O telefone toca. Exatamente às quatro e meia ou as
quatro e quarenta e cinco, mas o telefone sempre toca. Minha mãe atende-o com
um sorriso estampado na face, seus olhos brilham com expectativas, que são logo
substituídas por uma leve dose de desapontamento. Ela diz algumas palavras, uma
conversa casual e rápida de nem trinta segundos e em seguida, grita meu nome.
Eu atendo o telefone. Sua voz me cumprimenta do outro lado da linha enquanto mordisco meu lábio esperando por algo. Nós conversamos, falamos bobagens, damos risadas e marcamos de sair. Nós nos despedimos após algumas horas e assuntos banais e voltamos para nossas realidades distorcidas. Você no seu mundinho, eu no meu, nada que não seja tão indiferente.
Chegamos no portão do seu condomínio. Você sorri enquanto o silêncio nos toma os espaços vazios. Eu digo algo, você dá risada, nos beijamos e fingimos que é assim. Prometemos outras coisas, não entendemos nada, apenas sentimentos, coisas que nem nós mesmas conhecíamos e nem procurávamos saber. Nós que somos um tudo e um nada. Nós que realmente nos amávamos ou coisa parecida.
Hoje em dia, o telefone já não toca mais. O telefone toca as quatro e quarenta e cinco, minha mãe o atende com a mesma expectativa e sorri radiante ao ouvir a voz do outro lado da linha. Não é mais para mim. Não é mais você e não existem mais conversas casuais de quem precisa falar com outro alguém. Eu não escuto mais você.
A sua voz nem me cumprimenta mais. Ela parece fugir dos meus tímpanos e correr para algum lugar aonde possa ser extremamente silenciosa e eu não possa precisar correr para encontra-la. Ela é só uma voz, ou talvez fosse apenas isso. Um ruído da minha cabeça, uma volta e meia, você e você, sei lá.
O final de semana ainda chega. Demora muito, mas acaba por chegar. Eu não te encontro mais. O nosso bar favorito fechou, a minha comida predileta já perdeu a graça, aquela cerveja gelada agora esquentou, o clima e o desinteresse pelos outros também se desfez. As risadas eu nem ouço mais, você me pedindo carona nem existe mais. Sua comida predileta saiu do cardápio e ainda sim, perguntam por você. Pela sua cerveja e pela carona.
O portão do seu condomínio agora tem uma cor bem diferente. Trocaram o porteiro, ele nem sequer sorri quando se trata de receber alguém por ali. O banco do passageiro está vazio, o vazio se tornou imenso e nem um beijo pôde nos selar a madrugada para continuarmos nossas vidas depois. As conversas sumiram, as promessas foram desfeitas, as vontades mudaram, os planos foram rasgados, as viagens acabaram por nunca existir. Nós que agora entendemos tudo, nós que agora sabemos de tudo, nós que agora fazemos questão de existir e quem sabe se entrelaçar nos espaços vazios das mãos dos outros.
Eu que parti, o cigarro que apagou a chuva, você que mudou, o uísque que nos queimou a saudade.
E eu... Que até pensei em conseguir, amei você.