Três quartos

 O relógio marcava três horas da manhã. O sono, que antes habitava o ambiente, já havia sido trocado por uma longa insônia e gotas de suor que escorriam de sua face. Seus olhos pestanejavam lentamente tentando ajustar o foco de sua visão, que fitava um canto qualquer de seu quarto escuro. A janela estava aberta, o vento entrava lentamente enquanto o Rio de Janeiro parecia estar em silêncio.
 Seu olhar fora de encontro com o céu escuro lá fora, enquanto seus dentes mordiscavam o seu lábio inferior, demonstrando uma certa apreensão. Suas mãos, agora apoiadas no colchão e seus pés que tocavam o chão gelado, faziam com que sua pele quente e suada, voltassem a sua temperatura normal. Não havia muito o que se fazer, apenas pensar no pesadelo da noite anterior.
 Do outro lado da cama, não havia nada a não ser um travesseiro e uma parte arrumada dos lençóis que, por parte dele, já estavam bagunçados. Não havia nada a não ser a lembrança daquela menina numa noite de verão em que fumava o seu último cigarro. Conversavam sobre coisas banais, até mesmo sobre a estupidez da vida e trocaram sorrisos sinceros. Ela, que não tinha nada a perder e ele, que tinha toda uma vida para foder. Tudo se desfez, tudo se recompôs e num piscar de olhos, eles já estavam debaixo dos lençóis, ofegantes e sem respirar nada a não ser a transpiração um do outro, que assim continuou durante muitos e muitos meses.
 Ele fazia o tipo seco, detestava admitir que sentia falta dela. A única coisa que passava diante de seus olhos agora era o simples fato do tempo estar voando, suas tatuagens estarem sumindo, suas cervejas terem se acabado e seus cigarros, há muito tempo, queimado o seu carpete da sala. Ele nem se preocupava em comprar um novo ou se recompor, ele apenas respirava os segundos que a vida insistia em lhe entregar... E nada funcionava.
 De barba rala no espelho do banheiro, as quatro horas da manhã de uma maldita segunda-feira, estava ele com a expressão sonolenta de quem não se preocupava com o trabalho na manhã seguinte, e enxergava, com as pequenas mãos arranhando o seu peito, o mesmo olhar no espelho de cinco meses anteriores aquele e se perguntava, silenciosamente, se um dia seria capaz de trazer isso de volta.
 Numa certa euforia, colocou o rosto para fora da janela para ver se conseguia respirar novamente, um ar diferente daquele que estava com o cheiro de seu suor, de sua nicotina. Olhou e observou, bem de longe, as ruas iluminadas e a beleza daquela cidade que ele tanto gostava, se não fossem por ocasiões como essa, afinal de contas, ele não tinha o porque de se sentir europeu, mas gostava do Rio.
 Fechou as cortinas e voltou seu corpo para a cama umida que o aguardava. Deu três suspiros e com uma chama invisivel, mais um cigarro para apagar. A noite continuou, o dia logo amanheceu e o barulho da porta amorteceu o silêncio. Por horas, suas pernas não se moveram.
 Mais um cigarro abandonado no cinzeiro preto de plástico que estava na pia do banheiro.

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