Canetas, letras, arvores e folhas.

 Enquanto as nuvens correm depressa pelo infinito azul, procurando se aventurar, eu estou aqui. Sentada num banquinho de uma praça exatamente as três horas da tarde de um domingo. O calor está intenso mas a sombra da arvore alivia um pouco. A caneta em minha mão, pecorre o papel como quem se aproveita do último pedaço do seu doce predileto, ou do último gole de café, degustando até o sabor subentendido do que alí estava sendo dito, ou escrito, ou ingerido. Não havia ninguém na rua e ouvia-se apenas o barulho das folhas das arvores dançando com o ritmo do vento que chegava como um invasor e levava consigo as fracas, roubando-as, escravizando-as e depois, atirando-as em qualquer lugar, talvez no local mais próximo, já que se esgotara com o tanto que havia carregado, até que derrepente, com todo aquele silêncio, ouvi algumas vozes que vieram pelo vento.
 - Todo mundo quer a metade da sua laranja. Não me diga que você não quer!
 - Eu não procuro, eu não preciso e eu não acredito nessas coisas.
 - Fala sério! Tem gente que nasce uma pra outra.
 - Pré destinadas?
 - Lógico!
 - Não acredito.
 - Larga de bobagem!
 Me calei mas fixei meus olhos na direção das vozes e depois, voltei-os para o papel com algumas palavras entrelaçadas, com a caneta repousada sobre o final de uma delas.
 Metade da laranja? Isso é uma coisa meio clichê. Não acredito nisso também. Não sou o tipo de pessoa que procura a metade de uma laranja porque afinal de contas, as laranjas são todas doces. Ninguém quer uma metade de uma laranja azeda, todos a querem doce assim como chocolate. Querem algo que lhes dê prazer, querem algo que seja exatamente igual, querem algo que os faça se encontrar mas... De onde vem tudo isso? Não faz o menor sentido.
 Eu não sou doce. Gosto de café doce mas na maioria das vezes, o tomo amargo, porque me agrada. Sou azeda. Sou como um limão. Diferente das pessoas, eu não quero uma metade doce, eu quero uma metade tão azeda quanto eu. Exatamente isso. Azeda. Quero uma metade acida e azeda. Não preciso de palavras de conforto o tempo inteiro, não preciso de doçura, não preciso de muitos agrados. Eu gosto do jeito que as coisas são: amargas e azedas, assim como a realidade, porque no final das contas, quando acabar, vamos continuar sendo azedas e acidas e as coisas ao nosso redor sempre serão as mesmas. Eu não ligo muito pro convencional, mas gosto mesmo das coisas quando elas não fazem o menor sentido.
 Por isso e por outras coisas, eu digo que sei o que quero. Não quero a metade da minha laranja mas sim, a metade do meu limão. Talvez um açucar para o café, um afago nas noites de chuva, um brinde nas noites de calor, um beijo na hora da dor e... Quem sabe... Um amor para me recompor.

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