ele é um pouco mais significante quando é com você. Nem sabe o desconforto que me causa ouvir seu nome como se fosse um alguém qualquer. Pros outros é, pra mim não é. Sei lá, sei lá e sei lá.
 Sabe-se lá eu só precisava dizer. Meu silêncio é tudo. Você sabe que eu sei e eu sei que você sabe.
 Estranho mesmo é olhar pra você assim e não conseguir parar e imaginar se um dia você estaria com alguém como eu, que vive de palavras tolas em busca de uma compreensão quase que insignificante para muitos. Estranho mesmo é saber se você se apaixonaria por poetas. Por mim.
 E ainda me perguntam porque acho tanta graça nesse sorriso seu. Seu meio termo. Seu meio tudo.
 Seu meio eu.

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Cinco amigos, cinco almas.

 Pedi para cinco amigos me falarem as cinco palavras que lhe dessem na telha no momento da pergunta. Cada um me disse algo distinto, talvez um pouco próximo do esperado ou totalmente disperso do que eu imaginaria ouvir de cada um deles. Um citou do conhecimento ao dinheiro, enquanto o outro expressou o seu desprezo pelas responsabilidades as quais estava submetido naquele instante, desde um pequeno trabalho em casa, até a melancolia de um poema de Clarice Lispector, o que torna tudo um pouco mais interessante.

 Um dedo cortado, um apartamento quase que vazio. Um irmão mais velho e uma prima, o calor e o clima seco de Cuiabá enquanto ela colocava suas mãos debaixo daquela agua corrente, gelada. Lavava os pratos com certa cautela, embora sua mente estivesse longe de suas ações. Fazia no modo automatico. Pensava em seus pais, talvez em uma musica, em alguém, não dava pra dizer exatamente no que, mas pensava. Pensava em tudo o que tinha pra fazer, em tudo que havia dito, no dia anterior, no amanhã e nas provas do cursinho. Pensava em como seria sua vida daqui pra frente. De tantos altos e baixos, tantas palavras e ela se perdia com o barulho que fazia lá fora.
 Era assim que agia. Olhos azuis com o reflexo da agua nas mãos, cabelos presos e um cansaço quase que incontrolavel tomava conta de seu corpo. Suspirava lentamente enquanto que de longe, pensava na música Janta do Marcelo Camelo com a Mallu Magalhães. O mais engraçado é que ninguém sabe muito bem o que se passa com ela. Talvez gostasse de ouvir essa música em um jantar especial, talvez pensasse em toca-la algum dia, talvez pensasse em decifrar várias outras coisas, já que é coberta por um mistério e um orgulho fora do comum. Não muito aparente, porque não é do feitio dela atirar qualidades ou defeitos no ar pra quem quiser entender. Gostava de guardar, como se fosse uma pequena caixinha cheia de segredos. Diferentes. Algo só dela. Algo que ela só pensava quando sentia aquelas aguas correntes ou quando a agua gelada do chuveiro tocava seu rosto palido, coberto por sardas e molhava seu cilios alaranjados, como os seus cabelos. Talvez ela abrisse os olhos mais um pouco e pudesse sorrir depois e se lembrar que mesmo sendo tão quente, poderia ser melhor. Um frio aqui, dois copos alí, uma cerveja no freezer e uma história pra contar.
 Se atirou no sofá e adormeceu, como quem não esperava mais nada de ninguém.

 Já em outro canto da cidade, temos uma garota de cabelos negros cacheados, longos, que combinavam com o tom de sua pele e com seus oculos que eram um pouco vintage. Ela acabara de ler um texto qualquer e dentro de seu ser, que parecia tão calmo naquele instante, idéias vinham a mil por hora. Pensava em poetas, sentimentos, melancolia e como todos eles eram feitos para o sofrimento. Como os poetas amavam diferente e amavam com uma grande tendencia a decepção e a dor. Colocando suas palavras imendadas em folhas de papéis amareladas ou manchadas, brancas ou cheias de rabiscos de algo que já existiu por alí. Sombreados de outros sentimentos e palavras e ela colocava sua mente desenhada nesse mesmo rascunho.
 Como se fosse um livro, folheava sua mente em busca de respostas, de sentimentos que não pareciam ter razão alguma. Ia atrás do irracional querendo acreditar no racional e não encontrava motivos. Não encontrava nada. Nada além de uma grande definição vazia de um dicionario que tentava explicar o sentimento "amor". Dicionarios são calculistas. Dicionarios são estupidos. Dicionarios não entendem de nada. Dicionarios não são como ela. Menina movida a sentimentos quase que impossiveis de se entender. Menina diferente ou indiferente, menina que aos olhos de alguns, era muito mais do que incrivel. Menina que talvez pensasse em alguem agora. Menina que ia dormir depois do jantar. Menina de olhos castanhos como a noite seca que fazia lá fora. Menina sentimental.

 Enquanto isso, voltando da faculdade tarde da noite, tinhamos um garoto de cabelos cacheados e louros. Era alto, magro, uma expressão bem timida na face para quem não o conhecia e um coração maior do que se imagina. Ele andava com passos lentos, resmungando de alguma coisa que havia acontecido e ao mesmo tempo, pensando em como seria bom deixar de lado todo esse estresse rotineiro para poder esquecer de tudo que lhe acontecia no momento. Pensava em uma massagem, talvez em algum show que pudesse lhe fazer beber quantas doses de tequila ele pudesse, para ficar embriagado e aproveitar por alguns segundos, uma felicidade quase que instantanea, que lhe deixaria com uma dor de cabeça terrivel no dia seguinte, mas seria apenas consequencia de uma noite bem aproveitada.
 A rua escura, os fones de ouvido e uma música boa. Provavelmente ouvia Oasis. Era bem a cara dele e continuava caminhando enquanto cantarolava algumas parte de uma das músicas mais famosas da banda, que se chamava wonderwall. Chutava pedras e sonhos. Tentava encontrar algo que não sabia muito bem o que era. Chafarizes em uma tarde de sol, no meio de uma praça, agua gelada, fonte de pureza, fonte de paz, aonde pudesse deitar no colo de uma pessoa especial e pudesse relaxar. Como se não existisse hora pra acabar, como se o mundo fosse parar e seus desejos, ficariam alí. Seu mundo seria aquilo e nada mais.
 Infelizmente, quando abriu a porta de casa, sentiu o calor novamente e todos os seus sonhos, foram pra cama, dormir para esperar um dia melhor.

 Pra lá pro outro lado da cidade, estava mais uma garota perdida em pensamentos. Em conversas no facebook, risadas altas e coisas do tipo. Conversava com alguém, não me recordo quem no momento, mas conversava algo sobre a paixão, sobre fidelidade e sobre amizade acima de tudo. Ela não pensava em muita coisa não, sempre fora daquelas que preferia deixar acontecer do que se encucar com coisas que talvez nunca valessem a pena. Ficava tranquila enquanto suspirava ou fumava um cigarro na varanda de casa, contando as horas pra poder dormir ou varava noites pensando em como o amanhã poderia ser pior. Em todo o conhecimento que tinha, em todas as pequenas coisas que possuía, os amigos, a faculdade, o emprego. Ela tinha uma vida normal como qualquer um no auge de seus 20 anos de idade. Realizações e frustrações, como sempre.
 Deitou-se na cama e pensou em como seria sua vida depois de formada. Não pensou se iria ou não se casar, isso era o de menos pra ela. Pensou no salário e riu. Pensou nos amigos, nas festas, nos shows e em tudo que poderia fazer. Nas responsabilidades principalmente e lembrou-se que sempre vivera bem, tranquilamente bem, embora pudesse ter alguns pequenos problemas aqui ou alí, mas isso era normal. Ria dos momentos no show do The Pretty Reckless em São Paulo e sussurrava alguns pequenos sonhos antes de adormecer realmente. Ela chegaria a algum lugar, não escolhia aonde iria querer parar, mas ela sabia que chegaria alí. Cedo ou tarde.

 Próximo dalí, havia uma alma que pedia por ajuda. Escondia-se entre sorrisos e pequenas palavras que resumiam tudo o que sentia naquele instante. Estava com um pouco de dor de garganta, nada demais, talvez o inicio de um resfriado ou coisa parecida. Estava cansada também, o dia havia sido complicado e a saudade que sentia de seu amor era quase impossivel de se conter. Escrevia-lhe cartas e mais cartas de amor, querendo derrubar a distancia que parecia ser quase que infinita e isso a deixava assustada. Medo de perder. Coisa comum quando se ama alguém, quando se está com alguem e não se pode estar sempre presente. Engoliu em seco e deixou passar, ficando apenas confusa com toda a situação que estava ocorrendo ao seu redor. Talvez seja o cansaço.
 Atirou seu tenis para longe e apoiou a cabeça no encosto do sofá. Assistiu um pouco sobre as tragédias ocorridas durante o dia e logo adormeceu sem nem perceber. Torcia para que o dia amanhã acordasse um pouco mais quente do que o de hoje, afinal, por mais seco que esteja, nem todo dia é ensolarado pra todo mundo. O medo é um eclipse que toma conta do céu daqueles que podem perder o que ama.

 E eu? Eu só sou uma poeta escrevendo sobre cinco almas diferentes. Quem são eles? Eles sabem. Ninguém precisa saber.

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Sobre poesias e poetas.

 Existem teorias que dizem que os poetas nasceram pra sofrer. Nasceram pra se apaixonar, amar intensamente, pensar na morte várias e várias vezes e passar pro papel toda aquela angustia de ser rejeitado pela pessoa amada. Dizem que a alma do poeta é naturalmente melancólica, jamais é corrompida. O poeta nasceu pra escrever, pra sentir dor, pra sentir o gosto amargo em sua boca, sem nenhum grão de açucar, sem momentos bons e vende sua tristeza em paginas, em palavras, em livros e em jornais. Vende sua tristeza para outras almas tristes que procuram arrego, procuram alguém que se sinta justamente como eles e se identificam com as sinceras palavras daquele poeta apaixonado, com alma de Pierrot. Alma de dor.
 Poetas não precisam ser inteligentes, eles não precisam ouvir Chico Buarque pra poder encontrar palavras requintadas e encher o seu texto com várias banalidades, dando rodeios e mais rodeios sem chegar a lugar algum. Poetas não precisam saber de nada, poetas só precisam sentir. Poetas nem sempre são emocionais, existem os racionais, como eu, mas em sua maioria, são emocionais e costumam  expressar melhor do que qualquer um que seja racional. O amor é algo impossivel de ser racionalizado, de ser calculado e eu nem sei porque insisto em arrumar uma regra basica para ele. Aplicar nele uma equação de segundo grau, pra chegar a resultados positivos e negativos sem saber pra que utiliza-los depois. Coisas inexplicaveis que acabam por acontecer.
 Sinto saudades da época em que eu estava perdidamente apaixonada, aonde eu me inspirava em coisas quase que inuteis para descrever um texto tão tragico quanto a minha vida inutil. Gostava da dor, do gosto da cachaça na boca, do cigarro ao lado, das tosses, das lagrimas, do rancor, do cansaço e do suor que me cobria os poros do rosto. O cabelo bagunçado, os olhos vermelhos e perdidos, concentrados em palavras imendando palavras e me levando a uma eterna Pasárgada, num estado de transe perfeito, aonde nada precisasse fazer sentido, aonde eu me enrolava em papéis e o fogo ao fundo, queimava minhas angustias, uma por uma e eu, finalmente, conseguia entender a razão de tudo ser como era.
 Hoje, continuo sendo uma poeta que vive entre duvidas e insegurança. Sou uma poeta tentando desvendar outro mistério, uma poeta procurando palavras bonitas para conquistar mais um amor que talvez, seja impossivel. Sou, mais uma vez, uma poeta na beira de um precipicio, esperando a grande hora para cair e flutuar sobre as nuvens não existentes de um mundo quase irreal para mim. Sou uma poeta afogada na angustia de viver dezoito anos e não saber de muita coisa ainda. Sou uma poeta movida a curiosidade. Sou uma poeta melancólica, com uma paixão quase que incomum para todos os tipos de tragédias existentes, porque elas me rodeiam, elas fazem parte de mim e sou o que sou por conta de todas as lagrimas que já derrubei um dia.
 Sou poeta, sou literatura, sou um nada e sou razão. Emoção. Tudo. Não importa, só sou poeta. Pseudo poeta.

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Um domingo no meu apartamento.

 Desistir de você talvez tenha sido a coisa mais sabia que eu já tenha feito. Desistir de tudo, de planos e de todos os momentos que eu imaginei ter com você e que se tornaram um pesadelo quando me aproximei e tentei pegar sua mão, por uma ultima vez e descobrir que depois daquilo, depois daquele aperto no peito, as coisas nunca mais seriam as mesmas. Soltar sua mão pra cair ao inferno de novo e voltar a bagunça que minha vida sempre fora. Dois dias e meio, talvez mais alguns meses tentando apagar todos os seus rabiscos pelas paredes do meu quarto e eu que nunca soube esconder, agora escondia as cicatrizes de todas as palavras que você ja me disse um dia.
 Hoje sou eu novamente. Menina estabanada dos cabelos bagunçados e dos oculos estranhos. Sentada no chão com a cabeça encostada na parede, escrevendo rascunhos e pensando em tudo que poderia ter sido, mas nunca foi. Em tudo que eu poderia ter dito, mas nunca disse e não me arrependo. Eu continuaria calada o tempo inteiro, porque no final, as palavras sempre iriam contrariar os meus pensamentos e tudo voltaria ao normal, como sempre.
 Embora eu tenha organizado a minha vida, me surgiu algo inesperado que acabou por bagunça-la mais uma vez e cá estou novamente perdida em devaneios, bagunças, livros, cds, discos, uma porrada de papéis rasgados, canetas e lapis, todos sem ponta, todos desgastados e um olhar sedento por um momento especial com a garota do verão passado. Mãos suadas, marcando pedaços do papel com uma expressão quase indiferente. Não consigo me ver agora, não consigo entender o que se passa, porque tanta espera, porque não pode ser dessa vez. Porque não consigo dizer nada. Porque é tudo tão bobo e estupido ao lado dela.
 Eu suspiro e olho ao redor. Tudo escuro. Janelas fechadas, cortinas fechadas, luzes apagadas, poeira e mais poeira. Panos brancos, conversas aleatórias, risadas, choros, gritos, cadeiras, carros, momentos, raiva. É tanta coisa em um espaço tão pequeno que eu nunca saberia diferenciar o porque. O porque de tudo ser assim, de tudo ter que acontecer da forma que é. De não dormir de madrugada e não sonhar contigo ou pensar nos olhos dela durante uma noite inteira até o relógio despertar e eu ter que voltar para a minha vida tão estupida e banal. A minha bagunça diaria. Os meus sapatos no chão, as minhas roupas, o meu violão no meio da confusão e um bando de histórias sem nexo algum.
 Não sei mais o que fazer. Só suspiro e te escrevo com um dia a esperança de criar a coragem para lhe dizer tudo o que eu sempre quis dizer. Fico me perguntando se você iria gostar de saber ou se simplesmente, iria embora pra deixar minha vida bagunçada e eu, sozinha... Se bem que nunca esteve por aqui. Quem me dera você estivesse aqui. Quem me dera eu pudesse lhe fazer feliz. Ouvir beatles e te por pra dormir. Quem me dera você fosse minha. Só minha.

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Central Park

 Era verão. 1932. Nova Iorque.
 Eu caminhava pelo Central Park procurando uma solução. Via casais, via crianças, ouvia risadas e observava uma Nova Iorque toda em branco e preto, sem respostas e sem alternativas para um ser perdido como eu. Eu estava no auge dos meus 23 anos e enquanto não trabalhava para a mafia Nova Iorquina, caminhava no Central Park para fumar o meu querido Marlboro Red e pensar sobre todas as mortes cruéis que já havia participado. Sempre na cena do crime, nunca procurado pela policia e sempre fugindo dos outros mafiosos. Sempre com uma arma no bolso e os olhos azuis atentos para o que poderia acontecer.
 Embora eu fosse um filho da puta assassino, eu gostava de observar casais com crianças, porque toda aquela pureza que eu nunca pude ter, eu via naqueles pequenos seres que um dia, provavelmente, estariam no mesmo lugar que eu ou levando uma vida completamente normal. Teriam pais para visitar nos feriados, esposas pra amar e respeitar, crianças pra contar história enquanto o desfecho das minhas, sempre aconteciam em tragédias. Uma sequencia de tragédias durante a minha guerra civil. O país se recuperava da crise de 29 ainda e eu aqui, matando e roubando para satisfazer o meu patrão.

 A noite chegou. Eu estava no bar do Moretti, meu grande chefe, enquanto tomava algumas doses de whisky e ouvia a bela voz de Louis Armstrong soando na radio. Eu era apaixonado por Louis Armstrong e suas musicas me acalmavam. Eu costumava ouvi-las antes de arrumar mais um trabalho sujo, como da ultima vez em que assassinei uma linda garota enquanto aquela voz tão aspera soava pelos comodos da casa da menina do Brooklyn. Suspirei e acordei quando meus colegas me chamaram para ouvir o plano da noite. O grande assassinato seria hoje, a grande hora. Preparei meus dedos para puxar aquele gatilho pela última vez e nunca mais sentir tanta dor como sinto quando estou prestes a fazer isso.
 Debrucei sobre a mesa ensanguentada a minha frente. Lagrimas escorriam do meu rosto enquanto via aquele ser tão inocente sangrar sua alma em frente a mim. Suspirei como se não houvesse outra alternativa e tentei me acalmar. Eu já não aguentava mais. O unico problema é que sair da mafia, me causaria muitos problemas, eu não sobreviveria. Moretti não me deixaria andar um quarteirão sem saber com quem estava ou aonde iria. Eu nunca poderia me casar e nem ter meus filhos, criar alguém para compartilhar comigo todas as minhas frustrações. Criar um amor eterno e um laço de esperança de dar uma vida bem mais feliz a esse filho meu.
 A arma jogada no chão, os olhos azuis manchados pela luz e um tiro no ar. Quem sabe agora eu finalmente possa me debruçar sobre as arvores do Central Park e dormir como quem descansa num pique nique com a namorada. Tarde demais pra sonhar quando se tem balas na pistola.

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De segunda a segunda.

 O bom da vida é foder e nunca ser fodido. O bom da vida é você olhar fundo nos olhos da pessoa e dizer o quanto ela é insignificante pra você. O bom da vida é você foder com tudo e no final, sair por um fio. O bom da vida é você acreditar nas promessas que os outros tem a lhe oferecer, com um pseudo sentimentalismo assustador. O bom da vida é você crer que você é capaz de qualquer coisa.
 Pessimismo é o meu primeiro nome, vamos dizer assim que sou realista, embora julguem isso como um pessimismo. Eu gosto de foder, gosto de correr, gosto de fugir, gosto de estragar, gosto do que não me convem e gosto da sensação de estar sempre largada e abandonada, porque é assim que se vive. Largada, abandonada e fodida com cheiro de cachaça, no final das contas, ninguém tá nem aí pra porra nenhuma e eu concordo que se importar, não leva ninguém a nada.
 Então, como eu não tenho lá tudo de lindo e maravilhoso, eu tento investir no que mais me convem: a inteligencia. Consigo uma pseudo inteligencia fora do comum, aonde as pessoas insistem em dizer que sou 'culta' e o caralho a quatro. Não sou porra nenhuma, sou um monte de lixo ocupando lugar no espaço, de braços cruzados e esperando por algo melhor, que nunca vai acontecer.
 Sou aquela menina fumando um cigarro no ponto de onibus, esperando para ir pro trabalho e torcendo para que no final do dia, as coisas melhorem. Sou aquela desgraça invisivel na cafeteria as 7 da manhã, tomando um café e de olhos pregados no jornal pra ver se o caos diario estaria prestes a mudar em poucos segundos. Não sou nada. Nada além de mais um ser humano nessa porra de confusão que eles chamam de mundo.
 Claro, claro, sou aquela que tem que combinar com os padrões! Os quais eu estou pouco me fodendo para eles, sinceramente, foda-se. Eu estou andando no meio de vinte milhões de pessoas e nenhuma delas me olha, ou se olham é porque eu sou estranha demais, daquelas que eles pensam "nossa, que gracinha de adolescente revoltada que tem estilo próprio." e eu sinceramente desejo que vocês vão a merda.
 Vou sair do trabalho depois das 21 horas e lembrar que minha vida é uma merda. Vou me lembrar de todas as coisas que me aguardam em casa ou de todos os olhares na manhã seguinte. Vou me lembrar que isso nunca vai mudar, mesmo que um bando de filhos da puta me digam que eu preciso me animar. Foda-se vocês. Não são vocês que estão sendo fodidos todos os dias. Não são vocês. E o pior é que dizem entender. Vocês não entendem porra nenhuma a não ser um palmo do seu maldito nariz de perfeito descendente europeu. Vá a merda, sinceramente.
 De que adianta pensar, tentar e crer em algo quando se passa a vida inteira fodido? É assim que funciona. As regras nunca se aplicam a todos, apenas a uma minoria que diz entender o que os outros passam. Apenas a uma minoria que diz 'acredite nos seus sonhos'. Vão a merda, sonhos não levam ninguém a nada. A realidade é outra e você vai se foder de qualquer jeito.
 Sinceramente, a única coisa que ainda me mantem viva são as palavras que eu ainda posso proferir e fingir que tudo vai passar, quando no fim, se repete dia após dia. E que se foda. Sempre.

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Céu de veludo.

 Mais tarde do que nunca, num finalzinho de tarde de uma segunda-feira, resolvi me deitar na sacada de meu apartamento e observar as cores em degradê naquele céu tão imenso. Poucas estrelas espalhadas, flutuando sobre um mar azul bem escuro enquanto as outras partes daquela pintura pareciam se desprender lentamente, tornando-se um só, um tecido negro em veludo com algumas pontadas prateadas em suas extremidades e um pouco da iluminação artificial que vinha da cidade, mas que não parecia fazer muita diferença.
 A brisa estava leve, fresca e levava consigo alguns fios de meus cabelos cansados, como meus olhos que se perdiam naquela imensidão sem fim. Vozes, carros, buzinas, aviões e nada conseguia me tirar daquele estado de hipnose. Era como se não houvesse outro dia, como se não houvesse mais uma unica razão, um porquê de estar rolando de olhos fechados, se encolhendo num véu negro, coberto de diamantes falsos e uma impressão de um pseudo sorriso vindo do outro lado. Furos por todo o carpete e a brisa não parecia mais cantar.
 Doces vozes suaves pareciam ecoar enquanto os meus passos lentos passavam pelo carpete e ao meu redor, milhares de nuvens que anunciavam a chegada de uma forte tempestade, que ao final de tudo, jamais me machucaria e sim, me levaria deitada pelas gotas de agua que se desprendessem de cada parte daquele algodão cinza e quente e eu caíria como um torpedo no chão, pronta para destruir qualquer coisa e escorrer para me juntar as outras gotas que não planejavam secar na manhã seguinte, embora isso sempre aconteça.
 Só pude perceber o quanto o céu estava negro depois que meus olhos foram cegados pelos falsos diamantes daquele véu de sempre e eu nunca pude dizer o porquê, mas passei a dormir coberta e protegida pelo véu todas as noites de inverno, pra nem precisar chover.

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Insonia

 Espelhos. Mais espelhos. Varios tipos de espelhos e uma sincronia quase perfeita de uma antiga caixinha de música. O sono vai-se embora juntamente com os passos travados da pequena bailarina de papel que fora programada para seguir o ritmo daquela doce musica, que ja estava enferrujada como todos os meus sonhos e desejos. Como aquela agua fria que me tocava as mãos no momento.
 Levantei-me daquela cama empoeirada e pude observar com clareza as luzes da cidade, que iluminavam parte de meu quarto, cheio de espelhos, que refletiam e pareciam deixar aquelas luzes cada vez mais intensas, tornando-me apenas um vulto entre todas elas. Calmas, paradas, como se ouvissem a bela melodia da caixinha e se concentrassem na dancinha de papel da pequena bailarina rosa. Dancinhas de papel. Caixinhas de música as quatro horas da manhã. Talvez eu seja mesmo insano.
 Pensei em não dormir mais e com leves passos, fui até o banheiro, aonde tentei lavar e tirar de mim, toda aquela angustia de sentimentos e palavras não proferidas e que no instante final, me matariam, caso eu não soubesse a hora certa de doma-los. Senti que estava fora do controle, mesmo não estando e com um pouco de receio, acendi as luzes daquele lugar gelado.
 Subi os olhos cautelosos até aquele pequeno espelho com molduras brancas. Observei todos os detalhes daquela imagem que estava diante de meus olhos e parecia apenas ter a expressão de uma das obras de Frida Kahlo. Dor. Muita dor. E aquela imagem, estava sempre ali, todos os dias de manhã, todas as tardes e todas as noites, antes de dormir. Nas noites de perder o sono também estava lá e eu, me perdia, em profundo desespero, procurando saídas e mais saídas para nunca mais ver aquele rosto magro e infeliz.
 Haviam noites em que eu observava aquela moldura branca e nada via. Via um vazio. Um nada. Um reflexo de nada e percebia que na maioria das vezes, estava cara a cara com algo que talvez somente ocupasse espaço naquele ambiente e nada mais. Nada menos. E passava a observar com atenção as pequenas coisas ao redor daquele lugar.
 A caixinha lá fora continuava a soar e meu quarto, cheio de espelhos, continuava a refletir. Era medrosa demais para me olhar em todos aqueles espelhos e aceitar que encontraria aquela expressão que nunca iria embora todos os malditos dias desse vazio estranho que eu chamo de cotidiano e talvez pudesse simplesmente acerta-los com uma pedra para que aqueles estilhaços não fossem mais capazes de abrir o meu ser. De me destruir, de me descosturar a alma e observar as hemorragias que ali se escondiam e por fim, manter o nada que ali sempre existiu.
 Quem dera ao menos uma vez eu pudesse simplesmente... Reconstruir aquele reflexo que nunca existiu.

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13 anos.

 Se lembra de quando eramos mais novos e sonhavamos em passarmos nossas vidas juntos? Digo, tudo o que fariamos ou que iriamos fazer, fariamos juntos? Até nos casariamos no mesmo dia? Você se lembra de tudo isso?
 Se lembra da gente sentar no chão do meu quarto, jogando video game e planejando nossos futuros? Criando histórias bobas para nós mesmos, com finais igualmente felizes? Todo aquele negócio de fazer medicina, você seria o cirurgião e eu a anestesiologista e trabalhariamos juntos. Morariamos um do lado do outro, você com a sua esposa e eu com o meu "marido", enfiando as cabeças pra fora da janela e gritando bom dia um pro outro, acenando como sempre faziamos.
 Se lembra de quando nos conhecemos? Aquela sala tão estranha, rostos estranhos e aquele medo fora do comum que me envolvia o corpo e tudo que pude fazer era apenas chorar e quando o sino para o intervalo tocou e eu fui me sentar sozinha, você veio até mim com a proposta de que poderiamos brincar juntos. Não pensei nem duas vezes em aceitar, lhe olhei os olhos um pouco timida e aceitei, só não imaginava que seriam quase 13 anos de amizade, mesmo que tenhamos nos afastado.
 Se lembra das viagens? Das risadas bestas? Das brigas? Dos desentendimentos? Do crescimento também e da separação? Se lembra de quando seus novos amigos não me aceitavam mais e eu acabei por ficar sozinha porque você já tinha crescido e eu continuei acreditando em tudo aquilo de antes? Se lembra das promessas bobas? Se lembra do 'nós seremos amigos para sempre, não importa o que aconteça'? Se lembra dos carinhos? Dos abraços? Das fotos? Se lembra de tudo?
 Eu sei. Já se foram 13 anos desde aquele dia em que você falou comigo pela primeira vez e passou a escrever uma história no meu pequeno livro da vida. Com a mesma caneta borrada que eu escrevi a minha, você escreveu suas palavras ao lado e era quase impossivel de aceitar que isso tudo aconteceria depois. Que você iria 'embora', vamos dizer. Que nós seriamos dois estranhos agora, mesmo que você ainda me diga aquelas palavras de antes. Eu sinto sua falta, sabe? E acho que essa nossa amizade, ninguém irá destruir. Somos eternos, você sabe disso, não sabe?
 Embora nossos caminhos estejam separados, estarei sempre levando você num lugarzinho especial de mim o qual ninguém poderia te tirar dalí.
 Para o meu melhor amigo. Para todo o sempre. L e L.

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Definições de dicionario.

 "sau.da.de
sf (lat solitate) 1 Recordação nostálgica e suave de pessoas ou coisas distantes, ou de coisas passadas. 2 Nostalgia"
. Definição exata retirada do dicionario. Uma pequena palavra composta por algumas letras irrelevantes com um significado minusculo na droga do dicionario mas com um peso enorme dentro do meu ser, tão irrelevante quanto esse pedaço de papel em que eu procurei a definição.
 Dei um suspiro e troquei as letras. Edaduas. Parece inutil. Sau-da-de, de-da-sau, da-sau-de, de-sau-da e por aí vai. Brinco com a palavra várias e várias vezes pra ver se consigo me sentir um pouco melhor. Tomo um café amargo e frio, volto para a brincadeira com um ar de quem vai ganhar o premio prometido pelo apresentador mentiroso. Rio, rio de novo, finjo rir, finjo sorrir, finjo mais alguma coisa e me corto com as vogais.
 Perco meus olhos em outra coisa, sei lá, fantoches na televisão ou as paredes brancas, manchadas por alguma coisa por falta da reforma e sussurro novamente tudo de novo. Todas as inversões, todas as tentativas, todas as memórias, lembranças, fotos que nunca existiram e abraços que nunca aconteceram. Beijos sonhados e mais um pouco de vontade de querer dizer tanto e nunca poder. Nunca conseguir, talvez. E depois se preparar para correr novamente porque é sempre assim que as coisas acabam. É como se tudo se encaixasse mas ao mesmo tempo, se explodisse com um pequeno toque de seus dedos tão macios.
 Não. Eu não sei. Eu não sei de nada! Só sei que quero lhe dizer todas as coisas clichês que todo mundo diz e fingir um sorriso quando ouvir de você, aquilo o que eu não queria ouvir, mas esperava e depois, abaixar a cabeça e ir pra casa na madrugada escura novamente. Sem consolo e com sentimentos tolos em volta de mim. Em volta do meu cigarro e das minhas mãos tão asperas que agora se contraem constantemente, suando, geladas e apavoradas, por nunca poderem te levar. Te segurar.
 Nem sei onde você está agora. O que está fazendo ou no que está pensando, aonde está indo, com quem esta conversando, se esta rindo ou se esta chorando, se esta dormindo ou se esta acordada, pensando. Nem sei... Só sei que gostaria de estar te observando. Mais uma vez. Sem você me notar.
 E te por pra dormir, sem nem ao menos me pedir.
 Saudades, saudades, saudades...

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