A sensação de um tremor no solo e um vento forte vindo do outro lado, acompanhado por uma luz intensa que chega a me cegar por alguns instantes. Algumas vozes ao fundo comentam algo que não consigo entender e quando aquele vagão enorme e enferrujado passa pela estação, as portas se abrem, delas saem milhares, nelas entram trilhares e assim o ciclo repete dia após dia, hora após hora, minuto após minuto.
A estação se torna vazia. Um chapéu fedora em minha cabeça, um sobretudo acinzentado e um cigarro na boca esperando o último trem do dia. Desses que vai sem rumo e sem estação certa para parar, desses que prendem dentro de um vagão frio e vazio, com um ar gélido e bancos metálicos completamente sujos. Como numa sala de necrópsia e aquelas mesas todas com um sangue vermelho vivo escorrendo por elas, lentamente e sem pressa de chegar ao chão.
Quando o último trem chega e dou os dois primeiros passos adiante para adentra-lo, sinto meu corpo esfriar, o cigarro apagar e as mãos a congelarem. Sinto meus dedos do pé se movendo lentamente dentro de meu sapato manchado e em um impulso qualquer, estou me observando pela janela escura que alí estava. Um reflexo de um rosto pálido, olhos cansados, lábios partidos e uma expressão de solidão que ninguém conseguiria desvendar. As mãos trêmulas que de repente estavam dentro dos bolsos e um suspiro acompanhado por uma fumaça branca e a sensação de estar em um lento movimento de ida.
Começou lento e rapidamente ganhou velocidade. O movimento continuava enquanto as paisagens daquela cidade passavam diante de meus olhos. Eu não filmava, não gravava, não escrevia, só estava em pé, com a tristeza no bolso, a angústia nos lábios e o cansaço nos olhos. Continuava a esperar pela minha hora e pelo infinito caminho que fariamos até chegar a algum lugar, cujo eu desconhecia, porém parecia ser como um lar. Um lar com Louis Armstrong tocando na rádio debaixo de uma neve congelante com um tom avermelhado.
Meus olhos se moveram lentamente analisando para ver se encontraria outros passgeiros e para a minha surpresa, estava só. Completamente só naquele vagão enferrujado que me causava arrepios. Não poderia dizer que estava feliz e nem poderia sorrir, seria hipocrisia. Estava apenas aproveitando o passeio com as tatuagens e cicatrizes no corpo, procurando encontrar a última delas ou talvez, a primeira da última lembrança de todos os arranhões que já encontrei em minha pele quase sem vida.
O sinal foi dado. O trem parou e ao abrir as portas, meus olhos se depararam com um lugar vazio. Um banco, um poste e nada mais. Uma estação vazia. Outra estação vazia como qualquer outra que eu já tenha encontrado. Dei longos passos até sair do vagão e sentei-me no mesmo banco, dessa vez, de madeira e sem vestigios de vida por alí. Tudo estava debaixo de uma neblina que me causava a sensação de estar completamente cega. Vi que não tinha motivos para ter pressa, então acendi outro marlboro red para combinar com as marcas de sangue dentro do vagão.
Assinalei o meu nome em minha própria lápide e com vários tragos, esperei, mais uma vez, pelo outro trem que me levaria a outra estação da vida.
Trens e estações

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