Archive for julho 2012

Céu de veludo.

 Mais tarde do que nunca, num finalzinho de tarde de uma segunda-feira, resolvi me deitar na sacada de meu apartamento e observar as cores em degradê naquele céu tão imenso. Poucas estrelas espalhadas, flutuando sobre um mar azul bem escuro enquanto as outras partes daquela pintura pareciam se desprender lentamente, tornando-se um só, um tecido negro em veludo com algumas pontadas prateadas em suas extremidades e um pouco da iluminação artificial que vinha da cidade, mas que não parecia fazer muita diferença.
 A brisa estava leve, fresca e levava consigo alguns fios de meus cabelos cansados, como meus olhos que se perdiam naquela imensidão sem fim. Vozes, carros, buzinas, aviões e nada conseguia me tirar daquele estado de hipnose. Era como se não houvesse outro dia, como se não houvesse mais uma unica razão, um porquê de estar rolando de olhos fechados, se encolhendo num véu negro, coberto de diamantes falsos e uma impressão de um pseudo sorriso vindo do outro lado. Furos por todo o carpete e a brisa não parecia mais cantar.
 Doces vozes suaves pareciam ecoar enquanto os meus passos lentos passavam pelo carpete e ao meu redor, milhares de nuvens que anunciavam a chegada de uma forte tempestade, que ao final de tudo, jamais me machucaria e sim, me levaria deitada pelas gotas de agua que se desprendessem de cada parte daquele algodão cinza e quente e eu caíria como um torpedo no chão, pronta para destruir qualquer coisa e escorrer para me juntar as outras gotas que não planejavam secar na manhã seguinte, embora isso sempre aconteça.
 Só pude perceber o quanto o céu estava negro depois que meus olhos foram cegados pelos falsos diamantes daquele véu de sempre e eu nunca pude dizer o porquê, mas passei a dormir coberta e protegida pelo véu todas as noites de inverno, pra nem precisar chover.

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Insonia

 Espelhos. Mais espelhos. Varios tipos de espelhos e uma sincronia quase perfeita de uma antiga caixinha de música. O sono vai-se embora juntamente com os passos travados da pequena bailarina de papel que fora programada para seguir o ritmo daquela doce musica, que ja estava enferrujada como todos os meus sonhos e desejos. Como aquela agua fria que me tocava as mãos no momento.
 Levantei-me daquela cama empoeirada e pude observar com clareza as luzes da cidade, que iluminavam parte de meu quarto, cheio de espelhos, que refletiam e pareciam deixar aquelas luzes cada vez mais intensas, tornando-me apenas um vulto entre todas elas. Calmas, paradas, como se ouvissem a bela melodia da caixinha e se concentrassem na dancinha de papel da pequena bailarina rosa. Dancinhas de papel. Caixinhas de música as quatro horas da manhã. Talvez eu seja mesmo insano.
 Pensei em não dormir mais e com leves passos, fui até o banheiro, aonde tentei lavar e tirar de mim, toda aquela angustia de sentimentos e palavras não proferidas e que no instante final, me matariam, caso eu não soubesse a hora certa de doma-los. Senti que estava fora do controle, mesmo não estando e com um pouco de receio, acendi as luzes daquele lugar gelado.
 Subi os olhos cautelosos até aquele pequeno espelho com molduras brancas. Observei todos os detalhes daquela imagem que estava diante de meus olhos e parecia apenas ter a expressão de uma das obras de Frida Kahlo. Dor. Muita dor. E aquela imagem, estava sempre ali, todos os dias de manhã, todas as tardes e todas as noites, antes de dormir. Nas noites de perder o sono também estava lá e eu, me perdia, em profundo desespero, procurando saídas e mais saídas para nunca mais ver aquele rosto magro e infeliz.
 Haviam noites em que eu observava aquela moldura branca e nada via. Via um vazio. Um nada. Um reflexo de nada e percebia que na maioria das vezes, estava cara a cara com algo que talvez somente ocupasse espaço naquele ambiente e nada mais. Nada menos. E passava a observar com atenção as pequenas coisas ao redor daquele lugar.
 A caixinha lá fora continuava a soar e meu quarto, cheio de espelhos, continuava a refletir. Era medrosa demais para me olhar em todos aqueles espelhos e aceitar que encontraria aquela expressão que nunca iria embora todos os malditos dias desse vazio estranho que eu chamo de cotidiano e talvez pudesse simplesmente acerta-los com uma pedra para que aqueles estilhaços não fossem mais capazes de abrir o meu ser. De me destruir, de me descosturar a alma e observar as hemorragias que ali se escondiam e por fim, manter o nada que ali sempre existiu.
 Quem dera ao menos uma vez eu pudesse simplesmente... Reconstruir aquele reflexo que nunca existiu.

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13 anos.

 Se lembra de quando eramos mais novos e sonhavamos em passarmos nossas vidas juntos? Digo, tudo o que fariamos ou que iriamos fazer, fariamos juntos? Até nos casariamos no mesmo dia? Você se lembra de tudo isso?
 Se lembra da gente sentar no chão do meu quarto, jogando video game e planejando nossos futuros? Criando histórias bobas para nós mesmos, com finais igualmente felizes? Todo aquele negócio de fazer medicina, você seria o cirurgião e eu a anestesiologista e trabalhariamos juntos. Morariamos um do lado do outro, você com a sua esposa e eu com o meu "marido", enfiando as cabeças pra fora da janela e gritando bom dia um pro outro, acenando como sempre faziamos.
 Se lembra de quando nos conhecemos? Aquela sala tão estranha, rostos estranhos e aquele medo fora do comum que me envolvia o corpo e tudo que pude fazer era apenas chorar e quando o sino para o intervalo tocou e eu fui me sentar sozinha, você veio até mim com a proposta de que poderiamos brincar juntos. Não pensei nem duas vezes em aceitar, lhe olhei os olhos um pouco timida e aceitei, só não imaginava que seriam quase 13 anos de amizade, mesmo que tenhamos nos afastado.
 Se lembra das viagens? Das risadas bestas? Das brigas? Dos desentendimentos? Do crescimento também e da separação? Se lembra de quando seus novos amigos não me aceitavam mais e eu acabei por ficar sozinha porque você já tinha crescido e eu continuei acreditando em tudo aquilo de antes? Se lembra das promessas bobas? Se lembra do 'nós seremos amigos para sempre, não importa o que aconteça'? Se lembra dos carinhos? Dos abraços? Das fotos? Se lembra de tudo?
 Eu sei. Já se foram 13 anos desde aquele dia em que você falou comigo pela primeira vez e passou a escrever uma história no meu pequeno livro da vida. Com a mesma caneta borrada que eu escrevi a minha, você escreveu suas palavras ao lado e era quase impossivel de aceitar que isso tudo aconteceria depois. Que você iria 'embora', vamos dizer. Que nós seriamos dois estranhos agora, mesmo que você ainda me diga aquelas palavras de antes. Eu sinto sua falta, sabe? E acho que essa nossa amizade, ninguém irá destruir. Somos eternos, você sabe disso, não sabe?
 Embora nossos caminhos estejam separados, estarei sempre levando você num lugarzinho especial de mim o qual ninguém poderia te tirar dalí.
 Para o meu melhor amigo. Para todo o sempre. L e L.

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Definições de dicionario.

 "sau.da.de
sf (lat solitate) 1 Recordação nostálgica e suave de pessoas ou coisas distantes, ou de coisas passadas. 2 Nostalgia"
. Definição exata retirada do dicionario. Uma pequena palavra composta por algumas letras irrelevantes com um significado minusculo na droga do dicionario mas com um peso enorme dentro do meu ser, tão irrelevante quanto esse pedaço de papel em que eu procurei a definição.
 Dei um suspiro e troquei as letras. Edaduas. Parece inutil. Sau-da-de, de-da-sau, da-sau-de, de-sau-da e por aí vai. Brinco com a palavra várias e várias vezes pra ver se consigo me sentir um pouco melhor. Tomo um café amargo e frio, volto para a brincadeira com um ar de quem vai ganhar o premio prometido pelo apresentador mentiroso. Rio, rio de novo, finjo rir, finjo sorrir, finjo mais alguma coisa e me corto com as vogais.
 Perco meus olhos em outra coisa, sei lá, fantoches na televisão ou as paredes brancas, manchadas por alguma coisa por falta da reforma e sussurro novamente tudo de novo. Todas as inversões, todas as tentativas, todas as memórias, lembranças, fotos que nunca existiram e abraços que nunca aconteceram. Beijos sonhados e mais um pouco de vontade de querer dizer tanto e nunca poder. Nunca conseguir, talvez. E depois se preparar para correr novamente porque é sempre assim que as coisas acabam. É como se tudo se encaixasse mas ao mesmo tempo, se explodisse com um pequeno toque de seus dedos tão macios.
 Não. Eu não sei. Eu não sei de nada! Só sei que quero lhe dizer todas as coisas clichês que todo mundo diz e fingir um sorriso quando ouvir de você, aquilo o que eu não queria ouvir, mas esperava e depois, abaixar a cabeça e ir pra casa na madrugada escura novamente. Sem consolo e com sentimentos tolos em volta de mim. Em volta do meu cigarro e das minhas mãos tão asperas que agora se contraem constantemente, suando, geladas e apavoradas, por nunca poderem te levar. Te segurar.
 Nem sei onde você está agora. O que está fazendo ou no que está pensando, aonde está indo, com quem esta conversando, se esta rindo ou se esta chorando, se esta dormindo ou se esta acordada, pensando. Nem sei... Só sei que gostaria de estar te observando. Mais uma vez. Sem você me notar.
 E te por pra dormir, sem nem ao menos me pedir.
 Saudades, saudades, saudades...

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Espelhos.

 Brisa gelada quando tirei os pés da quadra naquele instante. O centro da cidade estava uma loucura, carros e mais carros passavam rapidamente, pessoas conversavam, músicas ao fundo, propagandas vindo de longe, vozes estranhas, rostos nem sempre familiares e um quê de quem espera por alguma coisa.
 Como eu não tinha nada melhor pra fazer, resolvi me sentar em um dos canteiros da praça e acender um cigarro. Observava tanta coisa, as pessoas, os olhares desconfiados e as preocupações alheias com o transito e seus destinos finais que me fiz a seguinte pergunta: Será que todos aqui sabem o quanto são solitários? Ou ninguém percebe isso? Ou sou só eu? Sei lá, como qualquer um, eu poderia muito bem dizer que estava observando o mar, tomando uma caipirinha de limão e relaxando. Lembrando-me de todas as frustrações da vida e andando com passos lentos e pesados sobre uma areia movediça, a qual me arrastava e me puxava para um fim que eu desconhecia.
 Ou se eu simplesmente me jogasse no mar e me afogasse no meio daquela agua tão salgada, nadando entre tantos seres que até então, chegam a ser misteriosos e por fim, pudesse andar com meus próprios pés sobre os abismos que ali existiam. Queria observar aqueles peixes, quem sabe conversar com alguns moluscos e convidar tubarões para tomar um conhaque no barzinho do lado da estrela amarela, que talvez pudesser ser o "point" de encontro deles. Talvez nem sejam tão diferentes de nós, talvez pensem até melhor que nós.
 E agora já posso me encontrar dirigindo um desses carros que passava pela avenida movimentada. O semaforo fecha, dou cinco tapas no volante, irritada e um tanto encomodada pela lentidão dos outros motoristas e reclamo de como gostaria de estar em casa depois de um dia estressante, apenas para sustentar os meus desejos mesquinhos e estupidos. Aí, quando ele volta a abrir, corro como se estivesse numa corrida de fórmula um, levo uma multa e mando o guarda ir a puta que pariu. No final das contas, estou presa.
 Daí me lembro de ter pegado o onibus hoje mais cedo. Mais ou menos as cinco da manhã pra poder chegar a tempo no colégio. Aluna de primeiro ano, vida dura de quem mora bem longe da escola e toda aquela vontade de estar presente em algum lugar, mas não estou. Estou a caminho da escola. Depois de sair do onibus, ando com passos lentos até a mesma, já bateu o primeiro sino e cá estou eu, preparada para a aula de matematica, que sempre fora a minha predileta, mas como se fosse normal, a diretora entra na sala e anuncia a morte da Joana. Que já fora uma grande amiga minha, morrera por conta de um estupro na noite passada. Passo a chorar e vou embora pra casa, me perguntando o porque. Ninguém nunca pede pra morrer.
 Então, decido que não tenho medo de morrer. Continuo sentada no canteiro fumando o mesmo cigarro do começo e quando termino o mesmo, levanto-me e vou embora. Quem sou eu agora?

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três anos.

 A gente teve tanto, não acha? Eu te dei tudo o que eu pude e nada. Nada acontecia. Nunca pareceu ser o suficiente. Nem mesmo quando você caía e eu segurava sua mão, para que você não se machucasse. Nem mesmo quando você me puxava contigo, para cairmos no mesmo abismo juntas e no final das contas, nos olharmos e você, simplesmente, ir embora e me deixar pra trás como sempre fez. Eu nunca pude entender.
 Foram três malditos anos tentando lhe conquistar. Mandando flores, chocolates, fazendo viagens, escrevendo canções, poesias, descobrindo sentimentos, abandonandos pessoas e mudando completamente tudo o que antes parecia fazer sentido e passou a não fazer, depois que lhe conheci. Fora tanto tempo lutando por algo que no final das contas, eu realmente acreditei que eu pudesse chamar de 'meu', que eu pudesse tocar realmente com um desejo reciproco, que eu pudesse cuidar eternamente. Eu sonhei tanto pra cair ao chão e nunca mais poder enxergar um céu azul como antes. Fora uma queda e tanto.
 Embora você finja que está tudo bem e que tudo 'passou', eu não consigo entender dessa forma. O sentimento acabou mas toda a dor que você me causou, é algo quase impossivel de ser esquecido de tal forma. Você nunca se importou com nada do que eu te fiz, você nunca me perguntou se eu estava bem, se eu ficaria bem. Você nunca pediu desculpas, mesmo que não resolvesse, você nunca fez nada pra tentar mudar as coisas. Você simplesmente achou que só porque eu te amava, no final das contas, tudo ia passar e ficar bem! Você não tem noção do quão profundas são as cicatrizes que você me deixou. Você não sabe o mal que você me causou, você não tem nem noção disso.
 Tudo bem, acabou. Não sei porque diabos as coisas parecem mais dificeis agora do que sempre foram. Só estão um pouco menos complicadas devido ao fato de que eu consegui superar aquele sentimento forte, mas do mesmo jeito, eu nunca vou conseguir entender o porque de você ter feito tudo aquilo se no começo, poderia simplesmente ter dito que não era necessario. Que nunca precisou de mim. Que nunca iria sentir nada. Não precisavamos brincar, precisavamos?
 As vezes eu penso qu tudo não passou de um jogo pra você e eu, provavelmente, fui a peça quebrada durante a brincadeira toda. Não entendo nem porque não consigo te perdoar por isso. Nós sabemos que isso não é da minha natureza.
 Que droga.

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Do you remember when the summer felt as long as the school year?

      "Minha pequena,

 Quanto tempo faz que não nos falamos, certo? Ando escrevendo um bocado de coisas e criando coragem para te mandar cada uma delas. Cartas cada vez mais apaixonadas de alguém que sente falta de um certo verão numa certa cidade no interior do país. Talvez você se lembre melhor do que eu de como aquilo parecia ser um total desastre. Eu querendo estar em São Paulo pro show da minha banda predileta e você querendo estar em copacabana com as suas amigas, bebendo drinks na praia e curtindo o Rio de Janeiro. Que pena que eu nunca pude estar lá por você. Pra você, eu diria. Mas um dia ainda hei de te levar até lá!
 O que você anda fazendo? Como andam as coisas por aí? Imagino que já tenha terminado o colegial, pois desde o nosso último encontro já se fazem uns cinco anos e lá tinhamos apenas 17 anos. Nem parece tanto tempo, né? Mas eu nunca consegui lidar com toda essa distancia que nos separa e eu realmente gostaria de estar contigo aí. Ainda vou! Disse que vou e ainda irei.
 Se lembra daquele sabado a tarde? Logo depois do almoço quando não tinhamos nada pra fazer? Eu nem te conhecia, você nem me conhecia, mas foi aquela minha barulheira com o skate na rua que fez você sair para reclamar ou quando eu estava tocando violão e você queria estudar. Na verdade, convenhamos, essa minha mania de ouvir musicas barulhentas te encomodava bastante, eu sei. Mas tudo bem, no final das contas, você passou a gostar delas. Lembro-me exatamente desse dia do skate, depois de levar um tombo e ralar o joelho, você saiu de casa para reclamar e me viu com o joelho sangrando, até passar mal, porque detesta sangue e eu te peguei nos braços para te levar pra casa. Sua mãe achou que eu tinha algo a ver com a situação, que tentei te estuprar ou coisa do tipo, mas logo quando me identifiquei, ela soube que eu não era tão ruim assim. Sobrinho da querida amiga dela e então, tudo ficou bem.
 Aí, no dia seguinte, você foi me agradecer. Lembro-me que desde então, você se ofereceu para me fazer companhia e me mostrar a cidade que não era tão grande assim. Demorou apenas algumas horas para que fossemos até o final dela e voltassemos e você me contava todas as histórias, tudo o que acontecia por alí, me dizia quem era quem e tudo o que se passava naquele lugar que para mim, até então, nunca significou nada. Até encontrar você por lá.
 Lembro-me daquela sexta-feira. Você foi até a casa dos meus tios para que eu fosse contigo até o parque. Nos sentamos naquela grama tão molhada e tão verde, aquele cheiro único e especial que ela possuía e você sorriu. Conversamos tantas bobagens, rimos tanto e até os segredos mais profundos que tinhamos, compartilhamos. Nunca pensei que fosse se tornar tão especial até encontrar você. Aí então, o tão esperado beijo aconteceu e você deixou de sair com seus amigos para ficar comigo durante a noite inteira. Sabiamos o que estava por vir depois.
 Se lembra de quando o verão parecia mais longo do que todo o ano escolar? Que todos aqueles momentos pareciam fazer o tempo parar? Que as noites eram imensas quando estavamos separados? Era triste ficar sem você e voltar para casa apenas com seu cheiro em minhas roupas. As vezes, eu brigava muito com a minha mãe para não lavar minhas roupas, só porque o seu cheiro ainda estava alí.
 Eu tenho tanto pra dizer, mas espero para dizer quando você me responder, porque então, podemos dar um jeito de nos encontrar e finalmente, ficarmos juntos. Não se esqueça jamais de mim, pequena. Vou estar sempre esperando você bater na porta da casa dos meus tios nas férias de verão, embora eu não saiba se você chegará a ler isso.

               Te amo. Com todas as minhas forças.
                                                                                                                       M."

 - Encontrei essa carta já tem algum tempo. Ninguém sabe quem pode ser esse tal de M. mas os moradores creem que a familia desse rapaz já se mudou daqui tem muito tempo. O pior é a moça, ele nem sequer cita o nome dela. O problema é a data da carta.
 - É, mas ele não descreve e nem nada né? Pode ser que tenha assinado com um pseudônimo também.
 - Nunca vamos saber, só sei que essa garota nunca receberá essa carta. - Olhei um tanto desconfiada para aquele pedaço de papel surrado e manchado em minhas mãos. Parecia ser de muito tempo e ninguém parecia reconhecer os dois jovens apaixonados. Dei um longo suspiro e embrulhei a carta novamente. Fui até o parque da cidade, porque ainda continuava sendo o unico e pela descrição, pude localizar o lugar. Encontrei alí uma arvore que possuía algumas marcas e vi o mesmo M que estava assinalado na carta juntamente com um C que estava na arvore. Arqueei a sobrancelha esquerda mas logo entendi.
 Embrulhei a carta em um plastico bolha e no canto da arvore, abri um pequeno buraco, enterrando-a alí. Não sei bem o que havia acontecido entre esses dois, nunca imaginaria algo desse tipo mas sei que infelizmente, nunca ficaram juntos. Era um amor de verão, que talvez tivesse se tornado muito mais do que isso. Mas me pergunto se depois de 50 anos dessa carta, ainda sentem algo um pelo o outro ou se a garota chegou a algum dia, responde-lo. Ou se estão juntos, sei lá.
 É uma triste história de amor. Só isso. Me reergui em meus pensamentos e decidi voltar para casa. A noite seria longa e fria e eu mal sabia que no final das contas, eu mesma sabia demais.

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Um quarto.

 Roupas e mais roupas espalhadas pelo chão. Diferentes peças e diferentes cores se entrelaçando como se fossem únicas. Amassadas, atiradas, abandonadas que desfrutavam da companhia dos outros elementos espalhados pelo mesmo ambiente, pelo longo chão de madeira, quente. Como o sol lá de fora.
 Eu? Onde estou para arrumar isso? Estou sentada na cadeira de frente a todo esse espetaculo de cores e tamanhos diferentes. Presenciando a cena com tamanha melancolia em meus olhos, as quais nunca consegui tirar de lá. As mãos apoiadas no joelho e uma expressão indiferente, abandonada e amassada como as cores amarelas que estavam ao lado das vermelhas, bem no canto do armario e tudo parecia tão distante e tão infinito de se enxergar. De se chegar. E espalhavamos folhas de livros antigos, histórias rasgadas e frases sem sentido para poder formular palavras que pudessem me lembrar de algum tempo atrás, aonde eu conseguia mover as pequenas coisas que me encomodavam. Nada de pentear o cabelo ou coisa parecida.
 Esqueci de mencionar que os tenis estavam ali e a porta para o banheiro estava aberta, com as luzes acesas. Eu enxergava vagamente o que se consumia depois, parecia que todas aquelas roupas fumavam o mesmo cigarro que eu e já estiveram presentes em meu corpo num dia muito especial, que talvez acabasse nem sendo caso eu não optasse pelo tropeço que dei naquela rua. Na verdade, naquela estante, naqueles livros, naquelas palavras, naqueles suspiros e ah... Naqueles olhos, lógicamente.
 Embora eu soubesse que a minha frente, estava a minha pequena e estupida vida, nunca havia parado para observa-la de tal ponto que soubesse que não é nada mais do que uma eterna bagunça. Um eterno chão coberto por roupas sujas, algumas limpas, outras rasgadas, outras coloridas, outras pretas, outras maiores e outras menores. Tênis, boinas e qualquer outra coisa que eu pudesse alcançar, ou até mesmo, que não pudesse alcançar.
 Suspirei três vezes, tentando criar coragem para afastar aquelas roupas infinitas e poder pisar com meus pés no chão novamente. Só pra sentir firmeza novamente. Há algum tempo eu não piso nesse chão imundo, o qual já me segurou tantas vezes em que decidi cair. Não haveria mesmo para onde ir depois, então eu só continuo fumando meu cigarro e matendo esse ritmo lento de quem não enxerga além do que se pode.
 Temo que continue sempre assim. A minha bagunça e os meus três suspiros. Os meus tragos, os meus cigarros, o meu alcool e qualquer outra coisa que me sustente, principalmente a minha vontade de queimar tudo isso. Palavras e mais palavras. Fogo e brasa. Cadê os meus livros?

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Mundo selvagem.

 Conheci um cara semana passada que gostava de contar coisas. Ele tinha um bigode engraçado, uma postura de militar e uns olhos tão verdes que chegavam a me cegar. Tinha um sorriso singelo, talvez um bocado sincero, uma risada sarcastica e uma boina vermelho vinho. Ele era engraçado e o nome dele, eu acabo de esquecer.
 O tal do bigodinho com postura de militar que gostava de contar coisas, me disse que tinha medo do mundo lá fora. Sabia ele que não sofreria muito, pois já sofrera o suficiente, mas morria de medo das pessoas e do que podia lhe acontecer, principalmente das coisas bonitas. Das coisas que o encantavam. Então, para evita-las, ele sempre corria, fugia e se escondia, em qualquer lugar aonde encontrasse coisas para poder contar, de zero a cem, de zero a dois mil ou coisa parecida. Nunca entendi muito bem. Só sei que ele contava até demais.
 Ele me disse que em sua mente, tudo era lógico e racional, assim como matematica e todas aquelas equações que nos parecem inuteis quando as aprendemos na sexta série. Mas que tudo era como uma rede de pensamentos lógicos, com sequencias programadas, onde tudo funcionava direitinho e raramente sofria com falta de energia ou problemas mecanicos. Uma verdadeira revolução industrial dentro de sua mente-calculadora (eu poderia chamar assim, porque nunca consegui contar duas mil coisas sem me perder nesse meio tempo) e que a irracionalidade das pessoas, ou seja, as emoções das pessoas o faziam ficar confuso. Talvez entrar em parafusos, porque, de fato, ele nunca compreenderia lágrimas, beijos, carinhos e emoções.
 Eu concordei com ele em alguns aspectos e realmente, as pessoas são bem confusas, mas mesmo que fossem 'programadas' para sentir alguma coisa, era o que chamavam de 'comum'. Gente como o tal do bigodinho com sua super mente calculadora eram vistas como pessoas anormais e sem sentimentos, embora eu soubesse que por trás daquele bigode, haviam muitas histórias para se contar, embora ele as trocasse por contas e mais contas. Talvez seja por isso que ele goste tanto de contar as coisas, pra se distrair e não lembrar das coisas que realmente o rodeiam. Não sei.
 Entre um café ou dois, ele me contou sobre suas decepções de forma tão indiferente que chegou a me deixar confusa. Ele falava com um tom tão normal, a voz nunca esteve tremula, uma firmeza sabe-se lá de onde veio. Talvez tenha aprendido no exército. Só sei que entre suas histórias, houve uma que me deixou um tanto surpresa.
 Quando ele tinha lá os seus 22 anos de idade, fruto da juventude ainda, conheceu uma garota. Uma garota qualquer, ela não tinha olhos verdes, mas tinha o coração dele. Tinha tudo o que ele possuía e numa tarde de domingo, pelo que ele me disse, segundo domingo de Dezembro, ela havia anunciado a sua partida. Ele não soube o que fazer, ficou confuso, tentou resolver o problema de várias maneiras diferentes, mas acabou perdido e sem rumo. Disse que ela havia sido a unica pessoa que ele havia amado em toda sua vida. Não houveram outras antes dela e nem depois dela. Apenas a paixão por contar coisas, dom que ele descobriu três meses depois de ter sido abandonado pela tal garota de olhos castanhos perversos.
 Depois de muito bate papo sobre esse período dificil em sua vida, lembro-me apenas de ter tido a impressão de ter visto lágrimas em seus olhos verdes, mesmo que ele as segurasse para não cair. Lembro-me de tudo o que ele havia me dito e lembro-me de tê-lo admirado pelos seus pensamentos tão calculistas que de vez em quando, lembravam-me de mim mesma. Só sei que dito isso, ele apenas citou uma pequena frase da música do Cat Stevens, que dizia "Oh baby, baby it's a wild world", que foi o que ele havia cantado para a garota uns dias depois da mesma ter partido. Eu concordei.
 O mundo sempre será selvagem, não importa o que. Acho que por isso e mais outras coisas, essa música se tornou uma das minhas favorita e se não for a favorita. Que mundo selvagem.

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9 de Julho de 1938

 Hoje é um dia especial na vida de alguns e um dia qualquer na vida de outros. Hoje, no ano de 1938, nasceu uma das pessoas mais amadas por mim. Nasceu aquela forte mulher que daria a luz a minha querida mãe que em seguida, me colocaria nesse mundo tão estranho, o qual eu não fazia nem idéia de como era antes. O qual eu realmente desconhecia, protegida pelos cuidados daquela que sempre me segurou ou que me deixou cair, para que aprendesse a crescer em breve.
 Embora eu seja péssima com palavras, tento descrever a enorme importancia que essa dona Irma de Oliveira Neves tem na minha vida. Sempre fora muito mais do que uma avó, uma segunda mãe, um carinho danado e um mimo que todos os netos não conseguem resistir. É o tipo de avó que qualquer um gostaria de guardar em um potinho e mante-la pra sempre, porque é muito mais do que especial, é muito mais do que um simples cuidado ou um simples machucado confortado por aquele abraço que só ela tem. Muito mais do que qualquer coisa.
 É como olhar aquele par de olhos azuis e tentar entender tudo o que se passa alí ou o que já se passou. Tudo o que ela vivenciou e sem julga-la por alguns deslizes que cometeu. É sabia, é inteligente, porém humilde, sempre dizendo com curtas frases o quanto já sonhou e ainda sonha nessa vida. Não existe tempo no relógio dela, não existem dias ou meses no calendário da porta da cozinha da casa dela. Não existe nada que a impeça de viver, viajar, preparar todas as pequenas coisas todo final de ano apenas para nos receber bem. Para dizer o quanto sentimos saudades uns dos outros quando chegamos naquele berço recheado de ternura. Para dizer o quanto ela é linda mesmo que não se sinta assim. És linda Vó, acredite.
 É como se um ano não fosse realmente um ano concluido quando não a vejo, quando não a abraço, quando não digo o quanto ela é a melhor avó do mundo ou o quanto ela é linda ou o quanto gostaria de ter aqueles olhos azuis ou o quanto eu tenho vontade de viajar para Minas Gerais, para Três Pontas com ela, rindo e admirando seu companheirismo. Sempre disposta a qualquer coisa. Um dia quero chegar nessa idade como você, vó. Juro.
 Mas como eu disse que não sei muito bem o que dizer, quero apenas deixar bem claro que a amo mais do que tudo! Cresci nos teus braços quando os meus primeiros meses de vida foram turbulentos demais e mesmo que não me lembre de muita coisa, serei grata a ti pelo resto de minha vida. Não só por isso, mas por todos os cuidados, todos os carinhos e tudo o que a senhora já fez e pensa em fazer por mim, mas dessa vez, eu é quem vou fazer pela senhora. Estando perto ou longe, sempre a amarei.
 E que caminhemos bem mais, não? Você na sua jornada longa (eu sei que tem bastante coisa para ver ainda) e eu do seu lado, crescendo. Ouvindo suas histórias e lhe contando as minhas. Mas quando cair, quando pensar em cair, não se preocupe. Vou sempre estar aqui.

 Para Irma de Oliveira Neves, minha querida avó. Feliz aniversário.

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O tal do Paulo

 Somos dois.
 Mentira.
 Eramos dois. Já fomos dois, agora somos só eu e ele. Ele e eu. Tanto faz, a ordem nunca vai mudar. Mas ele é ele e eu sou eu.
 Viviamos juntos por conveniencia, só pra dizer que tinhamos um companheiro no quarto ao lado pra tomar um café e bater papo, quando estavamos de bom humor e não cansados demais para nos olharmos. Só pra dizer que tinhamos alguem pra trazer uma cerveja e reclamar das magoas da vida. Sei lá.
 Só sei que um dia um tal de Paulo bateu lá em casa procurando por ele.
 - Ei, tem um tal de Paulo na porta te procurando.
 - Como?
 - Tem um tal de Paulo na porta perguntando por você.
 - Mas como? Eu não conheço nenhum Paulo.
 - Tem um Paulo te chamando lá, oras. Ele disse que te conhece, parece ser um homem singelo.
 - Mas não conheço nenhum Paulo. Ele disse de onde me conhece?
 - Não, mas está com uma camiseta preta e fuma Marlboro e está perguntando por você.
 - Não conheço ninguém com esse nome e que fume Marlboro... É red?
 - Provavelmente.
 - Então não sei quem é.
 - O homem está te esperando, vai deixa-lo lá?
 - Sim. Eu não sei quem é.
 - Você é realmente ignorante, sabia? - Cerrei meus dentes enquanto caminhava até a porta, a ignorancia dele certamente me irritava por demais. Sabe-se lá quem era o tal de Paulo. Talvez um amante. Um ex-amante. Um ex-amor. Um ex-colega. Um primo, parente.
 - Desculpe, mas ele alega não conhecer nenhum Paulo.
 - Como não?!
 - Diz ele que não conhece nenhum Paulo que fuma Marlboro red. O senhor pode estar confundindo-o com outro que tenha o nome parecido, talvez.
 - Não. Eu sei quem ele é. Ele sabe quem sou.
 - É um estúpido. Vou voltar a falar com ele. - E queria entender porque diabos isso estava acontecendo. Pareciam estar me sacaneando. De um lado, o tal de Paulo barbudo que fuma Marlboro red jura de pés juntos que o conhece, do outro lado, o ignorante do cabelo mal cortado insiste em dizer que não sabe quem é Paulo. O que diabos eu faço numa hora dessas? Mando os dois ir a puta que pariu? Talvez esteja exagerando. Ou talvez eu esteja realmente perdendo a paciência.
 - O tal de Paulo ainda tá lá. Vá até lá ver o que esse homem quer e depois você volta a ler esse maldito jornal!
 - Já disse que não sei quem é Paulo! Mas... Ele usa óculos?
 - Usa. Tem olhos castanhos, meio estrabicos.
 - Ah, então eu desconheço.
 - Então por que pergunta? Vá até a porta e fale com o rapaz! Veja o que ele quer!
 - Não o conheço, pra que vou lá?
 - Vá até a porra da porta e fale com o desgraçado, estou de saco cheio de você.
 - Porque está tão nervoso hoje?
 - Porque isso parece piada.
 - Já disse que não conheço nenhum Paulo!
 - Então vá a puta que pariu e vá atender o maldito homem, agora você conhece o maldito Paulo! - Já estava irritado o suficiente para lhe arrancar o jornal das mãos e faze-lo ir até lá. Esse jeito de desligado, que não dava a minima pra nada me deixava puto da vida. Era incrivel como ele conseguia me broxar até na hora do sexo, sem nem dar satisfação. Era ridiculo. Talvez por isso e por outros motivos, a gente não se entenda.
 - Escute, senhor Paulo, ele insiste em dizer que não lhe conhece. Poderia me dizer de onde é?
 - Ah, nós fomos casados durante uns anos...
 - Desculpe?
 - Fomos casados... E eu queria dizer a ele que serei pai.
 - Foram casados?
 - Sim, assim como vocês.
 - Não somos casados.
 - Ah...
 - Mas meus parabéns pela paternidade.
 - É, a filha é da prima dele.
 - Como?
 - A filha é da prima dele. - Que confusão.
 - Parabéns.
 - Obrigado. Vou-me indo. Entregue isso a ele. - E me deu um envelope branco com algo dentro que parecia ser um convite. Não fui curioso e logo entrei em suas mãos e como sempre, ele não deu a minima. Mas no final daquela tarde, depois do tal do Paulo da barba mal feita, dos olhos castanhos estrabicos e que fumava marlboro red havia batido na porta lá de casa, ele nunca mais fora o mesmo. Parou de reclamar depois que leu aquele envelopezinho com sei lá o que. Algum tipo de magia. Só sei que transamos em todos os comodos da casa e um mês depois, decidimos voltar a sermos um. Mas ainda sou eu. Bem mais eu. Eu acima dele.
 ...Egoísta.

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Linhas, falhas e colchas de retalho.

 Parei pra pensar um pouco no que todos me diziam. Todas aquelas coisas clichês que todo mundo diz sobre se apaixonar e sobre encontrar alguém que seja especial, embora eu não acredite nisso, resolvi tentar pensar e com pequenas palavras, construir uma colcha de retalhos, mesmo que seja falhada.
 Existem seres como eu, que detestam costurar. Que detestam construir as coisas, porque no final ela acaba se destruindo e com o tempo, vai levando o que de melhor restava entre dois corpos que pareciam ser um só e todo o tesão acaba. Sei lá, o que eles chamam de amor simplesmente se desgasta e com furos e mais furos, vai se acabando, no final das contas, só existem linhas. Pequenas linhas. Restículos de linhas que não servem pra mais nada a não ser para serem jogadas fora.
 Entretanto, existem aqueles que gostam de se aventurar. Tecem e tecem cada vez mais, buscam algo que eu realmente não consigo enxergar o quê. Não consigo nem entender. Mas eles sempre acabam dando um jeito e se acabou a linha, eles emendam. É diferente pensar assim, é uma lógica completamente oposta a minha, mas as vezes, quando se tenta, falha. Muitas vezes ocorrem falhas. Existem coisas que realmente não podem ser emendadas. Existem situações que são únicas e devem ser tecidas com suas próprias linhas e nada além disso.
 Mas de vez em quando, só de vez em quando, é bom se aventurar. É bom sair desse casulo de proteção e tentar arriscar algo. Tentar costurar algo novo. Encontrar linhas novas e tecer uma nova colcha para lhe aquecer os pés quando o inverno chegar. É engraçado se sentir estúpido por razões que desconhece e com certeza, perder o controle de toda a situação quando se menos espera. Chega a ser engraçado, chega a ser divertido, chega a ser bom. As vezes sentir todo aquele pavor perto de um simples ser composto das mesmas coisas que você, chega a ser agradavel e com um cheiro de cigarro, selam a noite com um beijo que talvez ambos julguem especial.
 Aí começam então, a tecer as linhas e juntos, constroem coisas lindas e ao mesmo tempo, desastrosas. Coisas que podem ser fatais e destruirem tudo o que construiram ao longo de um bom tempo. Falhas que podem desfazer linha a linha, sem medo, sem rancor e sem dó. Sem nem pensar, repensar, trepensar. Falhas que podem levar pequena crateras e cicatrizes espalhadas pela pele daqueles que já se furaram com a pequena agulha que parece ser tão inofensiva, embora seja por um tempo.
 De qualquer modo, porque não tecer algo? Porque não tentar? Porque não fumar um cigarro e deixar o tempo fluir, sem nem se preocupar? Sem pensar em nada? Porque não?
 As vezes, é melhor se aventurar e deixar o café para depois do almoço.

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Um turno de doze horas.

 No silêncio, no escuro, estava eu entre bons sonhos e alguns pesadelos, até o coração acelerar de vez e os olhos se abrirem de forma com que eu não pudesse enxergar nada ao meu redor a não ser o medo que sentia naquele instante. Suor. Muito suor. Medo. Calor. Tudo misturado. Tudo estranho. Os lençóis amassados em cima da cama, o travesseiro branco e molhado pelo tanto de suor e as horas que nem pareciam existir. O escuro lá fora e nenhum barulho sequer. Eu parecia nem saber aonde estava. Parecia nem querer saber.
 Num suspiro e outro, me sentei na cama com uma expressão indiferente e talvez um tanto irritada. Sei lá o que se passava na minha cabeça. Levantei-me e quando fui até o banheiro, me assustei de novo e dessa vez, por duas razões: o rosto amassado com uma expressão deprimida no espelho e as horas que já estavam além das 3 da manhã. Provavelmente eu iria varar a noite e passaria o dia de amanhã totalmente desorientada, me perdendo em meus próprios pulos.
 Não sei o que me deu, o que acontece. Porque me importar com esses lençóis finos, rasgados? Marcados pelo cigarro de ontem a noite, o qual adormeceu em meus lábios enquanto tentava me sufocar com sua fumaça intensa e que parecia me levar pra bem longe. Não entendia muito bem do que se tratava afinal, se era apenas um ultimo cigarro ou se era apenas o último dos últimos cigarros. Se era o último maço e se queimaria como todos os outros. Me perguntei tanto pra não chegar a lugar nenhum.
 Depois, entre pernas e braços, dedos e olhos, a imagem de um rosto familiar. Um rosto que eu parecia ter visto recentemente. Um rosto tão belo, magro, estranho, cansado e assustado. Um rosto tão meu, tão seu, tão nosso, tão tudo. Todos os contos que eu pude escrever, todas as palavras que eu pude encontrar. Um rosto que as resumia em apenas uma expressão: medo.
 Aí então, se misturou com longas pernas, suadas, marcadas, tatuadas, cicatrizadas, estranhas e indiferentes. Elas corriam tanto e pareciam dar voltas e mais voltas, pareciam não chegar a lugar algum, pareciam acabar de repente e transformar todo aquele odor, toda aquela dor em apenas uma descrição familiar de mais um de seus contos banais e estupidos. Quem era eu sentada naquela janela estranha pensando no ultimo dos ultimos dos ultimos e dos ultimos? Não sei.
 A cama desarrumada então, simbolizava o meu processo de insonia, enquanto as horas no relógio pareciam caminhar conforme a música que tocava na rádio naquele instante. Estava desligada mas eu sabia. Eu sabia que algo alí estava para me lembrar de pequenas xicaras de cafés abandonadas ao longo da vida. Ao longo do ultimo gole e do ultimo suspiro. Dos jornais rasgados, das noticias, de tudo que me rodeava e eu simplesmente parecia ignorar por um instante ou dois, só pra tentar viver de forma que eu conseguisse enxergar algo além do mundo de papelão que eu insistia em viver.
 Embora eu soubesse melhor do que ninguém que esses pequenos deslizes cometidos por mim sejam maiores do que eu imaginava, eu simplesmente quis escolher a opção de cair de novo. Não tenho exatamente um porque pra tentar entender, não tenho leite o suficiente para alimentar toda essa angustia que cabe dentro de um pequeno ser como eu. Angustia demais. Palavras demais, poesia demais, sei lá, sei lá e sei lá.
 Só sei que quando já eram cinco da manhã e o cigarro já havia queimado até o filtro, decidi tomar um banho e recomeçar a vida, das 5 da manhã, as 5 horas da tarde.

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