O mundo dele era movido a engrenagens. Tudo era muito mais do que artificial e o coração que batia em seu peito era uma máquina. Naquela época, naquele lugar, os seres humanos viviam de forma diferente. Ninguém mais era feito de pele, de carne, de sentimentos. Todos eram feitos de engrenagens, sejam elas usadas, enferrujadas e quebradas, eram a ferramente mais poderosa que tinham para curar todos os seus problemas, afinal, quem precisava de fragilidade? Quem precisava ser sentimental? Quem precisava ser eu?
Foi o dia então, que ele encontrou no chão, bem distante de sua cidade de engrenagens, uma pequena rosa. Vermelha, perdida, no meio do nada, desprendida de tudo. Alguém deixara por alí, sem nem ao menos se preocupar com a sua delicadeza. Sua cabeça sacudiu lentamente, de modo confuso, como pequenas ferramentas, surgindo dalí um pequeno ruído, quase imperceptivel a seus ouvidos.
Seus olhos eram azuis artificiais e não tinham cor de nada, mas por alguns segundos, quando captou a cena daquela inofensiva rosa atirada ao chão, como quem pede socorro no mais delicado gesto de compaixão, tomou-a em suas mãos, embora soubesse que 'maquinas' como ele, não podiam tocar objetos tão puros, como ela, como a pequena rosa que possuía um aroma tão doce quanto as flores de graxa que, pela sua cidade, estavam espalhadas.
Sorriu, mas não foi por muito tempo.
É que quando ele a tocou, ela morreu. Simplesmente morreu. De vermelho vivo, cor de sangue, cor da vida, foi escurecendo até se tornar totalmente preta, totalmente sem vida, sem nada, sem vontade de exalar mais uma vez aquele aroma tão delicioso que nunca havia sentido antes.
...
Nenhuma lágrima derrubou, porque pessoas como ele, não choravam. Maquinas não eram feitas para chorar. Maquinas não sentiam, maquinas eram poetas, maquinas fingiam sorrir.
Ele a apertou com as forças que ainda lhe restavam e quando se deu conta, o seus ruídos passaram a aumentar e seus movimentos, a regredir, pois numa hora em que sabia tudo sobre a rosa, não sabia mais nada. Seus olhos que eram azuis, agora perdiam as poucas cores que ainda lhe restavam e tornavam-se cinzas. O óleo que lubrificava suas pernas agora escorria, de forma lenta, tomando conta de cada pequena parte daquela sua expressão de que nunca havia sentido nada.
Quando fora perceber, que era pra ser o seu último romance, com uma pequena flor, soube o que era viver, mesmo que não soubesse antes. Acho que andava morto, porque não obedecia suas próprias vontades, aquelas mesmas que lhe faltavam. Agora que as pétalas, entre seus dedos, se misturavam com o óleo que insistia em demonstrar fraqueza, se misturou com algo mais. Parecia agua e parecia vir de algum lugar. Parecia ser salgada. Sim, sim, era um tanto salgada, era um tanto diferente das outras aguas que aquela rosa já havia experimentado. Parecia sincero, parecia sentimental, parecia humano, parecia eu.
E em um triste suspiro, num belo brando de um campo minado coberto com pequenas peças que agora pareciam se demonstar, lá estava ele, de mera maquina a um simples poeta com uma rosa negra nas mãos.
Engrenagem.

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