Eulália Andrade.

 A vinheta na televisão apresentava um novo comercial. Ele lia o seu jornal diário, como quem não quer nada, como quem ignorava a voz grossa e rotineira que vinha daquele aparelho que lhe parecia ser tão irritante. Pernas cruzadas, como um verdadeiro gentleman, embora soubessem do seu verdadeiro "eu", que não era nenhum pouco gentleman e sim, um mesquinho, pão duro, rico. Tipico personagem Machadiano com um charuto na boca, mas diferente deles, era extremamente ignorante.
 Ao seu lado, na poltrona, uma mulher loura dos cabelos ondulados. Entediada. Bocejava enquanto tricotava alguma coisa e não desprendia seus olhos daquele aparelho irritante. Não era magrela como sua cadela que estava deitada ao seu lado e apreciava a boa culinaria francesa. Tudo o que vinha da França, para ela, era tudo de melhor! Pensamento brasileiro do século XIX, Europa é primeiro mundo. Vida européia num país cheio de negros, mestiços e indios e ela nem sabe pronunciar mademoiselle.
 Chegando em casa, está o filho. Responde ao ser chamado de Meneses. Era um pseudo intelectual que gozava da boa companhia das mulheres do final da rua. Ninguém sabe o nome delas mas elas sabiam quem era ele. Ele, que usava luvas de couro no verão, cartola preta e sapatos maiores do seus pés. Acreditava Meneses que era sua forma de poder, porém, diferente do bom homem João, não tinha os sapatos manchados.
 Agora que citei João, vos digo quem é. João era o bom homem que cuidava da casa dos Meneses. João era quem aturava a santa ignorancia de seu patrão, cujo acreditava cegamente no que o padre pregava durante as missas de sabado a noite. João não era católico não, João era negro, João fazia parte dos brasileiros daquela época mas todos ignoravam João, porque ele não era católico e nem tinha olhos azuis e claro, vivia de sapatos marrons manchados.
 Alguns vizinhos acreditavam que o Dr. Meneses, pai do Meneses luvas-de-couro, gostava de literatura. Dr Meneses talvez fosse um intelectual de seu tempo, embora não tivesse com quem conversar, porque não tinha amigos. Quer dizer, tinha sim. Tinha Andrade. Andrade era o amigo que lhe visitava aos domingos. Bebiam muito e depois riam de tudo. Andrade era político e tinha um importante papel na sociedade carioca daquele tempo. Sabia de tudo, lutava por tudo e dividia com Meneses os seus charutos cubanos. Engraçado é que se davam bem, mesmo que a filha de Andrade seja uma frequentadora assídua da clínica do Dr Meneses.
 O pior é pensar que nem o Dr Meneses, nem o Meneses luvas-de-couro e muitos menos Andrade sabiam da verdade. Que Meneses e o Dr Meneses tinham algo bem em comum: Eulália Andrade e um filho de olhos verdes. Ou devo dizer, Meneses Andrade luvas-de-couro?

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