Apenas um conto de amor.

 Numa certa vez, conheci uma menina. Ela tinha cabelos negros que combinavam perfeitamente com seus olhos, também negros. Tinha uma pele branca, tão branca quanto as nuvens daquele dia ensolarado. Não me lembro que dia, não me lembro aonde, só sei que conheci essa garota e nem o nome dela eu quis perguntar. Tive medo. Medo de saber demais. Medo de olhar naqueles olhos que possuíam um brilho único sei lá de onde, eu só queria descobrir de onde vinha um olhar tão sincero. Solitário também, o que acabava por complementar os meus olhos cansados. Ela me olhava e me arrancava a alma, pr'eu perceber que podia dormir nas voltas de seu corpo. Corpo delicado. Podia eu parar de contemplar tamanha beleza?
 Tinha um sorriso que me contentava. Um sorriso que me fazia sorrir toda vez que ela comentava algo ou que se lembrava de alguma coisa que julgava engraçada. Não tinha uma feição comum e nem interesse por livros ou política, mas era tão bela e delicada que me fazia repensar em todas as coisas que na minha vida, nunca fizeram sentido, embora eu soubesse que fosse uma única vez, um único encontro com a garota dos olhos negros. Não precisavam ser verdes. Eram tão belos quanto.
 As vezes, quando eu estava cansada demais pra enxergar alguma coisa, ela me acolhia como uma árvore que acolhia alguns pássaros durante uma chuva de verão. Me abraçava, me envolvia pr'eu não reclamar da vida. Me contava casos, me distraía, me cutucava, me tirava as roupas e as colocava no varal, para secar e esperava comigo, no sofá da sala, o inverno chegar. Deitava sua cabeça sobre meu ombro, segurava minha mão e me sussurrava algumas coisas. Me pedia pra ficar, pra não sair na chuva, porque tinha meio de raios e eu a calava, com um beijo no calar da madrugada.
 Embora eu nem soubesse seu nome e tomasse um café com ela na manhã seguinte, para rirmos de todas as coisas como sempre fazíamos, era meio que indiferente. Ela tomava doce, eu tomava amargo, ela gostava de tango, eu gostava de bossa nova, ela era fã de Picasso e eu de Frida. Ela reclamava do quanto eu era fria, eu reclamava do quanto ela era quente, ela me envolvia e eu dormia no sofá. Ela me escrevia, eu apagava, ela lia Clarice e eu lia Machado. Sempre fomos tão assim e acho que sempre seremos assim, claro, se eu a tivesse conhecido mesmo.
 Mas foi só um conto de amor.

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