Era uma madrugada fria lá fora, o vento batia na janela e ecoava nas paredes geladas do meu quarto, trancado e abafado. O café, que há pouco estava quente, agora exalava todo seu odor pelo quarto, cada vez mais frio, acompanhado pelo cinzeiro que ainda possuía um cigarro apoiado, ainda aceso, com marcas de palavras, de dedos e de histórias que por ali já passaram, queimava livremente cegando-me com a sua fumaça intensa. Meus olhos avermelhados observavam a escuridão e a brasa do cigarro que ainda me trazia alguma esperança. Sei lá, esperança de alguma coisa nova acontecer. Eu me sentava no chão e observava o mundo girar ao meu redor, perdia meu tempo esperando algo, como se fosse simplesmente aparecer de uma hora para a outra, sem me lembrar de que não valia a pena hesitar por boas noticias.
A vida continuava, eu fazia tudo novamente, minha rotina era tão repetitiva quanto as histórias clichês das novelas da televisão. Fazia tudo igual, tudo como no dia anterior e assim eu andava, distraído, sem esperar mais nada dessa vida que só me trazia miséria e acreditava que meu destino estava perdido, embora tivesse um pouco de esperança de encontrar algo que me fizesse bem, da forma que eu tanto esperava.
Suspirei ao me lembrar de tudo que se passava. O cigarro já se apagara e o café continuava esfriando, cada vez mais, perdendo toda a sua essencia com o passar dos minutos e eu sentava alí, com olhos tristes e sedentos, esperando por outra melancolia, esperando por algum desastre, esperando por alguma coisa que não fazia idéia do que.
Fechei os olhos e quando eu os abri, nada vi. Fechei os olhos e os abri novamente e foi então que eu a vi. Singela, sincera de olhos tão sedentos quanto os meus. Ela estava na minha vida já fazia tanto tempo e eu nem sequer pude notar e depois daquele dia, o cinzeiro passou a ficar com uma dupla de cigarros acompanhados por uma dupla de xicaras, com o café esfriando e ela se sentava ao meu lado para esperar o tempo passar, até segunda feira chegar que era dia de trabalhar. Ela se sentava ao lado meu, deitava sua cabeça no meu ombro e dizia que iria me acompanhar. Eu sorria, meus olhos ainda eram avermelhados mas a olhavam com infinita ternura, ela me beijava os lábios como ninguém e quando era hora de se despedir, pedia para que eu não fosse e os dias amanheciam assim, ela comigo, eu com ela, cafés frios e cigarros apagados no cinzeiro. Ela na cama e o quarto cheirando a sexo, porque agora eu entendia o que era sentir algo e sabia que ia muito além da alma. Eu sabia que ia muito além de nós. Eu sabia que era ela e ela sabia que e era eu. Sei lá, talvez tudo fizesse um pouco mais de sentido agora, mas quando o dia amanheceu e eu decidi mudar para sempre, escrevi na palma da mão dela: "Victoria minha, vou partir pela manhã, mas volto a noite, volto a noite para te proteger, para te amar, para te cuidar. Victoria minha, eu sentirei sua falta durante as longas horas do dia." e a beijei. Quando o fim do dia chegou, tudo recomeçou. Era ela e era eu.
Eu e ela, ela e eu.

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