Cerdas.

 Escovo os dentes, mas essa não é uma simples escovação. É a primeira depois de muito tempo sem uma boa escova, sem uma pasta de dente e todos aqueles rituais cotidianos para cuidar dos dentes que ainda me restavam. Não eram muitos, mas eram o suficiente para mastigar qualquer coisa que me fosse possivel comer, afinal, eu comia de tudo, não tinha rejeições, o que viesse, eu topava, não tinha tempo pra dizer 'não'.
 O momento em que aquelas cerdas tocaram minha gengiva, podre, com poucos dentes que fediam a carniça, um mar de sangue passou a tomar conta da minha boca, mas eu estava tão anestesiado daquela dor que sentia, que continuei esfregando as pequenas cerdas na minha gengiva, fazendo com que a quantidade de sangue redobrasse.
 Já não precisava mais de saliva, havia sangue o suficiente para limpar todos os meus dentes. Esfregava, passava, fazia os movimentos, doía, lágrimas escorriam e no final desse pequeno e trágico ritual, dei um sorriso, satisfeito.
 - É que depois de muito tempo perdido, quando finalmente consegue se encontrar, o gosto de sangue na boca nunca fora tão prazeroso.
 Daí o porque de toda vez, eu meter as cerdas na gengiva, para sangrar, para sorrir, para, finalmente, me sentir um ser humano.

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