Archive for janeiro 2012

Carta ilegível.

 Eram exatamente 4:01 da manhã quando a penumbra da lua insistia em invadir aquele quarto escuro. Entrava bela pela janela, sem nenhum pudor, iluminando parte daquele ambiente tão melancólico e deixando a mostra, a sombra daquela menina sentada na janela.
 Sim, havia uma garota sentada na janela. Uma de suas pernas, estava relaxada, sem tocar o chão, quase imóvel, enquanto a outra servia de apoio e de equilibrio para ela, que estava um pouco curvada, com o braço direito apoiado na perna e o queixo apoiado sobre o mesmo. Parecia estar concentrada em algo. Algo que estava segurando na mão esquerda. Parecia ser uma carta. Não, não. Era uma carta. Era uma carta um tanto longa, com milhares de palavras e uma letra ilegivel. Ela passava os olhos lentamente por cada minima palavra, decifrando-a, interpretando-a, enquanto a penumbra da lua iluminava parte dessa carta e metade de seu rosto. Parte dele, estava banhado na escuridão do quarto branco em que se encontrava.
 De repente, a carta foi ao chão. Levada pelos ventos até a metade do mesmo, deixando-a de mãos vazias. Seus lábios, avermelhados, combinavam com os seus cabelos que iam até mais ou menos a altura do ombro, eram parecidos com as ondas do mar, vinham e iam. Seus olhos eram tão negros quanto o céu numa noite de eclipse e continuavam fixos em algum ponto daquele quarto, em que ela encontrara seu refúgio. Mordiscou o labio inferior, um pouco aflita e olhou para o céu azul, procurando algumas estrelas. Pensando se amanhã iria chover ou se, então, faria sol.

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Viagem a Cuiabá.

 Estranha a situação em que você se senta em um avião e percebe as pessoas ao seu redor. Cada uma delas com faces diferentes, outras mais sorridentes, outras mais caladas, outras com olhos curiosos, outras um pouco mais ansiosas, outras esperando por algo e outras desfeitas de seu antigo destino. A tipica situação em que você não faz idéia do que se passa por alí.
 Eu ficava me contradizendo, pensando, repensando, trepensando em todas aquelas expressões. Na verdade, eu me ansiava em ver quem se sentaria ao meu lado e quem sabe assim, poderia escrever milhares de histórias, de contos sobre um rosto partido ou uns olhos brilhantes que percebi alí, embora nem imaginasse o que pudesse se passar por trás de todas aquelas mascaras, aquelas aparencias, aqueles cabelos.
 Uma mulher com os cabelos tingidos de loiro, tinha por volta de uns 30 e poucos anos, um sorriso simpatico e uma expressão calma, parecia estar cansada mas mesmo com tanta tranquilidade, não parecia estar contente. Parecia estar decepcionada. Lia um daqueles livros de auto-ajuda e tinha uma beleza natural. A primeira vista, parecia estar bem empregada, com bons negócios e orgulhosa consigo mesma, mas os teus olhos castanhos escuros não mentiam, quando ela se virou, eu pude ver que não estava feliz.
 Depois de um tempo, veio uma garota mais jovem, por volta de uns 19 anos de idade ou menos. Bonita, agradavel e não sossegava um minuto sequer. Estava acompanhada por amigos ou sei lá o que eram dela, possuía longos cabelos negros e lisos, mas estavam presos, um sorriso agradavel e uma expressão unica de quem ansiava por algo, ansiava sua volta, ansiava seus medos e suas virtudes, mesmo quando parava para observar as nuvens que lá fora nos acompanhava, era perceptivel que seu coração batia por alguém que talvez estivesse a sua espera.
 Assim que pousamos em São José do Rio Preto, para fazer escala, as duas moças desceram e eu permaneci sentada, desta vez, com meus familiares, mas fui me perguntando a viagem inteira, de Rio Preto a Cuiabá... Quem são elas? Quem são o que fazem? Quem são o que são e o que querem de quem não é?
 - Resposta perdida. - Disse.
E me calei com longas goladas no meu copo de café, para me manter acordada, deitada sobre as nuvens de um céu azul qualquer.

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O pescador de ilusões.

 Eu contradizia minhas bobagens. Talvez por razões inúteis eu preferisse ficar em silêncio ao aceitar o fato de que toda noite antes de dormir, eu lembrava de você e de tudo que fiz de errado e isso dói. Dói bastante. Daí o que me resulta tantos pensamentos turbulentos, são lágrimas sinceras, quentes e salgadas de olhos que já viram tudo aquilo que se pode apertar o peito e eu continuava assim, tragando um cigarro ou outro e jogando papo fora, conversando com borboletas azuis que pousavam na janela ao lado. Mesmo que fosse de noite.
 Estava de férias e estava na praia, sentava-me na areia enquanto observava alguns tratores limpando o que havia por ali, as ondas insistiam em invadir um pouco mais a areia, alcançando meus pés descalços que sentiam a agua tão gelada quanto a brisa que levava embora consigo, todas aquelas memórias bobas de um dia que parecia não ter fim e eu continuei alí, sem mais nada e sem esperanças.
 Um pescador, de barbas brancas e cabelos longos logo se aproximou, não dei muita importancia a sua presença pois estava esperando algo que nem eu mesmo sabia o que era. Ele se sentou ao meu lado e logo me perguntou o que havia de errado.
 - Não tenho nada não.
 - Percebe-se. As ondas tentam lhe acompanhar mas você não quer acompanha-las.
 - Perdão?
 - Não quer acompanha-las.
 - A não ser que eu queira me afogar, não?
 - Não seja estúpido.
 - A propósito, quem é você?
 - Eu lhe faço a mesma pergunta.
 - Ora! Você que resolveu se sentar ao meu lado.
 - Sim.
 - Então acho que me deve a resposta.
 - Não devo nada não. - E sorriu. Tinha olhos bem azuis. - Você é um rapaz jovem, não precisa saber quem sou eu.
 - A não ser que seja um estuprador. - Ele riu, bem humorado.
 - Pessoas do seu tipo não me atraem, mas não estou aqui por isso.
 - Então o que você quer de mim?!
 - Quero lhe ajudar. As marés me trouxeram até aqui. Uma onda me disse que havia um rapaz infeliz sendo banhado por elas.
 - Como? Não estou entendendo.
 - Ora! Não seja bobo! Está infeliz.
 - Não estou não.
 - As ondas querem tirar essa dor que você está sentindo. O que aconteceu?
 - Nada, nada aconteceu. Pode me deixar sozinho por favor?
 - Não enquanto estiver passando sua tristeza para o mar... Como se chama?
 - Paulo.
 - Paulo... Vou lhe contar um segredo sobre o mar.
 - ...Tudo bem...
 - Quando se está triste e as ondas presenciam sua tristeza, ou melhor, você transfere essa tristeza para as ondas calmas e pacificas, o mar se entristece e sabe por que?
 - Por que?
 - Ele vive de energias. Positivas e negativas. Quando as pessoas estão tristes, elas costumam vir aqui e observa-lo, para se sentirem melhor, não?
 - É, acho que sim.
 - Então. Não deixe as ondas tristes, não deixe que elas levem essa tristeza pelas correntes e que cheguem aos outros continentes. Não deixe que se espalhe, não deixe que todos os continentes recebam essa tristeza que lhe parte a alma. Se está assim por causa de uma garota, não se sinta culpado por nada que fez.
 - Como sabe que a culpa foi minha?
 - As ondas não mentem. - E sorriu.
 - Mas... Eu nem...
 - Você não precisa falar, as lágrimas que o vento leva explicam tudo. As lágrimas que você derramou aí, nesse grande mar azul, já explicam. Não se afobe, não se apresse, não se arrependa e não se sinta mal. Todos erram uma vez na vida. Uma não, duas, três, quatro.
 - Mas eu a amo e eu a perdi.
 - Se a ama, tenha paciência e se tiver, quem sabe a maré não a traga de volta pra você, não acha?
 - Impossivel. Ela está com outro e está feliz assim.
 - Ela o ama.
 - Sim, ela o ama.
 - Não desista. Ela desistiu de você?
 - Nem quando eu resolvi negar.
 - Então não desista. Sabe, eu costumo dizer que se você navegar na direção certa, sempre encontrará o caminho e a solução, os portos em que você resolver parar, são apenas consequencias.
 - E depois?
 - E depois a maré te leva, aí você chega lá. Bem longe. Mas se for preciso, reme. Reme bastante. Reme que as ondas te levam, reme contra a maré, seja mais forte e não perca seu rumo de vista. Uma hora ou outra você pode se perder, mas acaba se encontrando. Minha vida é um grande mar azul, sem direção. A maré me leva pra onde ela quiser e se eu traçar rotas, eu remo para que não me afaste delas. Faça o mesmo e não se perca. - Ele se levantou e partiu, sem nem me explicar mais nada, mas acho que isso já bastava, sorri e interrompi uma das ondas que tentava me acordar. Senti frio, senti medo, mas quando percebi, eu já estava remando em alto mar, sem direção, apenas sendo levado pela maré azul e calma que fazia o mar adormecer durante um banho de luz, luz da lua, das estrelas ou do sol. Dia e noite, noite e dia.

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