Archive for outubro 2013

Um dicionário

- Sentir dor deveria ser proibido. - Disse.
 Hesitei. Pensei comigo mesma "Como sentir dor deveria ser proibido? Como os poetas viveriam? Como as coisas funcionariam?".
 - Por que sentir dor deveria ser proibido?
 - Nascemos para a felicidade. Nunca ouvi dizer que nascemos para a desgraça, apenas para sermos felizes.
 - Quem disse isso? Isso não é uma lei.
 - Claro que é! Chico disse isso por si próprio.
 - No mundo dele, uma lei somente dele, isso não se aplica ao mundo real.
 - Quem gosta de sentir dor? Por acaso você é algum tipo de masoquista?
 - Eu não sei. Poetas sentem dor. Muita dor.
 - Muita dor? Você quer levar vida de poeta?
 - Sem dor não haveria literatura.
 - Sem dor não haveria choro, isso é bom. Não gosto de me remeter ao fracasso.
 - Nem sempre sentir dor é fracassar...
 - Você é maluca. Quem é que gosta de sentir dor?
 Outro trago no cigarro amarelado, um olhar profundo que explicava o vazio enorme que me consumia naquele instante. Suspirei, tentando encontrar uma solução, tentando afastar pensamentos, querendo descordar em concordar com essa coisa toda de dores-inúteis, acreditar que isso finalmente colocaria um fim a tanta coisa que se passa em minha mente.
 - Sentir dor é tão normal, eu acho... Se não houvesse dor, não haveria felicidade... Qual a graça de desconhecer um sentimento ruim que pode ser substituído por aquilo que o homem tanto procura?
 - Pra ser feliz precisa sentir dor?
 - Sim. Se não, não seria felicidade. O que seria?
 - Eu não sei. Algo vazio?
 - O que você sente todos os dias se excluir a dor. Você ri, mas é inútil rir quando em um momento você nunca soube o que era chorar.
 - Então talvez faça parte.
 - Faz sim.
 - Já foi feliz?
 - Já sim. Também fui triste. Na maior parte do tempo, me sinto vazia, mas há sempre algo que faz com que eu me contente com o que eu tenho.
 - E o que é?
 - No meu dicionário, eles chamam de Bárbara, não sei como se chama no seu.
 - E depois?
 - Depois dizem que o sofrimento é proporcional a felicidade vivida, mas isso é coisa clichê do Federico Moccia.
 - Não sei... Parece confuso.
 - Confuso é encontrar alguém que coloca seu mundo todo de cabeça para baixo e, no instante em que você sente que isso tudo pode desmoronar, é como se não precisasse de princípios.
 - Como assim?
 - Perder algo que você ama... Chegar perto disso... Não existe dor que se compare a tantas lágrimas derrubadas por tanto tempo.
 - E acha que isso vale a pena?
 - Claro, no final das contas, talvez exista algo que possa fazer voltar... E se voltar, acho que é melhor ainda.
 - Porque?
 - Pois nem lágrimas explicariam a alegria de ter todo o seu ar de volta num momento de sufoco. É como se afogar num mar raivoso, com chuva e trovões, encontrar uma ilha, esperar a chuva passar... O sol volta, tudo fica bem.
 - E ela?
 - Eu espero, oras. Se o sol raiou, há esperanças de que ela possa voltar.
E ele sorriu. Talvez tenha entendido como me sinto diante de tantas coisas nesse mundo. Um sufoco que mata a alma, palavras que entopem suas veias, lembranças que vagam pela cabeça. A esperança que no fim, nunca acaba.

Leave a comment

Ácido

 Sinto meu corpo boiar em uma banheira cheia de ácido.

 Ácido do pior tipo, corroendo a minha pele até chegar aos meus ossos. Ácido que faz com que meus olhos ardam, que tanta dor escondida se torne irreal, que as magoas descritas não existam.
 Ácido que faz trabalho de matar quando não se pode. Ácido de cor azul.
 Ácido que corrói cada página de meu caderno, destruindo todas as palavras que escrevi justamente para que ela possa entender o quanto me importo. O quanto sinto. O quanto suas dores fazem parte de cada mínimo pedaço meu, que se torna inexistente no momento em que ela toca a ponta de seus dedos em minha pele.
 O que sou? Um frágil ser humano? Banhado por ácido, sangue, lágrimas e tristeza? Melancolia?
 Poeta de boteco, de rimas fracas, erros grotescos de língua portuguesa, típico romântico não assumido que vive de viver, fazendo as coisas de forma contrária. Mero poeta sem coragem de trovar.
 Tenho em minhas mãos, além de ácido, um pouco de seu cheiro, e em minha mente, revejo cada cena como se fosse um filme em branco e preto, aonde eu pudesse dar pause a qualquer momento, esperar, suspirar, não chorar e não respirar com meus pulmões inchados. Sou parte de um experimento fracassado, aonde a minha verdade era estar só, em busca de nada, ao encontro da vida, sabe-se lá do que exatamente, totalmente perdido em tanta confusão, tantos semáforos, tantos carros, coisas impossíveis.
 Você, de mãos abertas, braços longos, sorrisos curtos, trouxe de volta todo aquele blá blá blá desprezado por mim. Voltou a andar em minha vida como se não houvessem ressentimentos, o passado estava no passado, agora eu vivo de dias atrás. Vivo de coisas que me acomodam a alma, me fazem dormir, tirar um cochilo em meia lua somente para poder dedilhar no meu violão ao amanhecer.
 Não sei o que sou, o que espero, sinto dor. Dor de te ver partir, dor de correr contra o tempo para fazer algo, lhe trazer de volta, dor de antecipar uma rejeição que já me aconteceu antes, dor de não tocar as suas mãos, dor de não te ter presente em meu destino.
 Ácido, me corroa. Tire essa dor, traga aquela menina de cabelos a la Caetano novamente para remar comigo, me diga que sou errante, errônea, perdida, péssima de rimas, mas faça com que ela volte...
 Infelizmente, o ácido só me corrói até que nada mais exista.
 Há ainda de se dizer que existiu muito, mas aonde existe muito, se é substituído por tanta dor?

Leave a comment