Domingo a noite, véspera de feriado e a casa completamente vazia. A fumaça já se espalhava pela sala enquanto que com as luzes apagadas, pouco enxergo das paredes esverdeadas que me rodeiam e os quadros antigos, pintados e manchados com uma dose extra de sangue e dor. Paisagens fictícias de alguma cidade do interior da Irlanda, daquelas que nevam e possuem um nome quase impronunciável. Daquelas que eu gostaria de tomar um conhaque e me atirar na neve, congelar até parar de respirar e imaginar um céu de outono tomando-me as pequenas dores da vida.
As minhas únicas companhias são as pequenas garrafas de Stella, várias delas espalhadas pela casa e alguns maços de cigarro. O cheiro forte me asfixia enquanto a cidade começa a se silenciar. Tenho consciência de estar com os olhos abertos, embora quisesse escrever poemas clichês por todas as paredes e usar a minha pele tão seca como rascunho, para que as palavras ficassem cravadas em meus pequenos poros e eu nunca mais pudesse esquece-las. Como se fossem um juramento a mim mesma. As coisas mudam, o tempo passa, a noite se torna dia, mas a inconstância dos atos são as mesmas.
Enquanto o meu corpo se movia em cima do tapete cinza e empoeirado, a minha mente voava para longe e acendia as velas que estavam guardadas há muito tempo. Acendiam a chama que queimaria todos os meus profundos devaneios, sem nem deixar cinzas, sem nem deixar vestígios, e me afagaria os cabelos, os dedos e tudo que ainda me resta para suspirar. Eu estaria sem vida, embora não percebesse nada.
Levantei-me então. Apressei os passos até a cozinha, aonde eu procuraria por mais uma garrafa de cerveja e me deparo com a lâmpada quase queimada que, com um esforço grande, piscava lentamente, como em um filme de terror. Não iluminava quase nada, apenas piscava. Piscava como os segundos que se passavam, piscava compassadamente como bailarinos que dançavam em uma noite inteira, piscava como os meus olhos que a fitavam intensamente, piscava como no meu peito, haviam batimentos e eu, perdida em pensamentos, apenas pensava em piscar.
Reluzia, cintilava, piscava, eu pestanejava, tudo se perdia, eu me encontrava, nada fazia sentido, as cervejas sumiam, as garrafas se quebravam, os cigarros se apagavam, o tapete entrava em chamas, os quadros caíam e as noites não pareciam ir embora.
Eu. Abri os olhos. Abri os olhos. Eu. Não encontrei. Nem você. Nem as garrafas. Nem o cigarro. Nem o tapete. Nem a mim mesma.
Devaneios de domingo

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