Archive for março 2013

Sobre uma noite regada a Stella

 Eu queria escrever um conto melhor sobre você ou precisamente para você. Gostaria perfeitamente de retratar seus atos e feitos, seus desejos e podres delícias em cada pequena letra que vão formando as minhas frases feitas. Gostaria de tê-la em meus braços por essa noite e outras a mais, só pra não me sentir tão só e te recitar uma poesia ou outra só para fazê-la suspirar, arracando-lhe um sorriso sincero e imaginando o que se pode ter de um pequeno romance que a gente tem.
 Que começou com umas cervejas. Com um narguile, você queimando o seu dedo, eu tocava violão e você ria de alguma coisa que alguém dizia. De vez em quando, quando reconhecia a canção, cantava junto e com uma simpatia e talvez irônia, divertia-se com as piadas feitas em relação ao outro casal que também estava presente. Você sorria, eu nem percebia, eu te queria e nem sabia. Nem soube. Nem pensei sobre. Nem escrevi sobre.
 Depois, o reencontro aconteceu naquele tributo ao Engenheiros. Você apareceu, eu sorri. Eu soube lá que queria saborear você aos poucos, não tive vestígios, acreditei em outras coisas, em conclusões de alguém que nunca prestou muita atenção no tempo ao redor. Me movi como um ponteiro de um relógio e sem um segundo para contar, nem pude me aproximar sequer para tentar. Não pensei se deveria citar algo ou se simplesmente faria alguma piada sobre alguma situação apenas para descontrair, apenas a verdade de me imaginar com você falando sobre várias coisas bestas, trocando alguns olhares. Eu te devorando, você me devorando e as almas se unindo.
 Stella. O terceiro beijo tinha gosto de Stella. Tinha gosto de você. Era doce e amargo, tinha um ar de desejo, uma vontade repentina de despir todos aqueles sentimentos estranhos e aproveita-los ao extremo. Um ecstasy fora do comum, um tremor, um arrepio e o seu perfume suave com o seu sorriso convecido, tipicamente libriano com uma pitada da sua lua em escorpião e eu te querendo mais. Eu sempre querendo mais e você, correspondendo.
 Antes até, eu lhe observei. Ouvia sua voz, você fumava, fazia algum comentário, se divertia com a minha estranha maquiagem de Pierrot. Depois me olhava com uns olhos que me eram impossíveis de desvendar, eu nunca entendi muito bem o que eles queriam me dizer ou a razão pela qual você me olhava daquela forma. Eu não conseguiria descobrir a menos que você me dissesse, mas eu gostava de olhar. Eu gosto dos seus olhos, eu gosto dos seus cabelos, eu gosto do seu signo, eu gosto do seu cheiro e do seu gosto. Dos seus lábios, da sua alma, do seu corpo, do seu abstrato, dos seus motivos e da sua voz.
 Eu não temo muita coisa, acredito no que vejo, no que senti e no que suas mãos me disseram. Acredito no seu encaixe, e acredito no que precisamos acreditar. Desde que seja assim, tão bom, regado a Stellas, cigarros, a você e ao resto, deixe estar. Deixe-me escrever mais um pouco antes de adormecer e entender que nem sempre as coisas fazem sentido, mas que só são respostas de perguntas que nunca existiram em minha mente. Deixe com que eu me afogue nesse doce deletério.

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Nunca disse que era pra rimar

 Xícara no fim, café de porcelana.
Vinho de sangue, taça de papel.
Cartuchos usados, cordas arrebentadas.
Finais programados, vida manipulada.
Respiração ofegante, olhos vendados.
Lábios dormentes, pernas cansadas.
Passos lentos, peito congestionado.
Trânsito parado, orquestra de buzinas.
Rodas de papelão, vidros de plástico.
Nuvens de algodão, céu de gás.
Oxigênio pastoso, poluição aquosa.
Tijolos de calçados, sapatos de cabelo.
Pontes mal feitas, obra inacabada.
Pincéis de roda gigante, sol de papel machê.
Esquinas de prédios, poesias rasuradas.
Canetas azuis, papel tingido em preto.
Globo terrestre, países e terremotos.
Desastres e enchentes, paixões e depressões.
Noite de Saturno, dia de Urano.
Estrelas de Marte, lua de Vênus.
Mentiras inadequadas, verdades infinitas.
Estradas de poeira, hotéis de lençóis.
Sentimentos calculistas, cabelos castanhos.
Nação de mentiras, alienação constante.
E eu continuo a repetir:
Vida narrada, vida programada.

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Ferrugem

 O que acontece quando alguém ainda crê naquilo que você deixou para trás? Todas as canções cantaroladas, um novo inglês que você inventou. Sua mania estranha de ouvir Beatles e reclamar de Stones e principalmente dar risada quando eu escrevia pra você aqueles contos que nunca lhe convenceram. Aqueles mesmos que lhe faziam rir, quando estavamos a bordo daquele mesmo navio enferrujado do ano passado, nas mesmas águas passadas de um século que não volta mais. De um eu que já não lhe pertence mais.
 Eu, que tinha os meus dezenove anos e acreditava na direção dos ventos que me sopravam os cabelos bagunçados. Que pousava em cada porto a cada dia, apenas para conquistar um novo amor. Eu tive várias e entre elas, tive você. Você que dedilhava canções em seu violão, o mesmo que navegou comigo por quase dez anos. Você, que me presenteou com um Abbey Road que você tanto gostou e eu que guardei, sem nunca poder ouvir Lennon e McCartney cantarem outra vez.
 Aos vinte e um, tive a outra. A outra morena que sambava pelos portos do Rio de Janeiro. Morena bela que ouvia Luiz Gonzaga e era de Recife, tinha um sotaque arrastado, me contava casos do nordeste e que era apaixonada por literatura de cordel. Escrevia poemas sobre o seu sertão, escreveu-me uma carta sobre tudo o que deixou para trás e viveu-se assim, de sambar pelos corpos de outros rapazes, que não eram eu, mas que eram belos e que possuíam bens. Muitos bens. Eu é que nunca tive nem sequer um corte de cetim para presentea-la.
 Aos trinta, tive aquela que morava no porto de Santos. Aquela que me levava para um conhaque caro em seu apartamento na ponta da praia. Aquela que me roubou uma alma e para quem, provavelmente, Chico Buarque havia escrito A Rita. O nome dela também era Rita, mas ao contrário da história, nunca me levou os trinta anos e nem me deixou mudo o meu pequeno violão. Rita partiu antes mesmo que eu pudesse me despedir e no final das contas, eu nunca pude sentir falta.
 Depois de vários outros romances que não me recordo, encontrei apenas um. Apenas um único romance que pôde me fazer feliz pelo resto da vida pacata sobre as ondas que eu levava. Um amor de madeira, enferrujado pelo tempo, um amor acabado, um amor tatuado no peito esquerdo. Um amor cujo meus suspiros eram em torno dele. O amor sobre os sete mares que me velejava sobre as ondas gigantescas que enfrentei, como os portugueses de Camões. Aquele sentimento que me levou a acreditar que por fim, eu pudesse mesmo estar vivo sobre sete ondas nos sete mares sobre sete marés da lua branca que me sorria um poema agora. Deitei-me mais uma vez, sobre a chuva de estrelas que cobriam o céu escuro e enquanto eu inventava, o tempo ventava, eu escrevia e as horas, nunca passaram.

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Sobre velejar, remar e Bárbarela

 Me restaram apenas três cigarros na carteira. Três malditos cigarros para uma maldita ex-fumante que desejaria uma carteira nova de marlboro red só para variar. Os olhos devoradores dela observavam a pequena mesa de canto e com um nervosismo quase imperceptível, suas mãos se entrelaçavam enquanto suavam desesperadamente em busca de um apoio. Ela não sabia aonde iria chegar ou se chegaria a algum lugar, mas precisava fumar, precisava sair desse sufoco todo que estava tomando conta de seus dias estúpidos e calculistas. Ela, que nem sabia falar francês, decidiu então fumar um charuto cubano, não porque era cliche, mas sim porque era comunista.
 Deu dois tragos quando achou o mesmo em uma das gavetas de seu quarto, tingido em verde e com uma pressa toda, guardou o resto para mais tarde. Ela não entendia muita coisa, gostava de escrever coisas e rasura-las sem a minima importancia. Não se importava com muito, mas apenas com o suficiente e tinha pelo menos umas três manias ridiculas, que faziam-na repensar sobre as mesmas, mas ela não parava. Não tinha o porque. Ela era o que era e era assim que tinha de ser.
 No entanto, para dar um contraste, ela, com a sua monotonia e melancolia, deu de cara com a outra menina dos cabelos cacheados e sorriso marcante. Um corpo livre no espaço que flutuava sobre o mar azul que ela tanto custava para remar e que mergulhava fundo em pequenos devaneios que ela insistia em escrever sobre. Ou pelo menos tentar descobrir, mas nunca conseguira. Ela apenas enfrentou os olhos enigmáticos da outra garota que pareciam dizer tudo, mas ao mesmo tempo, nada. Nem peças eles entregavam. Eram apenas razões para remar pelos céus e pelos mares, para reclamar e viajar em uma poesia totalmente diferente das que ela costumava escrever. Dessa vez, ela seria sensível e não simularia sentimentos como sempre fez. Ela abaixaria a máscara e com um sorriso sincero, ela arrancaria da outra, um outro sorriso.
 Já que a Bárbarela não tinha muito o que tentar, ela simplesmente soltava palavras para que a outra poeta pudesse entender. Poeta nada, pseudo poeta. E a pseudo poeta coletaria todas com cuidado para analisar os pequenos detalhes da voz, da cor, da pele, do sabor, do corpo da menina dos cabelos cacheados. Ela entenderia que muitas vezes, seus contos ou crônicas não diriam muita coisa e que ela teria que se arriscar um pouco mais. Diria ela que a pequena Bárbarela, razão para todo esse seu romantismo repentino, era algo belo e pequeno que ela gostaria de cuidar. Bárbarela que tinha um sabor suave, não tão doce e nem tão salgado, tinha a dose perfeita do que procurava. Na verdade, ela nem procurava mais, Bárbarela fora algo que a tirou da sua zona de conforto e fez com que as coisas ao seu redor, se tornassem um pouco mais sinceras e com sorrisos que passavam a brotar em alguns cantos do seu quarto escuro e que nem uma pequena lanterna seria útil.
 Eu diria que ultimamente, as pseudo poesias da pseudo poeta foram escritas pra tal de Bárbarela. Parece encantador, algo bonito de se ver, algo diferente do que parece ser, algo que ela gostaria de mergulhar e escrever contos e mais contos sobre a tal morena que ela conhecera num dia qualquer e que não conseguiria imaginar os vários sentimentos que parecem estar se modificando com o passar dos dias. Algumas coisas que antes não eram vistas, agora são notadas diariamente e que a pequena Bárbarela faz parte do seu pequeno diário de bordo. Do seu navio sem fundo, do seu remo quebrado e da sua vela rasgada. Gostava de remar sozinha nas tempestades de Janeiro, mas dessa vez, gostaria de remar ao lado da pequena Bárbarela por uns dias melhores que todos os outros dos meses melancólicos anteriores.

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De volta para o 505

 Suas mãos trêmulas alcançaram a maçaneta gelada daquela porta que já lhe era familiar de algum tempo atrás e a grande sensação de desconforto passou a tomar conta de seus ossos, que pareciam rachar por debaixo de sua pele enquanto suas mãos ainda giravam a pequena maçaneta.
 A porta se abriu, rangendo suficientemente alto para que qualquer um que andasse pelo corredor ou que estivesse em outros quartos, pudessem ouvir e revelava um pequeno quarto branco, com as janelas trancadas, cortinas amarelas, cama branca com algumas toalhas sobre a mesma, um pequeno espelho no canto direito do quarto, uma outra porta que provavelmente ligaria o quarto ao banheiro e um pequeno frigobar ao lado de uma escrivaninha já um tanto velha. Um suspiro foi abandonado por seus lábios enquanto seus olhos ainda observavam lentamente aquele quarto, também familiar.
 Deu apenas três passos para dentro e fechou a porta com cuidado. Observou lentamente como se houvesse outro alguém dentro do quarto que pudesse aparecer a qualquer instante e se aproximou daquela cama, que também rangeu quando se sentou na mesma. Estava se sentindo extremamente cansado devido ao longo tempo da viagem que havia feito e suas memórias já começavam a lhe perturbar outra vez. Lembrou-se do porque das semelhanças das coisas nesse quarto, lembrou-se quando já esteve aqui e engoliu em seco quando a exata imagem lhe tomou a mente.
 Virou-se para trás para observar o lado direito da cama vazio e lembrou-se exatamente da menina dos cabelos negros e curtos, observando-o com olhos famintos, de quem iria devora-lo a qualquer instante. Tinha suas duas mãos juntas, no meio de suas pernas e estava apenas de lingerie. Tinha um pequeno sorriso de canto e uma expressão calma, porém mordiscava o lábio de vez em quando.
 Aquele olhar egoísta e devorador que havia consumido a sua alma até o fim era tudo o que ele mais gostava naquela menina. Adorava também a forma com que suas mãos estavam sempre juntas escondidas pelas suas coxas grossas e com uma bela tatuagem em uma delas. Adorava a forma com que ela mordia os lábios ou suava quando estavam perdidos no meio dos lençóis e amava o sorriso sacana que ela sempre insistia em colocar na face quando algo estava para acontecer. Era linda, era bela, era única.
 Sem perceber, já estava adormecendo do lado esquerdo da cama sem a bela menina do sorriso sacana a sua direita. Seus olhos se fecharam e como num flash, o dia amanheceu sem muitos vestígios do que poderia acontecer. O sol invadiu o quarto, as inúteis cortinas amareladas não serviam para tampar nada e o incomodo só ficava cada vez maior ao passar das horas. Seu corpo se movia lentamente e seu sapato manchava os lençóis brancos, que possuíam pequenas e quase imperceptiveis manchas de sangue, sabe-se la de quem, mas possuíam e seus braços já se esticavam, prontos para despertar.
 - Mas que porra... - Grudou os olhos no relógio e se assustou. O mesmo já marcava onze horas e quarenta e cinco minutos de uma quarta-feira do mês de Abril. Ele se levantou, um pouco apressado, juntou suas coisas e logo saiu do quarto, deixando para trás a porta e a cama rangendo em coro. Tomou um último copo de conhaque e partiu, para nunca mais voltar, mas nunca soube que ao fugir do quarto, havia abandonado algo. Um pedaço de papel, que parecia ser uma fotografia da mesma garota do sorriso sacana com uma pequena data atrás da mesma. 05/09/08.
 Uma pequena memória, pequenas palavras e uma parte de sua vida que nunca fora esquecida, no pequeno quarto de hotel de uma cidade que todos desconheciam. Ele, no entanto, nunca mais pôde voltar para se lembrar dela.

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Trens e estações

 A sensação de um tremor no solo e um vento forte vindo do outro lado, acompanhado por uma luz intensa que chega a me cegar por alguns instantes. Algumas vozes ao fundo comentam algo que não consigo entender e quando aquele vagão enorme e enferrujado passa pela estação, as portas se abrem, delas saem milhares, nelas entram trilhares e assim o ciclo repete dia após dia, hora após hora, minuto após minuto.
 A estação se torna vazia. Um chapéu fedora em minha cabeça, um sobretudo acinzentado e um cigarro na boca esperando o último trem do dia. Desses que vai sem rumo e sem estação certa para parar, desses que prendem dentro de um vagão frio e vazio, com um ar gélido e bancos metálicos completamente sujos. Como numa sala de necrópsia e aquelas mesas todas com um sangue vermelho vivo escorrendo por elas, lentamente e sem pressa de chegar ao chão.
 Quando o último trem chega e dou os dois primeiros passos adiante para adentra-lo, sinto meu corpo esfriar, o cigarro apagar e as mãos a congelarem. Sinto meus dedos do pé se movendo lentamente dentro de meu sapato manchado e em um impulso qualquer, estou me observando pela janela escura que alí estava. Um reflexo de um rosto pálido, olhos cansados, lábios partidos e uma expressão de solidão que ninguém conseguiria desvendar. As mãos trêmulas que de repente estavam dentro dos bolsos e um suspiro acompanhado por uma fumaça branca e a sensação de estar em um lento movimento de ida.
 Começou lento e rapidamente ganhou velocidade. O movimento continuava enquanto as paisagens daquela cidade passavam diante de meus olhos. Eu não filmava, não gravava, não escrevia, só estava em pé, com a tristeza no bolso, a angústia nos lábios e o cansaço nos olhos. Continuava a esperar pela minha hora e pelo infinito caminho que fariamos até chegar a algum lugar, cujo eu desconhecia, porém parecia ser como um lar. Um lar com Louis Armstrong tocando na rádio debaixo de uma neve congelante com um tom avermelhado.
 Meus olhos se moveram lentamente analisando para ver se encontraria outros passgeiros e para a minha surpresa, estava só. Completamente só naquele vagão enferrujado que me causava arrepios. Não poderia dizer que estava feliz e nem poderia sorrir, seria hipocrisia. Estava apenas aproveitando o passeio com as tatuagens e cicatrizes no corpo, procurando encontrar a última delas ou talvez, a primeira da última lembrança de todos os arranhões que já encontrei em minha pele quase sem vida.
 O sinal foi dado. O trem parou e ao abrir as portas, meus olhos se depararam com um lugar vazio. Um banco, um poste e nada mais. Uma estação vazia. Outra estação vazia como qualquer outra que eu já tenha encontrado. Dei longos passos até sair do vagão e sentei-me no mesmo banco, dessa vez, de madeira e sem vestigios de vida por alí. Tudo estava debaixo de uma neblina que me causava a sensação de estar completamente cega. Vi que não tinha motivos para ter pressa, então acendi outro marlboro red para combinar com as marcas de sangue dentro do vagão.
 Assinalei o meu nome em minha própria lápide e com vários tragos, esperei, mais uma vez, pelo outro trem que me levaria a outra estação da vida.

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Cidade das pedras

 A cidade das pedras só tinha pedras. Pedras com símbolos, letras e coisas insignificantes gravadas em cada uma delas. Uma pedra pra cá, outra pra lá, rua de pedras, casas de pedras, postes de pedras, pessoas de pedra, tudo, absolutamente tudo era de pedra.
 Eu era uma das moradoras típicas da cidade de pedra e morava na pedreira norte, um bairro distante do centro histórico das pedras aonde os fundadores deixaram os seus escritos. Eu escrevia pra um jornal de pedra sobre modas. As roupas pedrianas que todos usavam e que eram a última moda e um coração de pedra que toda mulher sonhava em ter. Corações de pedra que nem nós, habitantes da cidade de pedra, poderiamos ter, mesmo que quiséssemos.
 Na cidade de pedra, haviam em torno de cinquenta mil habitantes. Somos a capital do estado de diamantes e moramos no país do bronze. Comemos o famoso macarrão de pedra ao molho argento, que é a nossa especialidade, apesar do molho ter vindo da cidade de argenta. Temos uma história em pedras e órgãos de pedras que caracterizam o nosso povo. Somos acinzentados, não usamos cores e não conhecemos outra coisa a não ser o cinza. Aqui o sol é cinza, o céu é de pedra e as nuvens são rochosas e de vez em quando, chove magma só pra deixar nossa terra um pouco mais consistente.
 Por aqui, chamam-me de Pedriana Pedrescurb, descendente de cobrianos que há muito tempo ajudaram a fundar a nossa tão almejada cidade. Aqui, gostamos de dizer que somos inflexíveis, porque não nos curvamos e muito menos nos movemos, somos pesados demais para isso, mas gostamos de viver em nossa pacata cidade aonde não existe nada além de pedras e mais pedras.
 As crianças, andam de Pedriciclo, algo parecido com aquela tal bicicleta que eu já vi na cidade de Cuprum, mas tenho que admitir que o nosso chega a ser um pouco mais atraente. Conheço gente de vários lugares e nunca vi tanta gente flexível e amarela. Menos os Argentos, eles brilham que chegam a doer nossos olhos, mas são simpáticos e educados, também costumam ser muito atraentes.
 Embora vivamos em uma cidade sem shopping, sem botecos e sem cerveja, vivemos bem. Aqui paramos no tempo. Cada um faz o que tem que fazer em casa e o tempo é curto demais para os nossos longos passos, rolamos rio abaixo para encontrar mais razões para continuarmos respirando. Somos pequenas pedras, numa cidade de pedras, num país de bronze e num lugar qualquer, que ainda sim, chove pedras.

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Cartas para um mármore

 Quando eu vejo aquelas fotos, leio algumas coisas e sinto essa terrível sensação de ver algo partir para nunca mais voltar, lembro-me exatamente dos poucos dias em que eu tive a oportunidade de conversar com você sobre algumas besteiras da vida. Desde papos inteiramente inteligentes até papos estúpidos, de bêbados que se divertiam com qualquer coisa ou com qualquer motivação, mas sempre com um toque de "isso pode se repetir amanhã e depois. E muito depois. Pra lá de depois. Daqui um mês, dois ou três" e quando tudo perde o seu controle, eu percebo que não funciona muito bem assim.
 Na maioria das vezes, quando os passos se alavancam para uma direção completamente oposta do que se espera, os resultados sempre trarão novos dias. Novas noites e novas situações, novas pessoas. Mas no caso de tudo aquilo que conversamos, parece não fazer sentido. Quem iria dizer que isso iria acontecer? Que por um acaso, eu nem sequer te conhecia tão bem pra poder imaginar o sofrimento que você causou a pelo menos todos aqueles que eu amo e que estão próximos de mim. Sofrimento por ter partido, por deixa-los. Sentir a mesma dor que você sentiu no momento em que abraçou os seus últimos pensamentos como o pequeno suspiro e ver as imagens se passando lentamente pelos seus olhos enquanto seus lábios ainda gritavam por socorro. Quem iria garantir que tudo isso tinha realmente que acontecer? Que a sua partida não abalaria até mesmo a mim, que nem me aproximei tanto de você?
 Mas me lembro. Lembro-me como se fosse ontem. Nós conversamos muito durante algumas noites e você, com suas habilidades impecáveis, me ensinou a tocar algumas músicas e principalmente ouvi-las e me lembrar de você. Me contou a sua história ou pelo menos parte dela. Me fez rir com algumas bobagens que me contou e o mais importante de tudo: Se tornou um sorriso estampado na face daquele que eu considero como um irmão e eu juro que a dor que o tomou, é a mesma sensação que me toma enquanto lhe escrevo essas pequenas palavras.
 Eu não posso dizer muito, talvez não pudesse dizer nada, mas digo que todos estão dando os seus melhores para que você se orgulhe deles. Na verdade, você se orgulhava de todos mesmo com os defeitos mais absurdos do mundo e compartilhava dos mesmos, porque nunca vi alguém com um sorriso no rosto por tanto tempo como sempre via no seu, embora você provavelmente tivesse as suas tristezas, você não deixava de sorrir. Não deixava de acolher àqueles que muitas vezes, não eram de falar muito. Não deixava de admitir e ajudar a todos aqueles que te chamavam de amigo. Não deixava de divertir as poucas noites que tivemos, regadas a alcool e a papos estranhos. Não deixava de ser feliz.
 Com todas as pequenas palavras e uma melodia, eu ofereço a você essas pequenas frases. São meus sentimentos, sentimentos que eu talvez desconhecesse, sentimentos que senti pelos outros e sentimentos estranhos de perceber que você deixou um vazio no coração daqueles que estiveram contigo até no final.
 Espero que esteja melhor, que esteja feliz, apesar de eu não acreditar que exista um outro lado, mas espero que tenha vivido o que queria, apesar de saber que havia muito mais para que você pudesse viver, mas de qualquer forma, já foram tempos vividos que jamais serão esquecidos e que outros viverão por você, aquilo que você não pôde. Espero que os vazios se curem e não que lhe esqueçam, mas sim que não chorem mais e apenas lembrem-se de você com o mesmo sorriso de sempre e espero que os rumos se cruzem e que no final, você tenha sido mais do que sempre sonhou em ser... Essa é uma carta para um mármore.

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Champagne Supernova

 Deitar no asfalto quente, sentir o vento dos carros que passam em camera lenta e observar um céu coberto de nuvens alaranjadas numa madrugada de Março. Sentir o chuvisco invadir os poros da pele quente que se une ao cinza sem vida do asfalto e marca as pequenas palavras de um homem ignorado pela sociedade que se senta do outro lado da calçada. Eu vejo isso e não vejo estrelas. Não vejo a lua, não vejo sinais de que o tempo vai melhorar, de que vai parar de chover e de que o dia vai voltar. Não vejo sinais dos carros que parecem não parar para não me atropelar, não vejo faróis, só vejo uma cidade completamente vazia e sem vida alguma. Sem oxigênio.
 Ouço a música lenta ao fundo, na voz de Noel Gallagher em Champagne Supernova, ecoando pelas ruas escuras que nem sequer possuem um poste. As estradas de algum lugar que agora se tornam infinitas e eu, que não me levanto e respiro com dificuldade todo esse ar gélido, me congelando os pulmões e me transformando em algo quase sem vida. Tenho um papel na mão direita, olhos cobertos de solidão e dedos entrelaçados pela morte que me assombrava o quarto nas madrugadas anteriores. Eu que não tenho nada, a não ser um cigarro.
 Quero entender, quero cantarolar, quero gritar, mas nada acontece. Nada. A minha voz começa a falhar e meu peito corresponde com pontadas poderosas a ponto de quase me matarem. Meu corpo não reage e a minha mente está perdida nas palavras proferidas com aquele sotaque britânico de sempre. O medo me toma o sangue e o dez segundos de agonia não se acabam e duram quase que uma eternidade enquanto eu ainda procuro por respostas que faça algum sentido. Meus pés não querem caminhar e o asfalto sem vida, passa a me envolver com suas linhas amarelas de advertência. Pestanejo lentamente tentando focar a cena que está diante de meus olhos.
 Quem sou? Aonde estou? Para onde vou?
 E a chuva, que eu pensei que um dia fosse parar, nunca deixou de cair sobre meus ombros.

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Para ela

 Estive lendo bobagens. Várias delas escritas por mim mesma e decidi que sem você pedir, eu vou lhe escrever algo mais sincero. Talvez não se diferencie, mas eu quero lhe escrever algo mais sincero. Sobre tudo, sobre nada, sobre noites ou até sobre chuvas. As chuvas que eu tanto gosto de ouvir, mas sobretudo, sobre você. Você sem necessáriamente precisar de um "eu".
 Temo que tenha dito algo sobre gostar de citar poesias mal feitas. Que gosto de criar versos aleatórios sobre ocasiões que nem sempre fazem muito sentido e que de certa forma, isso me faz bem. Me faz bem de tal forma que eu gostaria de escrever pra você algumas palavras sem sentido para que você escorregue nas delícias das letras e se divirta com os pequenos ruídos que fazem quando você as toca. Você, Bárbarinha, que de Bárbara realmente não tem nada. Tem um par de amêndoas, um sorriso confortante, cabelos à Caetano e pequenas mãos que me agarram a pele e me cegam os olhos. Tens três contos comigo e um só sobre qualquer coisa, mas é como se fossem uma parte de suas belas curvas que se tornam parte de um mistério todo que eu gostaria de desvendar aos poucos. Sem pressa, sem medo e com algumas taças de vinho sobre a mesa.
 Você, que tem uma voz deliciosa, que diz palavras como se fossem melodias, cria poemas sem precisar de rimas e que naturalmente, me invade a mente nos momentos de insônia, me pedindo para ouvir um pouco mais da bela música que você narra. Com um sotaque à Tom Jobim e uma poesia à Chico Buarque, sem receio do que dirá, as pequenas frases se formam em uma noite qualquer da semana. Tens aí também um carinho que é só teu, um sentimento que é só teu, uma marca que é só tua e algumas palavras só tuas. Um orgulho e meio, que com um copo de uísque, se desfaz em seus pensamentos distantes de tudo o que podemos enxergar e também as flores de um dia que eu ainda não cheguei a ver, mas a calma e a exatidão de momentos que estão cicatrizados em meus pequenos papéis. Os mesmos papéis que você pode usar para me sufocar.
 Um cigarro, Bárbara, te ofereço um cigarro e uma noite toda. Ou todas as noites se quiser, quantas poesias quiser proferir, quantas melodias quiser cantarolar e por uma vez, duas noites mal dormidas pensando em coisas banais, tendo devaneios estranhos e quase impossíveis de se impedir. Você, no canto do meu quarto, com o mesmo sorriso transparecendo as suas fraquezas e sentimentos, um par de amêndoas e uma pele transpirando toda a nicotina dos cigarros fumados. Uma fumaça para que eu não te enxergue e os seus mesmos lábios grudados nos meus, como um sinal de que não deveriam se separar. Como dentes que marcam os seus trajetos por todo o caminho daquela carne tão macia e suave, como uma noite inteira coberta por suor, bossa nova e litros de vinho.
 Te dou, Bárbara, o meu sentimentalismo poético, meus olhos, minhas mãos e minhas palavras. Meus refúgios e pensamentos secretos, um ar de entendimento e algumas doses de alcool, mas o suficiente para alimentar esse seu sorriso que me devora a alma e talvez o olhar. Aquele que ainda paira sobre o seu e que se atira em nuvens de algodão pelo céu de papel machê.
 Tenha as minhas nuvens de algodão, morena, e até as minhas melodias, mas deixe seu sorriso flutuar e me devorar por noites e mais noites. Deixe-me recitar os meus versos e numa noite de inverno seco, com um gole daquele uísque de sempre, teremos eu e você em todas as noites de Julho e Agosto.

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Blá blá blá

 Se a gente quiser tentar, você vai me deixar? Vai desligar as minhas razões e transformar os meus pulsos em impulsos, meus cálculos em atitudes e vai me embolar? Vai me embrulhar em um papel toalha e me sufocar durante horas até que eu finalmente consiga cair das nuvens de algodão? Vou precisar mesmo acordar?
 Minha mente está a mil. A todo o instante, pensamentos se encontram em um canto dela e permanecem em silêncio até o momento em que eu tentar despertar, embora seja impossível pois os pequenos fragmentos de palavras perdidas continuam a flutuar pelos meus infinitos devaneios e num só empurrão, todos são jogados para fora como se não fossem nada, nada mais que um bando de lixo. Lixos que insistem em me incomodar e me tirar noites e noites de sono.
 Eu queria acreditar que talvez seja a hora de poder parar. Queria acreditar que no dia seguinte, o mundo amanheça um pouco mais devagar e que os dias se passem mais rápidos, enquanto que eu suspirasse entre meio termos algumas das bobagens mais bem feitas que eu já pude escrever e me sentisse mal caso um daqueles relampagos que eu vejo pela janela, insistissem em iluminar o meu quarto escuro, coberto por fumaça intoxicante e um cheiro quase insuportável de alcool por todo o chão acompanhado pelas garrafas quebradas que formam desenhos abstratos em meio a cicatrizes de memórias passadas em minha pele. Quem sou eu e aonde vou?
 Poderia dizer que escreveria uma carta de amor e inventar contos bonitinhos para uma madrugada chuvosa. Imaginar coisas bobas e clichês, esquecer do meu gosto de fel e a minha eterna paixão pelos finais trágicos que a vida costuma escrever em meus livros amassados. Seria talvez assim, uma forma de escrever algo melhor, mais feliz, sem toda essa minha melancolia de pseudo escritora, que almeja os sentimentos desprezíveis e que inventa palavras para todos que sentem essas mesmas coisas. Coisas pequenas, coisas banais, coisas inexplicáveis. Coisas de (des)amores. Passados ou futuros.
 É tudo uma grande porcaria. É tudo um bocado desprezível e é permanente o simples fato de se tentar entender. De se beber três litros de vinho e se embriagar em noites chuvosas de sábado. De ligar pra alguém e dizer coisas irracionais, estúpidas. De sentir um calor ao estar com uma pessoa especial. De desejar e querer um pouco mais. De sofrer, de sentir lágrimas quentes nos olhos de outros espelhos.
 Tanto como eu disse... Eu disse que diria, eu imaginei que soubesse ou até mesmo calculei que isso pudesse acontecer, mas de que adianta sofrer sem nem ao menos se foder?

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Águas de Março

 Eu, que um dia por acaso, decidi que iria escrever um pouco mais sobre qualquer coisa. Sobre uma carta, feita a mão, exalando um perfume muito doce e com marcas de batom. Talvez aquele mesmo batom vermelho que você usava naquela noite em que cantarolava águas de Março enquanto eu te levava pra casa, com um sorriso escondido nos olhos concentrados nas pequenas faixas amarelas que seguiam o cinza sem vida do asfalto quente daquela noite de Dezembro.
 Agora está chovendo lá fora e eu começo a me questionar: aonde você está? Com quem está? Por onde andou? Tem escrito as mesmas cartas ainda? Não que eu me importe, eu definitivamente não me importo, mas gostaria de saber como você tem andado. Se ainda continua cantarolando as músicas do Tom Jobim por aí e se ainda tem aquela mania engraçada de imitar bigodes com o seu próprio cabelo.
 Engraçado como falo de você. Como me lembro das coisas que nunca aconteceram entre nós e que por três segundos ou mais, eu passei a acreditar no simples fato de que estavamos falando sobre a mesma coisa, embora não estivéssemos. Você se importaria se estivéssemos? Tomaria outra Heineken comigo depois de uma sexta-feira chuvosa? Um sábado corrido e um domingo entediante? E ainda sim, pediria o meu cafuné e provavelmente daria risadas sobre algum fato engraçado que nos lembraríamos. Depois diriamos que isso não é amor ou coisa do tipo, mas só fingiriamos.
 Porque eu sei, melhor do que você, que isso nunca existiu. Nem eu e nem você. Você que nem é parte de mim e que nem usou as minhas mãos para dormir, porque tinha medo de escuro. Mas só porque você nem sequer existiu mesmo.

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Três palavras

 Tarde da noite. Talvez não tão tarde, mas suficientemente tarde para quem está cansado e precisa de um certo repouso sobre suas constantes filosofias da vida, aquelas que invadem a mente um pouco antes de dormir, quando as luzes estão apagadas, o vento assobiando pela janela e a noite escura transformando palavras em um eterno silêncio até a madrugada.
 Ela que estava lá. Estava deitada em sua cama, eu diria que estava um bocado entediada com as coisas que aconteciam lá fora e que estava sem sono. Não sei se estava pensando em algo, eu não poderia dizer por ela, mas ela poderia dizer por mim sim que estava pensando em suas pequenas paixões, sejam elas quais forem. Seja alguém, seja um poema, seja uma canção, um livro ou qualquer coisa do tipo. Sussurrava talvez alguns pensamentos secretos que não gostaria que ninguém os ouvisse e de vez em quando, estampava um pequeno sorriso no rosto. Acho que até acompanhava o assobio da janela, mas continuava com um sorriso no rosto e de fato, eu nunca soube o porque.
 Diga-se de passagem que talvez a chamem de "minha", mas ela não é de ninguém. É um tipo de folha que cai de uma árvore num outono qualquer, diria que uma pétala de sakura porque possuía uma beleza significante e de vez em quando, fazia com que eu me lembrasse de pequenos devaneios aonde as ruas escuras e empoeiradas, eram trocadas por uma pequena passarela aonde uma esfera branca desfilava com cautela, iluminando os caminhos dos cegos das madrugadas. Eu sou um desses cegos e estava lá quando ela passou. Cegos que não possuíam grana, cegos que não faziam nada. Cegos que vadiavam por aí sem um rumo e sem qualquer esperança de qualquer coisa, mas ela continuava deitada alí e ria a toa. De nada que eu sei, mas ela ria.
 Eu, de vez em quando, gostava de olhar e ouvir a sua risada pela janela, fingia assobiar com o vento só pra ela assobiar comigo, mas só de vez em nunca, eu realmente desejava que ela assobiasse ao meu lado. No meu ouvido, por uma noite inteira.

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Yas-nay.

 Eu fiz pra ela. Escrevi pra ela. Escrevi uma frase feita ou duas, talvez três bobagens relacionadas a coisas banais, mas eu fiz pra ela. Fiz sim, pra ela que gosta de ler os meus bilhetes de boteco, poesias chulas e mal acabadas, palavras clichês se entrelaçando como se forma uma pequena colcha de retalhos que acaba por fazer parte de todas as suas noites de sono. Cobrindo-lhe a alma, o pensamento e os olhos, numa paz quase inexplicável.
 Eu diria, Yasnay, Yas-nay, ou como você preferir, que existem três tipos de coisas que já me contaram de você ou que eu já li sobre você. Primeiro que existem livros e você faz parte de um conto qualquer, segundo que você existiu na minha vida e nem sequer pensou em partir nos dias de minha derrota e terceiro que você ainda estende as mãos pra poder me segurar quando meus olhos estão vendados pelo destino. É engraçado como uma linha não pode tecer sem ter uma agulha e de vez em quando, eu começo a acreditar que você é a minha. Eu tenho várias. Você é uma delas. Você tece a vida aos poucos comigo e no final feliz que a gente espera, há de encontrarmos um belo vestido com todas as cores belas que podemos enxergar nesse mundo tão estranho.
 Já tentou repetir seu nome várias vezes? Já chamou por alguém que nunca lhe respondeu e já acreditou no que ninguém havia antes visto? É, eu acho que é assim que funciona com você e com seus cabelos encaracolados à Rita Baiana, como você realmente se parece e um pedido a mais pra que você arranque de meu rosto um pequeno sorriso torto quando tudo parece estar indo para o lado errado. Que lado errado? Se é que existe um lado errado, mas lá está você e de olhos abertos pra nunca mais fecha-los.
 Yas-nay. É um textinho pra você, Nay-Yas, ou como você preferir.

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Máscaras e espelhos

 Um pequeno espelho com uma moldura branca em minhas mãos. Meus olhos observavam os outros olhos que alí estavam e todos os pequenos movimentos que eu fazia com a boca, eram imitados por aquele objeto tão sem graça. De vez em quando, nos botecos da vida, eu costumava observar um objeto parecido com esse e encontrar um rosto embriagado com um olhar tristonho que parecia mergulhar em alguns estilhaços que a alma possuía ainda, mas agora, vejo um par de olhos vazios. Sem nada. Elas não tem absolutamente nada e suas cores são tão irrelevantes que também pareciam desaparecer. A cena não tinha cores, o reflexo era imóvel e o ambiente não tinha vida... Nenhum sinal de vida...
 As paredes, brancas, as sombras, negras, caminhavam lentamente e pintavam-se como tintas que escorriam por uma pequena tela de um artista frustrado. Pés estavam descalços e o chão gelado trazia uma certa sensação de calafrio, se é que poderia ser chamado assim. Embora imóvel e com uma pequena máscara de papel nas mãos, o reflexo daquele corpo continuava a exalar um certo calor. Um certo medo e a intenção de estar perdido em meio a tantos estilhaços pelo chão. Engolia em seco cada palavra que poderia dizer, mas não existia uma força sequer que lhe ajudasse a entreabrir os lábios e exalar um suspiro gélido que não era capaz de apagar as visões que pareciam cegar aqueles olhos.
 Era uma madrugada sem cor. Madrugadas não tinham cor nesse mundo. Madrugadas eram geladas, tristes e repletas de lâminas que lhe partiam a alma. Se sentia como um Pierrô mas nunca havia conhecido a sua Colombina e passava a acreditar que isso era apenas parte de um desejo inexistente do tão sonhado sentimento que todos os homens almejam e ele, no entanto, não o almejava.
 Moveu seu braço lentamente até seu rosto e com um pequeno gesto, colocou a máscara. Na máscara, havia um sorriso, uns olhos cheios de cores e um mundo que parecia ser azul. Um mundo coberto por árvores e maçãs avermelhadas, doces como nunca e que em seu real mundo, nunca existiram. Andou pela grama molhada e outros seres máscarados passaram a aparecer diante de seus olhos. O sorriso nunca saiu de seu rosto, mas toda vez que a máscara era retirada, seus olhos eram obrigados a encontrar aqueles olhos imóveis que de vez em quando, nem os reconheciam mais.

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Vendas de jornais

 A madrugada estava exremamente seca, as rosas avermelhadas se desfizeram com a doce brisa que assobiava pela janela do meu quarto e um par de olhos cor-de-safira me observavam da escada. Eu engolia em seco enquanto sentia aqueles olhos pousarem sobre a minha pele, que estava coberta pelo meu suor e pela enorme sensação de algo desconhecido que se aproximava.
 A garota, dos olhos cor-de-safira estava sentada em uma escadaria de madeira que levava ao segundo andar da casa. Ela estava em silêncio e parecia procurar por algo. Algumas fotografias eram refletidas pela iluminação exterior e eu, continuava deitada, sem ao menos me mover e sem como corresponder.
 - Não está com frio?
 - Tô é com muito calor... - Minha voz soou trêmula.
 - Eu tô com frio.
 - Como? Deve estar pelo menos uns quarenta graus lá fora.
 - Eu tô com frio porque não consigo dormir.
 Essa garota, cujo tinha os olhos mais belos que eu já havia visto, não usava uma máscara. Ela usava constantemente a tristeza posta em seus olhos e a refletia a todo instante. Nunca soube se ela realmente havia descoberto que era triste, mas a única coisa que sei sobre ela era que os seus sonhos haviam sido vendidos. Sim, sonhos vendidos, daqueles que se vendem nos jornais. O dela foi vendido por algo em torno de 150 reais, a preço de banana e tirou dela, toda a esperança.
 - Você sorri?
 - Eu não sei como se faz isso.
 - Quer aprender?
 - Não.
 - O que mais roubaram de você?
 E o silêncio tomou conta da sala novamente. O vento era o único som que podiamos ouvir e de vez em quando, as nossas respirações, muitas vezes, ofegantes por conta do calor tremendo que fazia aquela noite.
 - Não me roubaram nada, nem os jornais, nem as fotografias e muito menos as letras.
 - Letras?
 - Minhas palavras, bobas e sútis. Todas aquelas que eu colocava no papel e que fizeram com que eu me perdesse de vez. Entrelaçando linhas e pequenos vestígios de memórias que pareciam existir, mas tudo o que parece acontecer é uma mera ilusão que me cegou a vista e me arrancou uns pequenos sorrisos. Lembranças que nunca existiram.
 - Como isso funciona?
 - Eu não sei. Eu funciono assim. Engrenagens e mais engrenagens. Movida ao excesso de alcool e coisas chulas. Respirando sentimentos e expirando irônias. Não sou o que era, não escrevo mais. A minha caneta e o meu papel foram roubados de mim também. Os sonhos são o de menos.
 - E depois?
 - Depois eu durmo pra fingir que está tudo bem, mas hoje, só hoje... Só hoje eu não quero dormir.
 E eu jurei que por dois segundos ou menos, eu vi, outra vez, um pequeno sorriso escapar daqueles lábios rosados que acompanhavam os seus belos olhos azuis.

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Três pedidos.

 Pequenos olhos escuros observavam o céu escuro numa noite de sexta-feira. Uma brisa calma tocava os cabelos também escuros daquela pequena garota que sentava no degrau de sua casa, abraçando suas pernas e olhando fixamente para uma esfera gigante, branca e que iluminava um pouco as pequenas árvores que alí estavam a descansar. Ela se encolhia devido ao frio e fácilmente se encantava com o doce cheiro da cerejeira que ficava justo ao lado de sua pequena casa e com um sorriso sincero, fitava a enorme esfera com uma certa esperança.
 Tinha lá por volta dos seus sete anos. Seu pai era ausente e sua mãe havia falecido quando ainda era muito pequena. Morava com seu avô em uma pequena casa de madeira, sobre uma montanha qualquer no interior de uma cidade do Japão. Desconhecia qualquer outro sentimento que não fosse a saudade e possuía, em seus pequenos olhos de gueixa, uma tristeza quase incalculavel, que se tornara imperceptivel com o passar do tempo, já que a pequena garota sabia melhor do que ninguém esconder suas lágrimas.
 - A princesa Kaguya... Como eu queria... Como eu sei que a mamãe está com você... Eu queria tanto estar com vocês... Fico me perguntando se vocês são amigas e como são os coelhos que vivem na lua, mamãe. Queria que você pudesse ouvir a cidade em cantoria e que pudesse dizer ao vovô que por mais que ele seja desajeitado, é um excelente avô e que está cuidando direitinho de mim. - A pequena garota disse em sussurros quando observava agora algumas estrelas cadentes que enfeitavam aquele cenário escuro de um céu que parecia ser tão infinito quanto tudo o que ela já havia visto antes e ela se sentia tão só, tão insignificante diante de tanta imensidão.
 - Sabe mamãe... Aprendi hoje na escola várias coisas legais. Hoje eu já aprendi até mesmo algumas formas alternativas de escrever o meu nome! E nunca pensei que outro kanji, além do meu, poderia ser tão dificil! Mas eu gosto, gosto muito e também tenho treinado muito para isso... Acho que até te contei! Estou treinando arco e flecha agora. Vovô disse que eu tenho muito talento e que um dia eu ainda poderia me tornar uma excelente arqueira! Você acha que eu me saíria bem? - A pequena Natsumi tinha suas inseguranças como qualquer outra garota, embora fosse um pouco mais madura pois o cotidiano a obrigou a crescer e sem muito o que reclamar, ela se calou e assumiu as responsabilidades da vida que acabaram se tornando comuns e presentes, principalmente a ausência de seu pai.
 - Tenho certeza que você fora a única pessoa que realmente me amou... Papai me abandonou e quase nunca me traz presentes e depois me leva para tirar várias fotos com ele. Sei que ele tem os seus problemas, mas ele parece nem se importar pois não se dá o trabalho nem de me ligar para perguntar como estão indo as coisas... Eu sinto, mamãe, que estarei eternamente sozinha, mas não deixo de me importar embora eu esteja sendo muito forte... Eu não tenho amigos e só tenho o vovô, mas eu sei que ele não vai ficar aqui pra sempre... - Um pequeno suspiro e algumas lágrimas já eram fortes o suficiente para tocar a terra e deixar alí um pequeno vestígio de algo que poderia ter sido feito, mas nunca fora... Não havia muito o que ela pudesse fazer a não ser...
 - Três pedidos, mamãe. Um deles é que eu quero ser muito forte, o segundo é que eu quero encontrar alguém muito especial e o terceiro é que um dia eu possa estar com você novamente. - E um sorriso tomou conta de sua expressão triste quando uma outra estrela cadente, dessa vez avermelhada, cortou o céu como se fosse uma resposta de sua mãe.
 A pequena garota, já com seus quinze anos de idade abriu os olhos e com um pequeno sorriso, a mesma noite, a mesma sexta-feira e um olhar pela janela trouxe lembranças de uma sexta-feira há anos e anos atrás, aonde ela se sentava no degrau de madeira e fazia sempre os mesmos três pedidos e que até hoje, continua a esperar pela sua nova estrela cadente.

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Anéis de Saturno

 Depois de uma noite chuvosa e talvez três cigarros de maconha, alguns pontos brilhantes no céu já podiam ser observados enquanto pequenas gotículas insistiam em invadir a minha pele seca, cobrindo o meu cansaço e a vontade de me levantar daquele chão molhado que deixava o meu corpo cada vez mais frio e me trazia uma sensação de desconforto, mas eu não me importava.
 Eu tinha um ar de sabe-se lá o que você procura na vida, eu tinha uma mão no rosto e outra no destino. Tava remando pra maré alta e nem sabia como voltar depois. Eu tinha um olhar de abandono toda vez que observava pequenos movimentos entre os pontinhos brilhantes no céu e me perguntava se um dia faria parte deles. Se um dia reconstruiria o meu barquinho pra navegar até Vênus e me encontrar sobre uma areia cor de rosa que mancharia a minha pele pálida e talvez enterrasse os meus súbitos sussurros que eram quase abafados por uma sensação desconhecida. Um seco na garganta e um coração gritando no peito para uma reação, qualquer que fosse, um dedo ou um fio de cabelo, mas não o obedeci e permaneci da mesma forma por quase duas horas.
 Sei que cantarolava alguma coisa que me lembrava Sinatra, mas não... Não pode ser Sinatra, Sinatra é clichê demais agora... Talvez seja Armstrong com Fitzgerald trazendo uma graça e um ar de paz aquele ambiente que nem tenso estava. Com luzes apagadas e vestígios de fumaça, talvez vestígios de memórias em fotografias pelas paredes brancas que eu poderia cobrir de preto depois de mais um cigarro.
 A noite parecia não se transformar em dia e uma lua que parecia estar no céu, não está mais. Eu estou navegando por ela no instante e não vejo a terra em lugar algum. Vejo Marte se aproximando e já posso sentir todo o seu calor tomar os meus poros. Vejo Urano, vejo Saturno e seu anel de fumaça aonde eu já pensei em escorregar. Vejo Júpiter e sua grandiosidade. Vejo meu destino, vejo minha morte, minha esperança e meu desespero.
 Vejo um suspiro e uma péssima noite de sono, vejo-me sem nada amanhã.

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Meia noite de um meio sábado pra um meio domingo

 Quinta dose. Definitivamente essa era a minha quinta dose daquele uísque com gosto de água sanitária. Confesso que odiava uísque e gostava de mistura-lo com algumas coisas, mas talvez a ocasião não permitisse, pois eu estava tão entediada que gostaria de ficar embriagada, não pra passar mal no dia seguinte mas sim para ver se eu conseguia relaxar um pouco mais. A tensão do trabalho estava me matando e todos os documentos mais importante estavam em minha mãos, eu estava trabalhando cada vez mais e raramente tinha um tempo pra alguma coisa, estava cansada e irritada. Pedi mais uma dose e a bebi do mesmo jeito. Rasgando e queimando a minha garganta abaixo e me causando a sensação de dinamites explodindo em meu estômago enquanto eu resmungava algo baixinho devido ao péssimo gosto que essa bebida possuía.
 - Noite ruim? - Ouvi uma voz extremamente suave tocando o meu ouvido esquerdo. Era uma voz calma e que parecia, por algum motivo, estar falando comigo. Virei a cabeça para observar uma garota com um sorriso casual e uma expressão extremamente calma. Seus olhos castanhos me analisavam de uma forma sútil enquanto ela apoiava seu braço direito sobre o balcão. Arqueei uma sobrancelha.
 - Tá falando comigo?
 - Sim, acho que não tem ninguém além de você aqui. - Olhei para ambos os lados e vi que ela estava realmente certa. Continuei com uma expressão confusa e um pouco vidrada naqueles olhos que pareciam querer me dizer algo, porém não diziam nada. Nem seus lábios.
 - Então está tendo mesmo uma noite ruim. Tem pelo menos uns cinco copos aqui. - Observei os copos vazios e o cheiro de uísque que meu corpo exalava sem querer. Meus lábios se separaram por alguns instantes para dizer algo mas não pude ser capaz de responde-la. - Tá certo, vamos deixar isso pra lá. - Voltei a olhar para ela novamente.
 - Escuta... Porque cê ta falando comigo?
 - Porque eu quero? Eu tenho que te dar motivos?
 - Não sei? Eu nunca te vi antes! Por que diabos você falaria comigo?
 - Não sei, eu só quis vir falar, oras. Você precisa ser tão grossa? - Ela soltou uma risada baixa, porém divertida e mudou o seu sorriso para um sorriso extremamente jovial e encantador. Não entendi muito bem, mas essa garota... Era... Estranha. E me assustava um pouco.
 - Não estou sendo grossa, eu só não to entendendo!
 - Você bebeu cinco copos de uísque, está aqui sozinha e é atraente. Eu quis vir falar com você!
 - Tá, o que você quer de mim?
 - Realmente... Sua noite está sendo péssima, não acha? - E riu. Riu confortavelmente e sem se importar com a expressão de raiva que agora tomava conta do meu rosto.
 - Cê quer me provocar, é?
 - Não, eu quero que você se divirta.
 - Aham, tá. Você é uma estranha e quer que eu me divirta?
 - Exato.
 - Sinceramente, não to entendendo.
 - Você não precisa! - Senti uma mão agarrar a minha com certa ferocidade e com um certo cuidado, ela entrelaçou seus dedos nos meus e me puxou, fazendo com que eu abandonasse o banco e os copos vazios sobre o balcão. Não sei o que aconteceu, mas eu deixei com que ela me guiasse. Confiei minha mão e o resto do meu final de semana naquela garota que nem havia dito o seu nome. Garota que havia aparecido e puxado conversa, garota com cabelos negros encaracolados como os de Caetano Veloso.
 Saímos do bar e enquanto ela ainda me puxava, percebi que as ruas estavam molhadas, pelo visto eu estava muito embriagada pra descobrir que havia chovido. E muito. E que ela estava me levando para uma praça no meio do nada com apenas um poste no meio e várias arvores ao seu redor. Estranhei um pouco o cenário que me parecia um bocado sombrio, mas talvez estivesse pensando demais, por isso simplesmente deixei com que suas pernas me guiassem até um banco que estava embaixo de uma das árvores, o céu já estava limpo e alguns pequenos pontos brilhantes pareciam ajudar na iluminação que era quase inútil naquele lugar. Apesar de meio sombrio, até que era relaxante.
 Logo senti que suas pequenas mãos haviam deixado as minhas para trás e repousei meus olhos sobre o par de amendoas que me fitavam de forma divertida. Ela se sentou e esperou que eu fizesse o mesmo.
 - Vai me dizer seu nome? - Perguntei enquanto observava um pouco mais o ambiente, sentindo um certo calafrio.
 - Vamos fazer o seguinte, cê pode me chamar de uma noite só.
 - Uma noite só?
 - Exato.
 - Que tipo de nome é esse? - Soltei uma gargalhada em forma de deboche. Que tipo de pessoa diria isso? Essa garota me parecia um pouco diferente mas decidi optar pela digestão de tudo que estava acontecendo do que tentar pensar em algo estando embriagada.
 - Não é um nome, eu sou uma garota qualquer que você encontrou essa noite. A gente pode se divertir, mas não preciso te dizer quem sou. Você vai lembrar de mim.
 - Ah é?
 - Sim e não precisamos de "poréns" nisso aqui.
 - Você tá brincando comigo, não tá?
 - Não. Eu quero que você pare de pensar.
 - Mas eu quero saber quem é você.
 - Mas não vai saber. - Um sorriso de orelha a orelha se estampou em sua face enquanto ela se aproximava de mim e fixava seu par de amendoas sobre os meus e sussurrou. - Talvez você me ache, é só você quiser me achar.
 - Pra que esse mistério todo?
 - Não é mistério, eu só quero que você queira me achar. - E colou seus lábios nos meus como se tivéssemos todo tempo do mundo. Senti seus braços sobre meus ombros enquanto meus braços envolviam a sua cintura. Um beijo doce, suave, diferente e ela me tirava do sufoco todo que eu estava passando há pelo menos um dia atrás. Continuamos assim acho que talvez até a metade da noite, quando fomos pra minha casa e minha alma simplesmente adormeceu enquanto nossos corpos se encontravam um no outro. No dia seguinte, quando meus olhos resolveram se abrir, um pequeno pedaço de papel estava ao meu lado na cama e não havia sinal nenhum da garota da noite passada.

 "Minha querida,
 Como diria o Chico Buarque, talvez eu até pedisse por um corte de cetim, mas não sou esse tipo de mulher. Toda vez que quiseres me encontrar, saberás aonde me achar, não precisamos de mistério e muito menos de rodeios. Vê se numa próxima vez, me leva pra ouvir um bom samba por aí ou alguma das coisas que conversamos ontem, afinal de contas, isso poderia ter sido mais interessante se tivéssemos pensado em algo mais... Talvez você pense, mas quem sabe a gente não se vê por aí.
 Da sua talvez e nunca
 B."

 De duas coisas eu tinha certeza. Uma que eu a encontraria de novo e outra era que realmente eu tinha me deixado levar por uma garota que nem havia me dito o seu nome. Dei um pequeno sorriso e me levantei da cama como se não houvesse uma ressaca pra curar, mas de vez em quando, pela semana, eu ainda sonho com ela e com um sorriso que ela me marcou naquela noite de sábado, uísques e Chico Buarque.

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Jazz club

 Acho que eu prefiro bem isso mesmo... A melancolia do meu jazz no rádio de pilhas, as folhas espalhadas pela mesa, um pensamento sobre nada e simplesmente a oportunidade não se ter nada. Quando não se tem nada, nada se perde, tudo se torna menos doloroso. Um bom jazz, uma boa cerveja, sorrisos fingidos e uma alegria vestida de branco em preto numa noite de terça-feira com cara de sexta-feira. Um sono mal dormido e uma cama coberta por corpos suados que se envolviam em um só e eu que parei de fumar, acendi um cigarro só pra tragar as dores da vida em mais uma noite quente nessa cidade tão vazia...

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Menininha ruiva.

 Ah, que saudade imensa que me tomou o peito agora... De um tempo que não era e de um futuro que nunca será, mas de um momento que foi e que me aconteceu há menos de um ano. Tinha ela lá, em seu pequeno espaço e mais alguns fios de cabelos alaranjados espalhados pelo ar, num tom de estou aprendendo e num passo de estou subindo, sem delongas e sem arrependimentos e com olhos azuis bem brilhantes. Era ela sim, tenho certeza, ela foi a minha menininha ruiva.
 É engraçado de se pensar que já se faz um bom tempo em que eu não finjo os meus sorrisos. Ela era tão bela quanto a Belle de Jour de Alceu Valença e me deixava com uma expressão boba todos os dias em que eu acordava pela manhã apenas para seguir meus passos até o mesmo colégio de sempre. Me lembrava do perfume e das risadas que a gente deu de coisas banais, nós nos davamos bem apesar dos apesares e ela nunca esteve tão distante assim. Acho que nunca esteve tão perto também.
 Pra quem nunca teve a sua menininha ruiva ou loura ou morena, nunca entenderá o que é sorrir ao se lembrar de coisas pequenas e bobas que já lhe marcaram por um bom tempo. Dos sentimentos, da rejeição e principalmente dos sorrisos e gestos. Ninguém precisa dizer "sim" para que se tenha lembranças boas, basta guarda-las no peito ao rever e ao relembrar de fotografias que são pedaços de memórias que nunca foram impressas na vida real.
 Penso que com tudo o que vimos e o que aprendemos, hoje estamos assim. Ela lá, eu aqui, dois pra lá, um pra cá e tudo se resolve como tem que se resolver. A gente se vê, a gente ri, a gente se entende um pouco, sei lá como funciona isso, mas a gente... Só vive, só respira, só isso e eu até entendo que nada pode ser planejado, mas que pode ser maravilhoso quando se tenta.
 Ela foi a minha garotinha ruiva e será a garotinha ruiva de outros e talvez até mesmo de outras. Me fez ouvir coisas, reflexões e escrever tantos rascunhos de momentos que eu gostaria tanto que tivessem ou não acontecido. Talvez tenha sido até melhor! Quem nunca teve sua garotinha ruiva que atire a primeira pedra.
 Nem sempre rejeição quer dizer sofrimento, mas pode sequer refletir em boas lembranças para o resto de uma vida.

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