Archive for fevereiro 2013

Café da tarde com o Pereira

 Eram 16:05 em ponto e o calor intenso daquela cidade me queimavam a pele, que já estava em chamas e pronta pra ebulir a qualquer instante. O suor tão quente que me escorria no rosto agora se juntava a um pequeno círculo que se formava diante minha camiseta. Um nas costas, um em cada axila e outro na aréa do pescoço e os passos que antes pareciam ter um destino, agora já estavam lentos e perdidos. Eu parecia nem saber mais pra onde ia.
 - Que porra, vou me atrasar de novo... Maravilha! - Resmunguei enquanto virava a cabeça procurando por vestígios do edíficio que eu haveria de encontrar. - E não acho essa merda.
 Digamos que havia uma urgência e nessa tal urgência, eu precisava encontrar um prédio acinzentado com faixas verdes e eu, que sou péssimo com direções, não faço a minima ideia de onde estou. Moro aqui fazem 4 dias e sou convocado para uma reunião que decidiria meu futuro. Ou eu ficava nessa Cuiabá ou eu ia pra São Paulo e por incrível que pareça, já estava morrendo de saudades de Palmas. Sou Tocantinense, empresário falido e azarado, fodido até pelo cu e vamos dizer que talvez seja meio nômade, pois já morei em milhares de cidades e em cada uma delas, uma cagada diferente me fazia mudar, mas não era de propósito... Ou talvez fosse.
 Um barbudo, na mesma situação que eu parou na minha frente.
 - Ei! Ei você! - Ele virou sua cabeça rapidamente em minha direção, arqueando uma sobrancelha e parecendo estar desconfiado. Não sei se eu tenho cara de policial ou coisa do tipo, mas tenho quase certeza que esse cara tava com maconha no bolso.
 - Então cara! Eu to meio perdido aqui, sou novo na cidade... Cê sabe aonde fica o Edíficio Australia?
 - Australia?
 - É! É isso mesmo! Pela descrição aqui, ele é acinzentado e tem umas faixas verdes... Cê tem ideia de onde fica isso? É empresarial!
 - Empresarial? - Nesse instante eu já estava perdendo a paciência.
 - Isso.
 - Australia?
 - É.
 - Empresarial? - Porra, esse filho da puta tá chapado ou o que?
 - Sim...
 - Olha chefe... Sei não. - Me enrolou a porra toda só pra dizer que não sabia. - Tem um logo alí na frente, talvez seja esse... Ele é cinza.
 - Obrigado! - Saí com passos largos e uma paciência minúscula na direção em que ele havia apontado. Apressei um pouco mais meus passos e o suor parecia estar triplicando, a paciência parecia estar se dividindo cada vez mais e o calor, quase que uma multiplicação de numeros infinitos elevada a milésima potência... Que porra de cidade quente.
 Depois de andar uns quarteirões, encontrei um prédio bege com faixas verdes. Edíficio Australia. E quem foi o filho da puta que me descreveu que essa porra é cinza? É daltônico, só pode.
 Entrei no prédio com uma certa pressa e fui logo em direção a secretária, que imediatamente me levou a sala do advogado Pereira. Esse tal de Pereira era amigo de um amigo meu que também já tinha problemas até piores que os meus e esse tal de Pereira o tirou das confusões, tornando-o um dos caras mais ricos do estado de Goias. Devo me arriscar?
 Quando a porta se abriu, me deparei com um gordo de terno, bem vestido com um charuto no canto da boca e um sorriso irritante. Uma cara de sínico, um bigode à Francesa e o cabelo bem cortado com pelo menos um quilo de gel pra manter aquela palha tão arrumada como estava. Usava um par de Berluttis originais e um daqueles ternos caros que você vê na televisão, geralmente na noite do Oscar ou coisa do tipo.
 - Ah olá! Eu sou o Doutor Pereira! Você deve ser o Amaral, amigo do Freitas, não é?
 - Sim, claro! Sou eu, muito prazer. - Estendi a mão para apertar aquela mão áspera, limpa e cheirando a brilha cobre.
 - Então Amaral... Sente-se aqui e conte-me sobre seu caso... O Freitas foi um cara muito sortudo em me encontrar, posso lhe afirmar que não há nada que nos impeça de ganhar isso... Controlo essa situação assim como controlo qualquer coisa ao meu redor! - E o filho da puta se achava...
 - Pois é... Eu preciso acabar com essas ocorrencias e...
 - Sabe Amaral, deixe-me te contar uma coisa... Tenho uma mansão na Califórnia e sou um cara muito feliz. Tenho sexo bom todos os dias, tenho filhos bonitos e saudáveis e uma filha que estuda Medicina em Harvard... Tudo o que eu tenho pode ser seu, se aceitar essa proposta. - Derrepente, ele já estava falando de outra coisa.
 - Desculpe? Achei que iria me ajudar com essa ocorrencia...
 - Ajudo... Te dou a vida que quiser... Se aceitar minha proposta.
 A proposta foi discutida. Eu não tinha o que perder. Teria um salário bom, uma vida boa, moraria no Morumbi e seria feliz. A única coisa que eu precisava fazer era...
 - OU VOCÊ DEVOLVE ESSA PORRA DE DINHEIRO OU EU EXPLODO ESSA SUA CABEÇA, SEU FILHO DA PUTA CALOTEIRO, CADÊ A GRANA DO PEREIRA, PORRA?
 - TÁ AQUI, POR FAVOR! - O saco foi arremessado aos meus pés, com a pistola ainda na mão e o saco na outra, conferi com os olhos o numero certo de montes e verifiquei se estava correto.
 - Muito bem... Tá vendo como é fácil negociar?
 - SIM, MAS DEIXE-ME IR, POR FAVOR!
 - Claro... É pelas portas do fundo...
 - Obrigado! - O homem ia se levantando, trêmulo e pálido, com um fraco sorriso no rosto, arrancando outro do meu.
 - Que você vai direto pro inferno, filho da puta. - Três estouros foram ouvidos e a cabeça do desgraçado só eram miolos, agora era só levar a grana de volta para o Pereira... Nunca pensei que matar gente por dinheiro pudesse ser mais divertido do que simplesmente matar e fugir. Que vida bela.

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Chico e poesias.

 Tô de olhos vendados. Ouço gritos vindo de umas duas ruas abaixo mas não sei ao certo de onde eles vem ou de quem são. Tenhos mãos atadas a minha cabeça e caminho com um peso nos pés, me torturando a cada passo e a cada pensamento diferente que insiste em me provar que eu deveria melhorar. Melhorar muito e até demais.
 O telefone toca, a voz no outro lado me chama de volta para a realidade. Uns ruídos de fundo e talvez algumas vozes distantes, barulho de copos, passos e um pouco de pânico. Ela me afoba com um leve gemido de seus lábios trêmulos que simplesmente perguntavam como eu estava. Um sentimento desconhecido se formava em meu estômago e borboletas saíam da minha boca com um pequeno e eufórico "estou bem" que me tomavam as palavras naquele instante. Suspiro atrás de outro suspiro. Não era assim que havia aprendi a lidar com esses tipos de sentimentos. Situações. O que fosse.
 A sensação de ter engolido estilhaços de vidro me toma a garganta e aquele gosto não tão amargo e nem tão doce de sangue me invade a língua tornando-me um pouco mais feroz, talvez medrosa também com leves suspiros e palpebras pesadas com pequenas flores diante dos olhos esverdeados. Ela me engana, me escreve e me apaga num rascunho tão frágil quanto o toque de seus dedos em minha pele seca e gelada. Me amassando os papéis e levando consigo as pequenas palavras de um poema que nunca se acabou. Decora as paredes com tintas azuis e um leve tom avermelhado, entra na minha vida porque quer e não sai de lá. Não porque não quer, é só porque não precisa se movimentar.
 Se eu soubesse bem, talvez não ouvisse Chico pra dar um gosto de poesia a minha vida.

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Diário de hotel

 Apesar do intenso desejo, eu não vou quebrar a minha promessa de ser sempre mais forte. Existem pequenos interesses que não podem ser submetidos a uma vida procurando por algo que nunca se encontrou. É como eu me sentia diante de toda a situação, eu sabia que queria mas não podia. Eu nunca pude e eu só não quero poder. Ter medo de deixar as coisas saírem do seu conforto estúpido para um mundo aonde quem manda são os fortes e os pequenos e fracos sofrem, calados, sem esperanças.
 Anotei os pensamentos em pequenos pedaços de papéis e decidi me levantar. Tava escuro, chovendo e a viagem no dia seguinte seria longa. Eu suspirei novamente quando pensei em contar até cinco para fugir daquela prisão que chamavam de quarto de hotel. Eu não sei quem sou, não sei aonde estou, só sei que não sei de nada além das chaves do meu suposto carro em cima da mesa e de um ar condicionado que cheirava a cigarro. Cigarro velho. Televisão barata. Cama ruim. Roupas rasgadas. Ela, eu e só.
 Só ter saudade de um tempo que nunca existiu e de um passado que nunca aconteceu.

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Reflexões de um jornal próprio.

 Hoje estava lendo um pequeno jornal. Um pequeno jornal não muito comum, um que eu mesma escrevi com coisas inúteis pra passar o tempo... Até porque eu gosto de algumas coisas inúteis. Li tanta inútilidade numa vida de quase dezenove anos que realmente me deixaram sem a fé de que um dia a sociedade deixe de ser tão alienada quanto já é, mas isso não importa, não agora.
 Decidi ler o horoscopo para ver o que de "interessante" o dia ou talvez a boa vontade da terra me guardava para hoje. Sou do signo de Touro, aquele signo irritante, ciúmento, possessivo e um tanto quanto timido. Regido por Vênus e essas coisas todas aí que todo mundo já tá cansado de saber. Vi que seria um dia propicio pra aquilo e coisa e tal, mas nada que me interessasse por completo e me deixasse intrigada. Sempre a mesma coisa, só que ordens diferentes. Se é pra deixar claro, que deixe escuro.
 Fico me perguntando então, que tipo de taurina sou eu? São amáveis, são isso e aquilo. Eu não me considero amável. Muito menos afável ou coisa do tipo. Onde ficam aqueles pequenos pedaços de quebra-cabeça que não se encaixam? Se fosse assim, eu deveria estar guardada na caixa e sem saber muito menos pra onde seguir, embora eu realmente não saiba mas não esteja guardada na caixa. Que caixa? Que maldita caixa eu vou me esconder agora?
 Engraçado que um estereótipo de qualquer pessoa sirva de exemplo para muitos. Todo mundo comete os mesmos erros mas porque não impedem uns aos outros de comete-los? Mesmo que aquela famosinha desculpinha clichê de "amadurecimento" seja usada, ninguém faz nada por ninguém, será que deveriam?
 Eu não falo nada com nada, escrevo pensamentos aleatórios em um mesmo texto e ainda tento me questionar se deveria ou não me importar com as coisas ao meu redor e eu digo que não. Sinceramente, não. Não tem porque. Eu que deveria saber disso melhor do ninguém. Poetas, escritores, jornalistas ou qualquer pessoa do tipo. Pra que entender?
 Tem tanta coisa que em uma vida inteira a gente passa sem entender. Porque horoscopo? Porque touro? Porque Libra ou Escorpião? Porque?
 Sei lá. Talvez eu realmente não devesse ler mais o horoscopo.

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Uma conversa entre amigos.

 O som do copo outra vez selou o ínicio de mais uma troca de olhares um tanto perturbadora. As pernas cruzadas, cheiro de um cigarro já extinto e um pouco do barulho da cidade pra nos acalmar as batidas. O vento soprando de fora pra dentro, com uma brisa gelada, nada comum em Cuiabá e pensamentos distantes que não podiam ser ouvidos por nenhum de nós.

 - Isso não importa mais.
 - Acho que importa sim... Como você pode achar que não importa sendo que não está feliz do jeito que é agora?
 - Não sei. Me perdi pelas ruas da vida já tem muito tempo. Me desencontrei comigo mesmo e agora esse vazio todo deve ser algo totalmente normal.
 - Você não pode ir embora de si mesmo... Quer dizer, talvez até possa, mas não acho que não há alguma razão.

 Outro silêncio. Ele realmente tentava desviar do assunto toda vez que tocavamos no mesmo. Ele me fez voltar a fumar e me fez abrir a cerveja mais gelada pra uma noite não tão gelada. Ele me fez ficar acordada tentando acreditar em vários motivos pra que a gente entenda isso tudo... É só uma hipótese, acho. Laire é cheio de hipóteses. Cheio de tanta coisa.

 - Acho que cê deveria ser menos sentimental.
 - Eu?!
 - É...
 - Eu sei lidar muito bem com isso.
 - Sei não.
 - Cê não sabe o que fala as vezes, Laura.
 - É uma hipótese?
 - Não. Uma afirmação.
 - Acho que cê ta blefando.
 - Se eu blefasse, ganharia! Aposto.
 - Sempre apostando, não?
 - Claro. É assim que funciona, não é?
 - Acho que sim...
 - Você acha que eu deveria me arrepender de ter me perdido?
 - Acho que não. Depende. Você gosta?
 - Gosto. Me faz feliz. Ficar perdido me faz feliz. Eu não tenho do que temer e acho que também não tenho muito a perder, sendo que o que eu tenho a perder, eu nunca coloquei em jogo.
 - Percas são normais. Fazem parte, acho. Quanto mais se perde, mais se ganha... Já ouviu falar algo do tipo?
 - É, já sim. Bem clichê, na realidade.
 - Devo concordar que sim. Tem gente que não entende. Tem gente se vendendo no jornal, dá pra entender?
 - Dá não. Se desse a sociedade talvez não fosse tão confusa.
 - E tão inútil, tenho que complementar.
 - Sim, isso é um real fato... Fazemos parte disso então podemos dizer.
 - É, creio que sim. Qual o preço de se entender tudo isso, hein?
 - Frustração pelo resto da vida?
 - É, eu não pago pra ver.
 - Nem eu.

 Outro silêncio. Era bem comum já, a gente se entendia sem se entender muito bem. Ele me entregou a cerveja e eu dei outro gole antes de abandonar a garrafa em cima da mesa de vidro novamente. Fechei os olhos e senti o cheiro, o barulho do isqueiro e o Laire acendia outro cigarro.

 - Quer um?
 - Pra quê?
 - Tem medo de morrer?
 - Tenho não.
 - Então fuma mais um. Faz uma hora aí. Faz um tempinho aí que logo o dia chega e a gente vai embora.

 Sorrisos trocados, cigarros acesos e uma noite inteira contemplando uma imensa escuridão coberta de nuvens alaranjadas pelas luzes da cidade. Meu suspiro, suspiro de Laire e um conto qualquer que poderia ter sido apenas uma hipótese... Não é, Laire?

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