O que acontece quando alguém ainda crê naquilo que você deixou para trás? Todas as canções cantaroladas, um novo inglês que você inventou. Sua mania estranha de ouvir Beatles e reclamar de Stones e principalmente dar risada quando eu escrevia pra você aqueles contos que nunca lhe convenceram. Aqueles mesmos que lhe faziam rir, quando estavamos a bordo daquele mesmo navio enferrujado do ano passado, nas mesmas águas passadas de um século que não volta mais. De um eu que já não lhe pertence mais.
Eu, que tinha os meus dezenove anos e acreditava na direção dos ventos que me sopravam os cabelos bagunçados. Que pousava em cada porto a cada dia, apenas para conquistar um novo amor. Eu tive várias e entre elas, tive você. Você que dedilhava canções em seu violão, o mesmo que navegou comigo por quase dez anos. Você, que me presenteou com um Abbey Road que você tanto gostou e eu que guardei, sem nunca poder ouvir Lennon e McCartney cantarem outra vez.
Aos vinte e um, tive a outra. A outra morena que sambava pelos portos do Rio de Janeiro. Morena bela que ouvia Luiz Gonzaga e era de Recife, tinha um sotaque arrastado, me contava casos do nordeste e que era apaixonada por literatura de cordel. Escrevia poemas sobre o seu sertão, escreveu-me uma carta sobre tudo o que deixou para trás e viveu-se assim, de sambar pelos corpos de outros rapazes, que não eram eu, mas que eram belos e que possuíam bens. Muitos bens. Eu é que nunca tive nem sequer um corte de cetim para presentea-la.
Aos trinta, tive aquela que morava no porto de Santos. Aquela que me levava para um conhaque caro em seu apartamento na ponta da praia. Aquela que me roubou uma alma e para quem, provavelmente, Chico Buarque havia escrito A Rita. O nome dela também era Rita, mas ao contrário da história, nunca me levou os trinta anos e nem me deixou mudo o meu pequeno violão. Rita partiu antes mesmo que eu pudesse me despedir e no final das contas, eu nunca pude sentir falta.
Depois de vários outros romances que não me recordo, encontrei apenas um. Apenas um único romance que pôde me fazer feliz pelo resto da vida pacata sobre as ondas que eu levava. Um amor de madeira, enferrujado pelo tempo, um amor acabado, um amor tatuado no peito esquerdo. Um amor cujo meus suspiros eram em torno dele. O amor sobre os sete mares que me velejava sobre as ondas gigantescas que enfrentei, como os portugueses de Camões. Aquele sentimento que me levou a acreditar que por fim, eu pudesse mesmo estar vivo sobre sete ondas nos sete mares sobre sete marés da lua branca que me sorria um poema agora. Deitei-me mais uma vez, sobre a chuva de estrelas que cobriam o céu escuro e enquanto eu inventava, o tempo ventava, eu escrevia e as horas, nunca passaram.
Ferrugem

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