Archive for outubro 2012

Tóquio.

 O barulho do vento batendo na janela, acompanhado com os últimos gritos do trabalhadores que retiravam algumas coisas das ruas.
 Falavam algumas palavras tão rápidas que dificultava um pouco mais a minha compreensão, já que sentia a diferença de estar presente em um local aonde o meu idioma natal nem sequer era citado pelos nativos daquele país. Engoli seco, colocando de lado a papelada, misturando-na com o resto da bagunça que estava alí por aquele quarto tão estranho, com paredes diferentes das quais eu costumava acordar e observar nas manhãs de segunda- feira.
 Levantei-me calmamente e com curtos passos, caminhei até a grande janela. Os gritos daqueles trabalhadores já haviam se silênciado junto com aquela noite tão estranha para mim e tudo o que restava lá fora, eram os ventos. Ventos com perfumes diferentes dos quais eu estava acostumada a sentir.
 Um barulho suave acompanhava o ritmo desses ventos, meus olhos se deslocaram até o possível esconderijo dessa "canção oriental" e para a minha surpresa, um pequeno penduricalho, o qual eu não sabia nem o nome, balançava, agitado com as ondas de vento que lhe agrediam o descanso e como num piscar de olhos, mudava suas direções, respostas e intenções, como quem talvez, soubesse bem mais do que eu.
 Então, algumas luzes coloridas que de longe passaram a chamar a minha atenção, sinalizavam uma torre muito alta, imponente, como se fosse um rei que tivesse os olhos em toda a cidade e pudesse desvendar cada movimento de cada um de seus servos que passavam por alí ou que jantavam em suas casas, com sua família ou aqueles que assim como eu, estavam sozinhos e sabiam que talvez não estariam juntos de alguém por um bom tempo.
 Suspirei e hesitei, enquanto me lembrava de que aquela torre, me lembrava as luzes de São Paulo. Me lembravam a paísagem que eu havia visto ontem a noite, na maior cidade do meu país e que me traziam recordações estranhas, descritas em minhas memórias e em cada folha de meu caderninho vermelho, que me acompanha desde sempre, em cada aventura minha.
 Eu estava cansada. Muito cansada. Mas não conseguia desprender os olhos daquele brilho avermelhado que vinha de longe. Haviam sido mais de vinte e quatro horas de voo e cá estava eu, pensando em tudo que poderia ter sido mas nunca fora, talvez até mesmo criando algumas hipóteses para uma nova vida em Tóquio, que me arrancava um sorriso confuso.
 Seja Tóquio ou seja o Japão, eu sei que havia muito mais, por isso me deitei no chão de meu quarto e com as luzes apagadas, adormeci profundamente numa dança de silhuetas que eu desconhecia e nem sabia se poderia acordar amanhã ou continuar assim... Como quem não precisa de outro dia.

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Maquetes.

 Se tudo fosse como a gente planeja uma maquete, a cidade poderia ser mais leve e não haveria poeiras. Nem carros. Nem bicicletas. Nem pessoas.
 Os prédios seriam caixas velhas, cobertas por papéis que dão a pseudo impressão de uma nova paisagem ou de um novo aspecto, talvez mais bonito, talvez mais antigo, mas tiraria toda uma essência que antes, protegia o seu perfume.
 O seu perfume que pode ser de marca. O mais caro do mercado, o mais cheiroso de todos, o mais marcante e aquele que todos elogiam quando você passa por perto. Você pode estar com o maior sorriso estampado na cara, mas já parou pra pensar se esse sorriso vale mesmo a pena? Se todas as gotas desse perfume sedutor fazem você sorrir mais ou menos? Estranho pensar sobre.
 É diferente quando não se tem muita coisa, quando se tem apenas uns olhos que querem ser sinceros e mãos atadas pela incapacidade de agradar a todos ou até mesmo, agradar a alguém que lhe pareça ser algo a mais. O sentimento de rancor, a solidão e a capacidade de desenvolver um raciocínio para encantar e conquistar as pessoas, já que não há muito o que se possa fazer caso queira se relacionar socialmente.
 Não sei agradar. Juro que não. Não sei muito bem o que dizer na hora certa e nem o que pensar na hora errada, mas com certeza sei que, meu bem, nós nunca existimos.
 E nunca vamos existir, de fato.
 Coexistir é fácil, errar também, amar não.
 E não há vinho que me faça mudar de ideia.

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Meu eu, só meu.

 Meu eu.

 Meu pequeno e inútil eu sentado nas pedras que já estiveram dentro de um rio.
 Meu tão estranho eu. Indiferente. Submerso eu, sufocado eu, cego eu, tanto eu que não me restou outras palavras a não ser eu-inútil, eu-perdido, eu-sozinho. Eternamente eu-sozinho.
 Meu eu tentava ler mais uma vez ao pequeno príncipe, mas o meu eu não sabia enxergar mais nada além de vastas luzes que se afastavam cada vez mais e quase que em um universo paralelo ao meu, eu não via mais nada além de uma noite escura sem estrelas, com cheiro de chuva, com cheiro de destino e uma brisa quase que irrelevante.
 Me questionava.
 - Meu eu, o que eu faço agora? - Mas o meu eu nunca me respondeu nada.
 - Meu eu, pra onde eu vou agora?
 - Meu eu, não consigo enxergar.
 - Meu eu, a chuva vai cessar?
 - Meu eu, quando o sol vai nascer novamente?
 - Meu eu, quem sou eu?
 - Meu eu, aonde estou?
 - Meu eu, meu eu, meu eu, meu eu.. - E repetia isso tudo pela eternidade.
 Meu eu estava tão triste que nem sequer me respondia mais... Eu costumava ouvi-lo toda vez que a razão não fizesse mais sentido e a emoção não me levasse a mais nada... Meu eu tinha uma solução que me fazia suspirar lentamente e forçar um sorriso torto. Cadê o meu eu?
 Meu eu tá perdido como eu. Meu eu não tá mais comigo ou se está, tornou-se mudo e eu tornei-me cego.
 Embora não enxerguemos mais nada, meu eu entenderá que há um dia para nossos pequenos passos e marcas de dedos espalhados pela terra seca, avermelhada. Meu eu sabe tanto sobre tudo que já eu, não saberia nada se não fosse por ele. Meu eu me ensinava todos os dias, com passos duros e o suor no rosto, encarar as ameaças naturais de uma trilha que parecia fazer sentido... Mas agora que o meu eu parou pra descansar e nunca mais voltou, minhas pernas perderam a capacidade de se locomover, de se levantarem e continuarem seguindo... Meu eu se tornou um nada, assim como eu, meu eu fracassou. Meu eu caiu. Meu eu se embriagou... Meu eu frequentou botecos... Meu eu se odiou eternamente... Meu eu se amou...
 Mas o meu eu... Me abandonou... E agora... Se não tenho mais os sentidos...
 Meu eu sempre repetiu... Mas eu nunca escutei que o meu eu sempre tinha razão...
 Há sempre uma razão pela qual eu escolhi andar sozinha esse tempo inteiro... E continuarei andando...
 Até o meu eu... Até o último suspiro.

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Luzes violetas.

 As batidas continuavam firmes em um ritmo quase desconhecido para mim e tudo o que meu corpo podia sentir era uma vibração intensa, quase que infinita tomando conta de meus movimentos tão duros e planejados, era como uma máquina inexistente que precisava de um pouco mais de energia para se locomover ou simplesmente de uma nova manutenção, mas eu perdi meus olhos no meio de tantas luzes, de tantas cores diferentes e metade delas, eu não saberia reconhecer e muito menos, lembrar de seus nomes ou de onde vieram.
 Não é essa a questão. Não vou falar da música e sim da sensação que tive quando olhei o meu reflexo na mesa espelhada que estava sobre o som. Vi meu reflexo, vi o reflexo dele, logo atrás de mim e o dela, que estava ao meu lado. Vi os olhos de ambos e enquanto procurava entender, enquanto procurava uma razão, ele tentava não olhar para ela e ela, se perdia nas batidas de bateria e nos solos de guitarras que pareciam ser tão livres. Num suspiro ou dois, eu soube que talvez fosse a hora certa de dizer ou de parar... As luzes violetas.
 Espelhos e mais espelhos, pessoas que dançavam e se divertiam, bebiam, falavam bobagem e riam entre si de piadas bobas ou se atiravam no chão de tanto dançar. Estavam perdidas no seu ecstasy eterno e em seus movimentos repentinos que pareciam acompanhar aquelas batidas. Olhavam-se nos olhos e suavam loucamente com um ar de que queriam mais, sentindo um tesão tremendo de continuar se movimentando como se o som não fosse acabar, como se as luzes continuassem a piscar, guiavam-nas para outro lugar, refletiam os espelhos que pareciam vazios para mim e ele... Ele ainda olhava pra ela.
 Sua expressão era inconfundível, eu via nos olhos dele tudo aquilo que ele queria com ela e ela se perdia nos espelhos. Reflexos infinitos e muitas histórias que talvez não devam ser reveladas... Não sei muito bem ao certo o que foi que aconteceu, aonde meus olhos foram parar ou aonde aquela fumaça me afetou, mas eu sempre soube que no final das contas... Eles... Talvez pudessem mesmo ficar juntos... Ou foi um engano meu?

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