Conto sobre uma chuva de sábado

 Tenho seus dedos entrelaçados nos meus neste momento, e me pergunto se você consegue ler exatamente o que meus olhos pensam em dizer. Se consegue saber que nesse momento distante, descrevo lentamente os seus cabelos e percebo o seu calor, junto ao meu, embaçando os vidros do carro nessa noite chuvosa de sábado. O sábado em que eu provavelmente não lhe veria, mas cá estou, pensando sobre você.
 A chuva está bem fraca do lado de fora, eu penso em loucuras e te proponho uma pequena viagem. Você aceita, e se encolhe cada vez mais por conta do frio, mesmo estando confortavel com o meu agasalho favorito. Você sorri, muda de música e a gente continua falando besteira até chegarmos em algum lugar. Eu não consigo saber muito bem, mas provavelmente estaria feliz por estar aonde estou, mesmo que me falte uma cerveja e um pouco de besteira pra poder cantarolar, junto ao violão que eu abandonei em casa nessa tarde. Para onde vamos?
 Você, enquanto ri, mexe em seus cabelos e me pergunta um pouco mais sobre tudo. Eu continuo dirigindo, ouvindo a chuva cair e a escuridão da estrada a nossa frente. Penso em tudo que poderiamos fazer, no tempo em que poderiamos gastar, atiradas em uma cama quente, com um cobertor, totalmente despidas e ofegantes, quase que acabadas. Você acendendo um cigarro e me oferecendo, a cerveja no criado suando tanto quanto eu, nós conversando sobre qualquer coisa e você, lentamente se aproximando e beijando o meu ombro, coisa que você sempre faz quando estamos juntas.
 Penso na longa estrada, em um dia quente. O carro parado no acostamento, nada ao nosso redor a não ser areia e mais areia. O sol quase se pondo e nós duas deitadas no asfalto quente daquela estrada que nós nem sabemos como chegamos. Você segurando a minha mão, eu te olhando nos olhos, um beijo em seguida, algumas promessas bobas e clichês, a noite chegando, as constelações aparecendo e nossos sonhos sendo levados por pequenas estrelas cadentes, concebendo-nos o direito de sumir do mundo quando mais precisarmos.
 Depois, enquanto ainda ouço sua linda voz sobrepondo as ameaças das gotículas geladas que caíam daquele céu tão escuro, quase que impossível de se atravessar, ignoro os trovões que insistem em iluminar parte daquele estrada, juntamente aos faróis daquele carro antigo, que eu ainda penso em dirigir mesmo sem segurança nenhuma, apenas com a certeza de que iremos chegar. A qualquer lugar e aonde você me pedir.
 Quando a madrugada se aproximou e seus olhos demonstraram cansaço, dei um sorriso de canto e logo levei uma de minhas mãos até sua perna, que estava gelada por conta do vento gelado que adentrava, e a acariciei lentamente, enquanto via você adormecer ao meu lado. Meu sorriso apenas estendeu-se e pensei três vezes antes de chegar. Não queria pensar no fato de que mais cedo ou mais tarde, você teria que ir embora e eu, não poderia fazer nada a não ser esperar o tempo passar... Apenas pra ficar mais um dia com você ou mais algumas horas, andando por aí sem pensar em nada. Não queria não sentir o seu cheiro em minhas mãos, depois de te deixar em casa por mais uma noite. Não queria trocar de música, quando você colocou "janta" pra gente se beijar. Não queria nada, nada a não ser você. Por essa noite e por outras mais.
 Gosto de te ver assim. De viajar com você pra lugar nenhum, segurar a sua mão enquanto sonha. De fugir para uma estrada que nem sequer existe, e lhe fazer rir a cada cinco minutos de viagem, apenas para ouvir e me sentir um pouco mais feliz.
 Gosto de você assim. Poesia pura, curvas e retratos, atos e defeitos, vontades e desejos... Coisas que a alma implora durante horas ao seu lado, em direção a lugar nenhum.

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