Livro velho.

 Eu não dava nada a primeira vista. Nada mesmo. Nem o braço a torcer. Até porque aquela garota de cabelos claros, um louro puxado para o castanho, de olhos pequenos e sutis, tão singelos quanto o seu sorriso, de garota inocente, de garota que queria aprender a viver, de garota ingenua, não me chamou muito a atenção. De jeito maneira. Nem o jeito com que ela me olhava.

 No compasso dos longos dias que eu costumava a frequentar, ela fora começando a participar. Já era rotina dar aquele sorrisinho de canto ou apenas acenar quando nos esbarravamos por aí, porque eu ainda não dava nada por ela. Ainda não dava nada por mim, porque gostava de ficar sozinha.

 Ela, com a meiguice, fora tornando as tardes da minha imensa solidão em algo estranho, algo único. Estava sempre com um sorriso contagiante e gostava de proferir palavras doces e sinceras, como uma criança que cuida do seu primeiro peixinho ou como um solitário qualquer cuida de seu cigarro, se sufocando na fumaça, procurando refúgio e ela me pedia para se aventurar. Não sei muito bem pra onde, mas eu sei que ela queria.

 Daí, as coisas passaram a mudar. Eu já conseguia dar algo em troca. Mas era como um livro velho, surrado, que ao se abrir sem o minimo cuidado sequer, rasga e acaba por se tornar cada vez mais inútil, cada vez pior. Tornando seu conteúdo algo ilegivel, indecifravel, sem esperanças de um dia poder voltar. Hei de não me abrir para nada perder, para nada acontecer, porque nada funcionava assim. Eu era aquilo. Pedra. Pedra sem essencia e ainda sou. Embora ela saiba tão bem me folhear que me sinto a vontade e deito pra descansar no colo dela, já que a noite, muitas vezes, parece ser cruel com as pequenas palavras escritas dentro de mim.

 Então ela me fechava com cuidado e marcava a pagina. Sempre quis ler. Sempre quis entender. Tentava traduzir cada simbolo que alí existia, mesmo que não conseguisse, estava tentando. Era demais e me causava uma sensação enorme de segurança. Um livro velho sem a luz do sol.

 Enquanto me sentava na mesa para tomar um café, com olhos fechados, ela me dava bom dia. Boa tarde. Boa noite. Um bom suspiro. Aí eu descobri que não tinha porque temer. Era especial e ela cuidava de mim. Como ninguém. Como um alguém.

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