Archive for abril 2015

Exposição

 "Eles disseram que você deveria desaparecer."

 "Egoísta."
 "Desequilibrada."
 "Infantil."
 "Doentia."
 "Neurótica."
 "Depressiva."
 "Destruidora."
 "Teimosa."
 "Cabeça dura."
 "Impaciente."
 "Mentirosa."
 "Estúpida."
 "Ansiosa."
 "Covarde."
 "Sensível."

 ...

 - Seu diagnóstico, senhora.
 - Obrigada.
 - Deseja iniciar um tratamento intensivo para a sua cura?
 - Deveria?
 - Sim. Faria bem, seria saudável para você e para os que lhe rodeiam.
 - Ok, diante disso, acho que não posso relutar.
 - Certo. Assine aqui. E aqui. E mais aqui.
 - Pronto.

 ...

 O quarto branco. Uma mesa de madeira no canto, um pequeno vaso contendo flores coloridas em cima da mesma, uma porta de metal pesado, trancado as sete chaves, uma cama mofada, coberta com lençóis brancos com algumas manchas de sangue a vista. Meu olhar é fixo na pequena janela, com grades enferrujadas, me levando a beira de um precipício.
 Eu enlouqueci.
 Tentei morrer de amor.
 Tentei morrer de mim.
 Eu falhei.
 As palavras já deixaram de fazer sentido há muito tempo. Os lábios pálidos, rachados, vez ou outra mordiscados pelos dentes amarelados, sangram levemente ao olhar incansável em busca de uma esperança.
 Esperança?
 Que merda.
 Não existe tal coisa.
 Desilusão.
 É o que existe, é o que me rodeia, o que me cerca, a tristeza eterna de odiar o que sou.
 O que me tornei.
 O que sempre soube que era, mas que tentava esconder.
 O que se é ruim por natureza, nunca se torna bom, por mais que tente, sempre será.
 Nunca vi diarreia virar sopa de ouro.
 Nunca vi morte se transformar em alegria.
 Nunca vi cigarro curar o câncer.
 Nunca vi injustiça se tornar justiça.
 Nunca vi dor se tornar alegria.
 Nunca vi tristeza se converter em sorrisos.
 Acreditei que haveria sol, mas desde que cheguei, só vejo chuva, e apesar de gostar de dias chuvosos, detesto saber que vou me afogar nesse quarto novamente.
 Esperando, mais uma vez, para ver o que nunca irei ver novamente. O que acreditei ser parte de mim, mas que nunca fora, que não deveria ter me revelado, que deveria ter me contido, fingido ser o que gostavam que eu fosse.
 Uma mentira. Um grande balde de merda que parecia nunca estar só. Que não era infantil. Que era forte, rude, ignorante, sempre centrado em ideias banais.
 O ódio de ser o que sou.
 O asco de viver na pele em que vivo.
 A vontade de doar essa vida pra quem quer viver mais do que eu.
 Eu. Que sou mais uma em sete bilhões.
 Que não significo quase nada, ou nada mesmo. Nem um ponto final.
 Que acordou, mais uma vez, por outro pesadelo.
 Que não se perdoa. Que gostaria de ser tão diferente.
 Que se importa.
 E que, infelizmente, sente falta do que nunca foi seu.
 Que se joga nos braços de outra pessoa e enche teus olhos de lágrimas, de fúria, de raiva, por ter se convencido de tantas coisas, por ter tentado, por carregar tantos sentimentos que gostaria que desaparecessem. Que simplesmente confirma a tese de que todos os Homo Sapiens são um bando de saco de merda, incluindo a si mesma, já que faz parte dessa raça tão desgraçada.
 Que se desespera, que não se move, que seus braços estão amarrados, mais uma vez, naquela camiseta que lhe aperta o peito, o coração que pára de bater a cada dia que se passa. As lágrimas molhando, deixando seu corpo com calafrios, sentindo frio, medo, uma solidão tão grande, uma angústia, uma raiva.
 De saber que enlouqueceu.
 Que ninguém lhe da ouvidos.
 Que morrerá assim, porque gente do seu tipo deveria estar em lugares como esse.
 Nesse quarto branco, amarrada até a morte, com uma chuva lá fora e uma porta que não se abre pra visitas, desde quando...
 ...
 ...
 ...
 ...
 ...
 Lágrimas e desespero.
 Dor.
 ...
 ...
 ...
 ...
 E só... Eternamente só. Exposta, abandonada, fodida e odiada...
 Morrendo só...

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Wish u were here

 Essa é a terceira noite consecutiva na qual estou acordada, vendo o relógio marcar 04:53 da manhã e me perguntando a que horas serei capaz de adormecer, já que quando o sono vem, os pesadelos me perturbam diante de uma cena horrorosa que tenho de presenciar todas as vezes.
 Vejo você sofrer. Vejo você num mundo caótico. Vejo você morrer, sangrar, sumir diante de meus olhos e nada posso fazer, a não ser tremer de medo e segurar as lágrimas que insistem tanto em cair diante de todos esses sentimentos que não posso descrever. Já vai se fazer um mês desde que você se foi, por pura impotência e ignorância do mundo em aceitar uma pessoa com sorrisos tão sinceros como os seus, e ainda me lembro de você como se fosse ontem... Como se ainda pudesse ouvir as risadas, as brincadeiras, o companheirismo e a amizade que tínhamos... Penso em você todos os dias, sinto um aperto no peito, uma vontade de voltar, uma angústia tão grande de tentar absorver tudo o que aconteceu... Me sinto mal. E sinto sua falta.
 Tantas coisas acontecendo, o mundo cuspindo suas angústias em minhas lágrimas secas, cobertas de sangue, desespero e solidão, já que nunca me senti tão só como estou agora... E parece que com a sua partida, mais um pedaço meu se foi... Um pedaço enorme, que eu nunca pensei que pudesse fazer tanta falta... Só penso em sumir... Só penso em doer, morrer, adoecer, doer, doer, doer, doer e mais dor.
 Dor.
 É disso que o mundo é feito.
 De dor.
 Pra quê?
 Disseram que se nascia pra ser feliz.
 Mas qual o significado de tanta dor? Tanta merda? Tanto lixo, tanto asco misturado em um lugar só?
 Tanta voracidade em destruir o que se tem de bom, o que se tenta construir, o que se tenta fazer.
 Não, não sou digna da felicidade eterna, também erro, tenho defeitos, mas é tanta dor que me cega... A dor de ter visto quem eu amava me deixar, a dor de ter te visto dentro daquele "descanso" que não serve para descansar, serve para lacrar, a dor de conviver com a infelicidade daqueles que me rodeiam, a dor de acordar e ver aqueles sorrisos falsos e fingidos, a dor de ser o que se é, a dor de viver eternamente com dor, viver e amanhecer, adoecer e se foder.
 Queria que soubesse que ainda gostaria de ter gravado "janta" contigo enquanto tivemos a oportunidade. Nossas vozes faziam um dueto que parecia ser eterno, e para sempre vou me lembrar do quão profundamente você soava, todas as vezes, tão sentimentalmente amando a todos que te rodeavam...
 As minhas lágrimas ao ver toda a indignação, seu rosto na televisão, acordar com um estouro e sentir uma pontada bem no meio do coração. Queria tanto que você estivesse aqui.
 Por isso, em meus versos, relembrando uma de nossas conversas de boteco da meia noite, lhe digo que não deixei de ser teimosa, nem boba, nem idiota, nem de sentir a sua falta...
 Mas deixei de sorrir e gostaria imensamente de poder te ter por aqui, só pra dizer mais uma vez o quanto você era especial e como eu odeio a distância.
 Como ainda não consigo tocar aquela caneca que me deu de presente, como me parte o coração ao ver as fotos, as lembranças...
 Eu juro, eu só queria muito que você estivesse aqui...

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Meu último adeus

 Desde que você se foi, eu não pude encontrar pensamentos que pudessem descrever todas as sensações que passaram a me dominar a partir do momento em que atendi meu telefone e a Fernanda havia me contado sobre o que havia acontecido. Nunca houve um despertar tão abrupto quanto ouvir aquelas palavras dolorosas, sobre você, sobre alguém que nunca havia fechado a janela para todos aqueles que pediam pra entrar. Você, Laire.
 Sinto um vazio tão grande no peito, uma tristeza enorme disfarçada de raiva, angústia, de egoísmo que poderia ter sido transformado em atenção para poder salvar a sua vida. Para poder tentar voltar no tempo e te trazer de volta, trazer o seu sorriso, suas palavras, seus confortos e todas as fotografias que tiramos em uma noite tão viva, tão única, pedindo para que o tempo nunca parasse. Vivendo entre risadas e amizades, um passado não tão distante, mas que agora soa como anos, décadas, séculos... Soando como saudade do que poderia ter sido amanhã.
 O que foi que aconteceu? Você, tão pálido, tão sério, tão não sendo você, sem aquele típico sorriso de quem sabia de tudo, mas que experimentava a vida com gosto, com simpatia e com um coração caloroso. Eu queria ter tocado sua mão, pela última vez, mas senti medo de você estar frio. Você nunca esteve frio. Era tão quente, estava sempre suando, sempre correndo, sempre em movimento, sempre jogando. Não era você. Você era melhor, maior, único. Você não se foi, você não está dentro de um mármore agora com apenas o seu nome gravado nele para uma breve lembrança. Você está aqui, caminhando, dentro do meu peito e me aquecendo com palavras doces, mudando todas as noites de chuva em dias quentes de verão.
 Não queria dizer adeus. Nunca quis. Pensei que de todos, você seria o último a partir. Achei que você fosse viver mais uns trezentos anos, só pra espalhar as suas bobagens pelo mundo. Pra escorregar em palavras sinceras, pra experimentar a vida como ela é, não como ela poderia ser.
 Dói pensar que você se foi.
 Não queria nunca te dizer adeus.
 Mas eu quero que essa carta esteja perto, para que num dia de chuva, todas as minhas palavras se derretam sobre seu nome e você possa sentir, onde estiver, saiba que todos aqueles que estiveram por perto naquelas noites, sentem sua falta como nunca. Que você era um amigo excepcional e que todos admiravam a sua bondade. Quero que saiba, no seu coração, com todas as minhas palavras tatuadas e escorregando pela sua pele, quente. Não quero você frio nunca mais, Laire. Nem sério.
 Descanse em paz, pra sempre. Continue sonhando com tudo o que você vai fazer enquanto estiver em outro mundo, não sei, eu só sei que vou continuar acreditando que a sua viagem será longa e que talvez não te veja novamente, mas que receba um postal de vez em quando pra saber quão maravilhoso o seu mundo é. Eu, pelo menos, espero que seja agora.
 Sua cicatriz estará na minha pele, eternamente.
 Boa noite, Laire. Continue dormindo que isso tudo só foi um pesadelo ruim, agora o sonho é doce... Doce como todas as nuvens em que você está descansando agora... Obrigada. Obrigada pela cicatriz mais sincera e doce deixada nesse rascunho tão sombrio.
 Durma bem... Amanhã, o sol vai voltar a brilhar... Por você, ele vai.

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