Quinta dose. Definitivamente essa era a minha quinta dose daquele uísque com gosto de água sanitária. Confesso que odiava uísque e gostava de mistura-lo com algumas coisas, mas talvez a ocasião não permitisse, pois eu estava tão entediada que gostaria de ficar embriagada, não pra passar mal no dia seguinte mas sim para ver se eu conseguia relaxar um pouco mais. A tensão do trabalho estava me matando e todos os documentos mais importante estavam em minha mãos, eu estava trabalhando cada vez mais e raramente tinha um tempo pra alguma coisa, estava cansada e irritada. Pedi mais uma dose e a bebi do mesmo jeito. Rasgando e queimando a minha garganta abaixo e me causando a sensação de dinamites explodindo em meu estômago enquanto eu resmungava algo baixinho devido ao péssimo gosto que essa bebida possuía.
- Noite ruim? - Ouvi uma voz extremamente suave tocando o meu ouvido esquerdo. Era uma voz calma e que parecia, por algum motivo, estar falando comigo. Virei a cabeça para observar uma garota com um sorriso casual e uma expressão extremamente calma. Seus olhos castanhos me analisavam de uma forma sútil enquanto ela apoiava seu braço direito sobre o balcão. Arqueei uma sobrancelha.
- Tá falando comigo?
- Sim, acho que não tem ninguém além de você aqui. - Olhei para ambos os lados e vi que ela estava realmente certa. Continuei com uma expressão confusa e um pouco vidrada naqueles olhos que pareciam querer me dizer algo, porém não diziam nada. Nem seus lábios.
- Então está tendo mesmo uma noite ruim. Tem pelo menos uns cinco copos aqui. - Observei os copos vazios e o cheiro de uísque que meu corpo exalava sem querer. Meus lábios se separaram por alguns instantes para dizer algo mas não pude ser capaz de responde-la. - Tá certo, vamos deixar isso pra lá. - Voltei a olhar para ela novamente.
- Escuta... Porque cê ta falando comigo?
- Porque eu quero? Eu tenho que te dar motivos?
- Não sei? Eu nunca te vi antes! Por que diabos você falaria comigo?
- Não sei, eu só quis vir falar, oras. Você precisa ser tão grossa? - Ela soltou uma risada baixa, porém divertida e mudou o seu sorriso para um sorriso extremamente jovial e encantador. Não entendi muito bem, mas essa garota... Era... Estranha. E me assustava um pouco.
- Não estou sendo grossa, eu só não to entendendo!
- Você bebeu cinco copos de uísque, está aqui sozinha e é atraente. Eu quis vir falar com você!
- Tá, o que você quer de mim?
- Realmente... Sua noite está sendo péssima, não acha? - E riu. Riu confortavelmente e sem se importar com a expressão de raiva que agora tomava conta do meu rosto.
- Cê quer me provocar, é?
- Não, eu quero que você se divirta.
- Aham, tá. Você é uma estranha e quer que eu me divirta?
- Exato.
- Sinceramente, não to entendendo.
- Você não precisa! - Senti uma mão agarrar a minha com certa ferocidade e com um certo cuidado, ela entrelaçou seus dedos nos meus e me puxou, fazendo com que eu abandonasse o banco e os copos vazios sobre o balcão. Não sei o que aconteceu, mas eu deixei com que ela me guiasse. Confiei minha mão e o resto do meu final de semana naquela garota que nem havia dito o seu nome. Garota que havia aparecido e puxado conversa, garota com cabelos negros encaracolados como os de Caetano Veloso.
Saímos do bar e enquanto ela ainda me puxava, percebi que as ruas estavam molhadas, pelo visto eu estava muito embriagada pra descobrir que havia chovido. E muito. E que ela estava me levando para uma praça no meio do nada com apenas um poste no meio e várias arvores ao seu redor. Estranhei um pouco o cenário que me parecia um bocado sombrio, mas talvez estivesse pensando demais, por isso simplesmente deixei com que suas pernas me guiassem até um banco que estava embaixo de uma das árvores, o céu já estava limpo e alguns pequenos pontos brilhantes pareciam ajudar na iluminação que era quase inútil naquele lugar. Apesar de meio sombrio, até que era relaxante.
Logo senti que suas pequenas mãos haviam deixado as minhas para trás e repousei meus olhos sobre o par de amendoas que me fitavam de forma divertida. Ela se sentou e esperou que eu fizesse o mesmo.
- Vai me dizer seu nome? - Perguntei enquanto observava um pouco mais o ambiente, sentindo um certo calafrio.
- Vamos fazer o seguinte, cê pode me chamar de uma noite só.
- Uma noite só?
- Exato.
- Que tipo de nome é esse? - Soltei uma gargalhada em forma de deboche. Que tipo de pessoa diria isso? Essa garota me parecia um pouco diferente mas decidi optar pela digestão de tudo que estava acontecendo do que tentar pensar em algo estando embriagada.
- Não é um nome, eu sou uma garota qualquer que você encontrou essa noite. A gente pode se divertir, mas não preciso te dizer quem sou. Você vai lembrar de mim.
- Ah é?
- Sim e não precisamos de "poréns" nisso aqui.
- Você tá brincando comigo, não tá?
- Não. Eu quero que você pare de pensar.
- Mas eu quero saber quem é você.
- Mas não vai saber. - Um sorriso de orelha a orelha se estampou em sua face enquanto ela se aproximava de mim e fixava seu par de amendoas sobre os meus e sussurrou. - Talvez você me ache, é só você quiser me achar.
- Pra que esse mistério todo?
- Não é mistério, eu só quero que você queira me achar. - E colou seus lábios nos meus como se tivéssemos todo tempo do mundo. Senti seus braços sobre meus ombros enquanto meus braços envolviam a sua cintura. Um beijo doce, suave, diferente e ela me tirava do sufoco todo que eu estava passando há pelo menos um dia atrás. Continuamos assim acho que talvez até a metade da noite, quando fomos pra minha casa e minha alma simplesmente adormeceu enquanto nossos corpos se encontravam um no outro. No dia seguinte, quando meus olhos resolveram se abrir, um pequeno pedaço de papel estava ao meu lado na cama e não havia sinal nenhum da garota da noite passada.
"Minha querida,
Como diria o Chico Buarque, talvez eu até pedisse por um corte de cetim, mas não sou esse tipo de mulher. Toda vez que quiseres me encontrar, saberás aonde me achar, não precisamos de mistério e muito menos de rodeios. Vê se numa próxima vez, me leva pra ouvir um bom samba por aí ou alguma das coisas que conversamos ontem, afinal de contas, isso poderia ter sido mais interessante se tivéssemos pensado em algo mais... Talvez você pense, mas quem sabe a gente não se vê por aí.
Da sua talvez e nunca
B."
De duas coisas eu tinha certeza. Uma que eu a encontraria de novo e outra era que realmente eu tinha me deixado levar por uma garota que nem havia me dito o seu nome. Dei um pequeno sorriso e me levantei da cama como se não houvesse uma ressaca pra curar, mas de vez em quando, pela semana, eu ainda sonho com ela e com um sorriso que ela me marcou naquela noite de sábado, uísques e Chico Buarque.
Meia noite de um meio sábado pra um meio domingo

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