Vendas de jornais

 A madrugada estava exremamente seca, as rosas avermelhadas se desfizeram com a doce brisa que assobiava pela janela do meu quarto e um par de olhos cor-de-safira me observavam da escada. Eu engolia em seco enquanto sentia aqueles olhos pousarem sobre a minha pele, que estava coberta pelo meu suor e pela enorme sensação de algo desconhecido que se aproximava.
 A garota, dos olhos cor-de-safira estava sentada em uma escadaria de madeira que levava ao segundo andar da casa. Ela estava em silêncio e parecia procurar por algo. Algumas fotografias eram refletidas pela iluminação exterior e eu, continuava deitada, sem ao menos me mover e sem como corresponder.
 - Não está com frio?
 - Tô é com muito calor... - Minha voz soou trêmula.
 - Eu tô com frio.
 - Como? Deve estar pelo menos uns quarenta graus lá fora.
 - Eu tô com frio porque não consigo dormir.
 Essa garota, cujo tinha os olhos mais belos que eu já havia visto, não usava uma máscara. Ela usava constantemente a tristeza posta em seus olhos e a refletia a todo instante. Nunca soube se ela realmente havia descoberto que era triste, mas a única coisa que sei sobre ela era que os seus sonhos haviam sido vendidos. Sim, sonhos vendidos, daqueles que se vendem nos jornais. O dela foi vendido por algo em torno de 150 reais, a preço de banana e tirou dela, toda a esperança.
 - Você sorri?
 - Eu não sei como se faz isso.
 - Quer aprender?
 - Não.
 - O que mais roubaram de você?
 E o silêncio tomou conta da sala novamente. O vento era o único som que podiamos ouvir e de vez em quando, as nossas respirações, muitas vezes, ofegantes por conta do calor tremendo que fazia aquela noite.
 - Não me roubaram nada, nem os jornais, nem as fotografias e muito menos as letras.
 - Letras?
 - Minhas palavras, bobas e sútis. Todas aquelas que eu colocava no papel e que fizeram com que eu me perdesse de vez. Entrelaçando linhas e pequenos vestígios de memórias que pareciam existir, mas tudo o que parece acontecer é uma mera ilusão que me cegou a vista e me arrancou uns pequenos sorrisos. Lembranças que nunca existiram.
 - Como isso funciona?
 - Eu não sei. Eu funciono assim. Engrenagens e mais engrenagens. Movida ao excesso de alcool e coisas chulas. Respirando sentimentos e expirando irônias. Não sou o que era, não escrevo mais. A minha caneta e o meu papel foram roubados de mim também. Os sonhos são o de menos.
 - E depois?
 - Depois eu durmo pra fingir que está tudo bem, mas hoje, só hoje... Só hoje eu não quero dormir.
 E eu jurei que por dois segundos ou menos, eu vi, outra vez, um pequeno sorriso escapar daqueles lábios rosados que acompanhavam os seus belos olhos azuis.

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