Insonia

 Espelhos. Mais espelhos. Varios tipos de espelhos e uma sincronia quase perfeita de uma antiga caixinha de música. O sono vai-se embora juntamente com os passos travados da pequena bailarina de papel que fora programada para seguir o ritmo daquela doce musica, que ja estava enferrujada como todos os meus sonhos e desejos. Como aquela agua fria que me tocava as mãos no momento.
 Levantei-me daquela cama empoeirada e pude observar com clareza as luzes da cidade, que iluminavam parte de meu quarto, cheio de espelhos, que refletiam e pareciam deixar aquelas luzes cada vez mais intensas, tornando-me apenas um vulto entre todas elas. Calmas, paradas, como se ouvissem a bela melodia da caixinha e se concentrassem na dancinha de papel da pequena bailarina rosa. Dancinhas de papel. Caixinhas de música as quatro horas da manhã. Talvez eu seja mesmo insano.
 Pensei em não dormir mais e com leves passos, fui até o banheiro, aonde tentei lavar e tirar de mim, toda aquela angustia de sentimentos e palavras não proferidas e que no instante final, me matariam, caso eu não soubesse a hora certa de doma-los. Senti que estava fora do controle, mesmo não estando e com um pouco de receio, acendi as luzes daquele lugar gelado.
 Subi os olhos cautelosos até aquele pequeno espelho com molduras brancas. Observei todos os detalhes daquela imagem que estava diante de meus olhos e parecia apenas ter a expressão de uma das obras de Frida Kahlo. Dor. Muita dor. E aquela imagem, estava sempre ali, todos os dias de manhã, todas as tardes e todas as noites, antes de dormir. Nas noites de perder o sono também estava lá e eu, me perdia, em profundo desespero, procurando saídas e mais saídas para nunca mais ver aquele rosto magro e infeliz.
 Haviam noites em que eu observava aquela moldura branca e nada via. Via um vazio. Um nada. Um reflexo de nada e percebia que na maioria das vezes, estava cara a cara com algo que talvez somente ocupasse espaço naquele ambiente e nada mais. Nada menos. E passava a observar com atenção as pequenas coisas ao redor daquele lugar.
 A caixinha lá fora continuava a soar e meu quarto, cheio de espelhos, continuava a refletir. Era medrosa demais para me olhar em todos aqueles espelhos e aceitar que encontraria aquela expressão que nunca iria embora todos os malditos dias desse vazio estranho que eu chamo de cotidiano e talvez pudesse simplesmente acerta-los com uma pedra para que aqueles estilhaços não fossem mais capazes de abrir o meu ser. De me destruir, de me descosturar a alma e observar as hemorragias que ali se escondiam e por fim, manter o nada que ali sempre existiu.
 Quem dera ao menos uma vez eu pudesse simplesmente... Reconstruir aquele reflexo que nunca existiu.

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