Archive for maio 2013

Quatro e quarenta e cinco


O telefone toca. Exatamente às quatro e meia ou as quatro e quarenta e cinco, mas o telefone sempre toca. Minha mãe atende-o com um sorriso estampado na face, seus olhos brilham com expectativas, que são logo substituídas por uma leve dose de desapontamento. Ela diz algumas palavras, uma conversa casual e rápida de nem trinta segundos e em seguida, grita meu nome.

  
 Eu atendo o telefone. Sua voz me cumprimenta do outro lado da linha enquanto mordisco meu lábio esperando por algo. Nós conversamos, falamos bobagens, damos risadas e marcamos de sair. Nós nos despedimos após algumas horas e assuntos banais e voltamos para nossas realidades distorcidas. Você no seu mundinho, eu no meu, nada que não seja tão indiferente.
 O final de semana chega. Nos encontramos no local combinado. Um bar, do jeito que nós gostamos. Uma boa música popular brasileira, cerveja gelada, algumas pessoas espalhadas por mesas que nós nem sequer fazemos questão de entendê-las. Nos sentamos e rimos da vida, conversamos sobre tudo e nos embriagamos com o pouco álcool oferecido na noite inteira. Decidimos ir embora e você pede para que eu te deixe em casa. Eu não recuso e com um sorriso de canto, nem sei muito bem o que pensar.

 Chegamos no portão do seu condomínio. Você sorri enquanto o silêncio nos toma os espaços vazios. Eu digo algo, você dá risada, nos beijamos e fingimos que é assim. Prometemos outras coisas, não entendemos nada, apenas sentimentos, coisas que nem nós mesmas conhecíamos e nem procurávamos saber. Nós que somos um tudo e um nada. Nós que realmente nos amávamos ou coisa parecida.

 Hoje em dia, o telefone já não toca mais. O telefone toca as quatro e quarenta e cinco, minha mãe o atende com a mesma expectativa e sorri radiante ao ouvir a voz do outro lado da linha. Não é mais para mim. Não é mais você e não existem mais conversas casuais de quem precisa falar com outro alguém. Eu não escuto mais você.

 A sua voz nem me cumprimenta mais. Ela parece fugir dos meus tímpanos e correr para algum lugar aonde possa ser extremamente silenciosa e eu não possa precisar correr para encontra-la. Ela é só uma voz, ou talvez fosse apenas isso. Um ruído da minha cabeça, uma volta e meia, você e você, sei lá.

 O final de semana ainda chega. Demora muito, mas acaba por chegar. Eu não te encontro mais. O nosso bar favorito fechou, a minha comida predileta já perdeu a graça, aquela cerveja gelada agora esquentou, o clima e o desinteresse pelos outros também se desfez. As risadas eu nem ouço mais, você me pedindo carona nem existe mais. Sua comida predileta saiu do cardápio e ainda sim, perguntam por você. Pela sua cerveja e pela carona.

 O portão do seu condomínio agora tem uma cor bem diferente. Trocaram o porteiro, ele nem sequer sorri quando se trata de receber alguém por ali. O banco do passageiro está vazio, o vazio se tornou imenso e nem um beijo pôde nos selar a madrugada para continuarmos nossas vidas depois. As conversas sumiram, as promessas foram desfeitas, as vontades mudaram, os planos foram rasgados, as viagens acabaram por nunca existir. Nós que agora entendemos tudo, nós que agora sabemos de tudo, nós que agora fazemos questão de existir e quem sabe se entrelaçar nos espaços vazios das mãos dos outros.

 Eu que parti, o cigarro que apagou a chuva, você que mudou, o uísque que nos queimou a saudade.

 E eu... Que até pensei em conseguir, amei você.

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Floresta de espelhos

 Parando para pensar em tudo o que já poderia ter acontecido, encontro-me em um momento muito indelicado de minha estranha existência. Encontro-me querendo descobrir a verdadeira razão da tremenda fraqueza e estupidez do próprio ser humano. Encontro-me perdida em meus devaneios, com meus litros amargos de uísque barato, cigarros de terceira, e uma voz rouca depois de se cortar as pequenas defesas existentes em meu organismo pálido. Um gole para afagar os meus cabelos, outro gole para a inexistência das suas palavras sinceras.

 Tenho cabelos mal cortados. Uma cara pálida, bochechas levemente rosadas por conta do álcool que transborda pelos poros da minha pele tão seca. Tenho três mentiras, um terço da verdade, cinco copos de ilusão, duas doses de realidade, e pelo menos umas cinquenta doses de dor. Dor intensa. Dor interna. Dor externa. Dor de você. De mim. De tudo o que nós enxergamos durante um dia de sol e chuva na cidade mais quente da América do Sul.
 Temo que estejamos embriagados com nossas mentiras. Temo que você já esteja translúcida o suficiente para que eu possa tomar, de uma vez por todas, todo o veneno encontrado nas suas veias tão estreitas. Temo que a estrada não nos leve aonde pretendemos ir. Temo que o carro quebre, você me abandone, o mundo gire, eu permaneça só em uma floresta escura de pesadelos, temendo a luz do dia, os olhos avermelhados que insistem em triturar os meus ossos tão mal cuidados, os meus dedos sujos, cobertos por tudo aquilo que um dia você deixou, e depois pegou de volta, partiu. Nunca mais voltou.
 Acho que seja relativo. Ninguém se ajuda no mundo selvagem em que nós vivemos. Histórias são pequenos contos em cadernos mofados no fundo do armário daquele que já pôde sorrir como uma criança. Contos de fadas são máscaras para a tristeza eterna que um vazio leva para se entreter. Você me vê assim. Como um conto de fadas para acrescentar palavras em seu diário, dias em seu calendário, momentos em seus olhos, tristezas em seus poros. Para quê? Nós precisamos disso?
 Caminhar sozinho é simples. Não preciso de aura. Não preciso de nada, de alma, espirito ou qualquer coisa que insistam em me enfiar apenas para me venderem aos jornais. Preciso de palavras, álcool, chuva nos domingos de manhã, umas doses de qualquer coisa, uma caneta, um boteco, poesia de boteco, violão com uma corda a menos e um coração inexistente.
 Temo que saiba que talvez, eu não seja o que você tanto queira. Temo que saiba que sim, eu ando sozinho.

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Para minha pequena sorrir

 Hoje talvez, o dia não tenha sido tão bom. Hoje talvez, você prefira dormir em silêncio ao ouvir pequenas frases feitas e clichês de uma canção para se suspirar. Hoje talvez, você não precise somente de um abraço, mas sim de um cafuné regado a muito café e poesias bobas para lhe arrancarem um pequeno suspiro. Talvez você não precise de nada, apenas do silêncio da madrugada. Talvez você queira assim.

 Hoje, meu amor, eu vou lhe escrever um conto para que você possa sorrir. Hoje não vou narrar uma história dos acontecimentos bestas da vida, com cigarros em excesso, álcool para aliviar as dores sentimentais... Nada disso faz parte. Hoje eu quero falar sobre você. Hoje eu quero imaginar algo com você. Sem precisar acordar cedo, e rabiscar o espelho do banheiro com batom apenas para lhe desejar um bom dia. Sem precisar abrir a porta, para não olhar para trás e desejar por mais cinco segundos, ter ficado de cama contigo durante o dia inteiro. Sem precisar de nada que a gente já não tenha.
 Hoje eu vou te comprar um café bem quente. Te levar pra comer um croissant e talvez oferecer-te um belo passeio regado a Edith Piaf, já que a mesma não consegue deixar os meus ouvidos por um segundo sequer, mas não estamos em Paris. Não estamos aqui para contempla-la. Estamos aqui para inventarmos as nossas canções, darmos risadas com as rimas mal feitas, ritmos mal colocados, notas básicas, batida monótona, um amor ou dois em um capuccino qualquer. Sua cabeça em meu ombro, seus dedos encaixados perfeitamente entre os espaços vazios de minhas mãos enrugadas, seu sorriso mais ou menos, seu olhar tristonho e profundo. Não temos muito, certo? Mas podemos ter o suficiente.
 Hoje eu vou te levar para dar uma volta. Vou te segurar bem firme pra você cair em meus braços, de olhos bem fechados e lábios entreabertos, como se fosse proferir palavras que logo serão desfeitas pela ventania forte que faz aqui fora. Você vai me abraçar novamente, em nada vamos pensar, apenas fecharemos a janela, e deixaremos com que a noite caia sem nem ao menos vê-la. Podemos ficar assim, se você quiser.
 Hoje eu vou te chamar de Vênus. Vou fazer as minhas comparações bobas só pra ver sorrir, vou me sentir orgulhosa por isso. Vou encher o quarto de piadas, escrever seu nome nas paredes esverdeadas de cada cômodo desse lugar e nós vamos rir. Vamos ouvir um disco do Chico Buarque, recitar poesias, cantarolar canções, esquecer do mundo. De tudo. De nada.
 Hoje eu quero te fazer sorrir. Hoje eu quero você bem. Dias ruins sempre farão parte das vidas vazias de cada um que insiste em caminhar pelos portos adiantes, mas não importa quantas lágrimas você queira derramar, vou limpa-las, vou sorrir e jamais vou deixar você cair.
 Sim, isso é uma promessa.

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Três pulos

 Que seja por tudo ou por nada.

 Por mais uma hora, por mais um pouco.
 Por outro segundo, por outro corpo.
 Que seja por você e não por mim.
 Por um momento qualquer, uma fotografia de ti.
 Por outro suspiro sequer, me perdendo de você.
 Como se não fosse o amor, como se não existisse a dor que insiste em bater na porta de casa às sete da manhã em ponto. Todos os dias.
 Como se não houvessem mentiras e tudo aquilo que você dissesse fosse verdade. Como se fosse nos salvar de desmoronar mais uma vez, outra queda normal, outro fim desastroso. Minha raiva transbordando em uma garrafa de cerveja, seus olhos me sufocando, suas mentiras nos matando.
 Meus olhos, cansados e escuros, que enxergavam em você uma outra forma de se crescer. Teus sorrisos fingidos, teus momentos melancólicos e dois corações partidos em uma palavra só. Ninguém precisava disso.
 Que desastre... Quem somos nós e aonde viemos parar? Agora parece ser tão difícil de acreditar que um dia, diante de meus olhos, você já fora um herói que me protegia a todo custo.
 Agora... Não passa de um velho soldado. Atirado na poltrona velha e mofada, assistindo futebol e nos sustentando com mentiras e infelicidades. Ninguém pediu pra ser infeliz. Ninguém pediu pra você desistir.
 As vezes... Eu só queria que você realmente tivesse tentado... Mas você não quis mudar.
 Não existe amor... Ele deixou de existir há muito tempo... De você, de mim e de quem for.

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Engrenagens e essências

 As vezes, quando a saudade é tão forte que não se pode nem ao menos guarda-la em um pequeno pote de requeijão, eu paro para pensar em como poderia projetar uma maneira bem simples e fácil de te ter sempre por perto.

 Eu faço cálculos. Eu escrevo coisas, faço desenhos, rascunhos e rasuras de uma invenção qualquer que poderia me fazer quebrar os relógios de toda a casa e simplesmente me deitar contigo no passar das horas... No movimento dos segundos, nas transições dos minutos e no mudar das pequenas luzes que começam a se acender do lado de fora da minha janela pálida. Eu vejo segundos, vejo décimos de segundos, vejo você e não encontro soluções.
 Poderia ser simples. Como uma roda gigante que continua sempre buscando o seu destino. Destino inalcançável, que parece escorrer por entre seus dedos metálicos que escondem uma ferrugem de alguns anos atrás. Poderia ser como grandes engrenagens que giram e não precisam de apoio para se movimentar lentamente e dar vida a mais uma de suas loucuras... Dar vida a um objeto inanimado e totalmente calculado por pessoas como eu, que erram todos os números, que não encontram acertos.
 Eu, poderia inventar para você, flores de engrenagens. Porque elas enferrujam e depois são trocadas. Porque elas não morrem, não se perdem e não possuem beleza. Eu poderia ser assim, composta de engrenagens velhas e calculadas, você poderia sorrir, poderia aceitar e se apaixonar pelos meus movimentos tão contínuos e calculistas. Eu poderia ser assim.
 No entanto, eu lhe entrego flores, um abraço, uma pele, uma noite quente e todo aquele sentimento que as engrenagens não conseguem definir. Eu entrego a você aquilo que está subjetivo diante de todos os meus ossos. Uma essência com gosto de limão que procura a sua essência com gosto de maçã.
 Eu, que quero tanto e não tenho nada, que só quero você. Eu, que quero inventar, formas pra te ter. Eu que quero você.
 Nós. Nós que inventamos nosso amor. Nós que não somos engrenagens e sim, pura essência.

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Liras de um velho amor

Eu, meu bem, queria acordar todas as manhãs ao seu lado ; Contemplar-te, cada segundo essencial ; Te dizer o quanto és especial ; O quanto lhe quero, o quanto estou perdido ; Me iludo em mares de palavras ; Procuro saídas para encontrar-te  ; Que tão facilmente, me descarte ; Do seu baralho de labirintos, armadas! ; Apenas um pseudo poeta a querer ; Imaginando e sonhando com teu desejo ; Então, se põe a escrever ; Cartas e cartas de amor, esperando seu beijo ; Eu, como ninguém, não tão bem ; Choro nas madrugadas ; Quando me lembro também ; De que pra ti, serei como um nada ; E que me amas, que me iludes! Que me mates de rancor ; Para que eu não lhe veneres ; Um amor como um ardor ; Escrevo poesia ; Para lhe entregar ; Liras e liras de um bem amar ; Para guardares um dia ; Meu coração, retalhado ; De linhas baratas ; Curtas e rasgadas ; Pequenas memórias, machucado ; Ela, que vive outros amores ; De mim se esquece ; Em breve, desaparece ; E eu só vivo entre minhas dores ; Queria lhe roubar flores! Lhe trazer o mais precioso ; Como todo seu mundo misterioso ; Vivido em milhares de amores ; Se um dia, voltares ; Por favor, me diga se voltares ; Que te espero, te espero! Que te quero, só te quero! Então que guarde consigo ; Tudo o que lhe digo ; Pois como ninguém ; Te quero mais que bem.

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