Era assim, vagava pela cidade sem rumo de madrugada. Tomava uma cerveja, pagava a conta, ia embora e sempre estava com um olhar bem distante. Já havia deixado a mania de procurar botecos para ouvir os homens e suas histórias, afinal, estava tentando não contar a sua também.
Andava e não se importava com mais nada. Não encontrava sentido nas pequenas coisas que antes pareciam ser ótimas e que lhe arrancavam um sorriso do rosto, sorriso sincero que há muito tempo já não era o mesmo do espelho de manhã, que também já não era mais o mesmo depois de ouvir uma boa piada ou coisa parecida, mas ninguém sabia para onde tinha ido esse sorriso, pois as cortinas estavam fechadas para o espetaculo. Espetaculo sem público, sem final, sem sentido. Sem enredo.
Trabalhava todos os dias e já não pensava mais no amanhã. Era meio que automatico e as falas, muitas vezes, nunca eram pensadas. Nunca foram escritas e seus olhos seguiam concentrados em algo que não lhe parecia familiar, mas que era, até por demais. Era a única coisa que sabia fazer bem e no entanto, já não se importava mais. Assim como deixou de amar alguns amores, deixou de amar o que melhor fazia e vivia sem saber aonde chegar.
Subia no palco algumas noites, tocava algumas notas, cantava e não ouvia ninguém. Se ouvisse sua própria voz, já seria interessante, mas o teatro estava vazio e não parecia emitir som algum. Era como se não houvesse música, era como se não houvesse nada. Era como se fosse um eterno vacuo, sem resposta, sem eco e sem porta de entrada, mas já era costume de sua rotina viver disso. Já não se importava mais. Seus olhos acompanhavam aquela imensidão e não chegavam a lugar nenhum.
Deitava no sofá da sala, lia jornal, bocejava e tomava café nos domingos pela manhã. Passava os olhos pelas pequenas letras como quem lia com interesse, embora tudo alí não fizesse o menor sentido. Olhava pros lados e todos os atores do espetaculo, haviam ido embora. Os oculos sujos, as roupas jogadas, as fantasias que um dia já foram coloridas até demais e aquela vontade imensa de abrir a cortina para que tudo se inicie outra vez, mas sem a música macabra e talvez com um público que ame tanto essa peça quanto o próprio artista.
Colocou sua máscara e amou, mais uma vez, todas as palavras e todos os passos a serem seguidos naquele pedaço de papel amarelo e rasgado. Os olhos brilharam ao fundo e em três segundos, já possuía uma garrafa cheia em sua mão esquerda enquanto que observava as cortinas vermelhas que lhe atrapalhavam a visão. Chutou-as, sentiu ódio, sentiu tanta coisa mas que se acabaram no momento em que retirou a máscara e tudo o que lhe estava a frente, desapareceu novamente.
Eu não sei muito bem o que era ou do que se tratava, mas no final das contas, esse tempo todo, esse ator era eu.
Espetáculo.
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no TwitterCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest