De vez em quando, nas minhas noites em Santos, eu gostava de ir pra janela do apartamento e acender um cigarro. Aproveitar que uma vez ou outra, eu saía daquela minha vida urbana e conseguia um pouco de paz observando o mar que parecia ser tão infinito naquele instante. Os navios lá longe, esperando pelo sinal para entrar no porto, suas luzes me guiavam os olhos enquanto que a areia estava completamente nua e iluminada, diferentemente de meu apartamento que estava todo escuro.
Gostava de fazê-lo sozinha. Fumava um, fumava dois, fumava vários, mas digamos que nesse dia, eu não estava completamente só. Todos já haviam adormecido e lá estava eu, com o famoso cigarrinho vermelho entre os dedos. Suspirando, pensando, tragando e com uma vontade tremenda de por meus pés descalços naquela areia que parecia um tanto limpa naquela madrugada.
- Tá acordada ainda? - Ouvi uma voz bem familiar, mas não me dei o trabalho de me virar para ver quem se aproximava.
- É. Tô meio que sem sono.
- Vamos dar um rolê na praia então?
- Pode ser. Vamos sim.
Apaguei o cigarro no cinzeiro e logo coloquei os meus calçados. Fomos até a praia calmamente, sem dizer nada, apenas calados enquanto observavamos o quão vazia estava aquela avenida naquele instante. O cheiro do mar nos acalmava e aquela brisa gelada bagunçava um pouco de meus cabelos um tanto despenteados e por isso, dei de ombros.
Nos sentamos alí, não muito longe do mar mas também não muito longe do calçadão e como de costume, acendi mais um cigarro.
- Aceita um?
- Dessa vez vou aceitar.
Dei-lhe um cigarro e acendi o mesmo, enquanto tragavamos e pensavamos em coisas distintas... Ou não.
- Sabe... É sempre uma boa vir aqui de madrugada, não acha?
- Sim. Me transmite uma sensação muito boa.
- É, a mim também.
- Engraçado... Até as idéias, sabe?
- Entendo. Pensa demais, não?
- É, em todas as coisas, todos os tipos de coisas. Não sei ao certo.
- Se estiver pensando no mesmo que eu...
- Depende. O que é?
- Em como as pessoas lhe abandonam.
Quando disse isso, ouvi com atenção e realmente, era algo a se pensar.
- Em que sentido?
- Em todos. Muitas vezes você é um louco apaixonado por alguém ou simplesmente está apoiando alguém e no instante em que você se descuida, plaft! Você caiu de um abismo. Todo mundo te empurra.
- É verdade. Ninguém está lá pra você. Ninguém sobe em lugar nenhum por você.
- É, mais ou menos isso. Não importa o quê. Mesmo que você tenha milhares de amigos, sempre haverá algum que vai te deixar cair. Ninguém é forte o suficiente para segurar o outro, afinal, nascemos sozinhos e não para ficarmos juntos o resto da vida, se é que me entende.
- Não, não! Eu concordo.
- A sensação de ficar sozinho a vida inteira é um pouco estranha, ao ver de alguns, mas ao meu ver, é interessante, pois chega uma hora que todos passam a ir embora e no final das contas, não há mais nada a se dizer, a se fazer a não ser abrir a porta e ir embora também, pegar um táxi e o primeiro avião que você achar. Pra algum lugar. Ou se preferir pode ir de trem, carro, qualquer coisa... Mas é algo natural da vida. Colocar as malas no porta-malas e seguir em frente, entende? As fotos ficam pra depois.
- Mas... Porque está dizendo isso assim?
- É que quando você é abandonado várias e várias vezes, você acaba aprendendo que mudar é um ciclo natural. Nada é pra sempre, ninguém dura pra sempre, sentimentos não são pra sempre. Nada dura mais do que um determinado tempo e ainda assim, as coisas tomam um rumo diferente. Não adianta, as pessoas acabam se desencontrando, pois nenhuma vida fora feita para se enganchar na outra e com isso, viver assim. As pessoas tentam fazer isso, mas não é bem assim que funciona, elas tentam fazer isso funcionar, entende?
- É, realmente. Correntes, não?
- Enferrujadas. Prontas pra quebrar a qualquer instante. Tudo é muito frágil visto assim.
- É, eu concordo. - Dei um longo trago enquanto assimilava suas idéias.
- As vezes eu queria entender como as coisas funcionam do outro lado...
- Como assim?
- Aquela velha história de remar e ser deixado levar pelas marés.
- O que tem?
- Faz sentido, não? Você nunca sabe onde vai parar, em que porto vai procurar abrigo... Nunca sabe quando uma tempestade vai chegar, quando um dia ensolarado vai brilhar, você nunca sabe das coisas que podem acabar acontecendo. Você só vive, só respira, só controla a vela do seu barco para que ela não rasgue, mas caso isso aconteça, você rema.
- E se não tiver remos e a vela rasgar?
- Aí você se deixa levar. Com certeza a algum lugar você vai chegar.
- Sabe exatamente aonde?
- Ninguém nunca sabe.
- E se não for a algum lugar bom?
- De volta ao mar! O bom de se viver é isso, você pode ter escolhas, na verdade, você pode tentar. Não importa em quantos portos você pare, você sempre chegará a algum lugar, seja ele bom ou ruim.
- Mas e os amores? Desamores?
- Faz parte. São cicatrizes de lutas, sobrevivencia, sorrisos e lágrimas. É a saudade de casa.
- Então quem navega não tem casa?
- Tem sim! A imensidão do mar. Olha só aqueles navios lá longe... Provavelmente alí haverão alguns loucos para voltar para casa mas com certeza alí existem vários deles que sabem que o oceano é a sua casa. As ondas, a maré, a brisa, tudo. Principalmente os portos, aonde estão seus amores.
- E pra que tantos rodeios?
- Porque quando se trata de paixões, não existem paixões entregues e as conquistadas, são as que mais valem a pena.
- Acha mesmo?
- Acho. Um esforço em um projeto incompleto vale bem mais do que um projeto pronto. Você imagina seus amores?
- Não, não faço nem idéia.
- Então olhe melhor ao seu redor, não precisa encontrar, mas se você acreditar, ha de surgir.
- E quem não acredita?
- Faz como eu. Rema, veleja que tem onda. Hoje o mar tá bom, o dia ta ensolarado e se amanhã chover, temos a certeza de que o dia vai voltar a brilhar.
Sorri com sua última frase e me calei. Tinha razão e não precisei de mais nada, apenas terminar aquele cigarro e me deitar na areia enquanto via sua sombra se afastar de mim. Acho que era a hora. Apaguei o cigarro e fechei meus olhos. Era hora de dormir.
Velas e caravelas em Santos.
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