Tarde chuvosa

 E mais uma vez estou aqui, sucumbida, perdida no guia dos meus pensamentos estranhos e nadando entre as misturas aleatórias de rostos e faces que insistem me assustar. Persigo os seus olhos como quem tem cautela de viver, enxergo a noite como se fosse uma miragem e o dia, se põe novamente sobre esse imenso céu de veludo que cobre a cidade inteira com suas lágrimas de dor. Eu vejo muita, mas muita chuva caindo do outro lado da janela e o calor tão envolvente que parecia fazer evaporar todas as pequenas gotículas que repousavam sobre o vidro.
 Eu ouço a vida me chamar. Ouço o eco das palavras repetidas por ela e apenas a ignoro, enquanto cada pequena esfera de luz da cidade se apaga. Os sinais ficam vermelho, as ruas se movem e os ratos invadem os mármores abandonados por todos aqueles que um dia já puderam respirar.
 As flores são engolidas, o cheiro se torna podre. Tudo parece um caos, movido a uma pequena bateria de sentimentos inúteis que insistem em contradizer todos os pensamentos plenamente calculistas e arranjados. A vida se torna um software e os usuários a programam como bem desejam. As coisas clichês são cada vez mais reais e o mundo se perde em uma luz quase inexistente que se esconde apenas atrás de Plutão.
 Quero voar, quero sair, quero tudo e ao mesmo tempo não quero nada. Procuro saídas de emergência, sinto o cheiro da fumaça e me asfixio com todos os seus componentes. Ela, no entanto, destrói os meus pequenos pulmões e transforma-os em duas esponjas podres, cheirando a esgosto e recheados de baratas. Ela me causa desejos alucinantes, vontades podres e perdidas. Sede de sangue, destruição em massa e todos os grandes estragos que parecem ser sutis ao meu ver. Eu sinto tanto e não enxergo nada, eu não sinto nada mas calculo tudo e é assim que acaba por funcionar.
 Tenho uma vontade imensa, engulo cordas de aço como se fossem alimentos e meu sangue se torna cada vez mais escuro. Ouço a música e a parte sombria de seus desejos impossíveis de se entender algo ou a alguém e sinto a minha pele cada vez mais gelada, adormecer lentamente sobre a janela branca daquele apartamento com grades.
 De vez em quando, eu ainda tentava abrir os olhos pra ver se o sol chegava, mas acreditar que a chuva caía sobre os meus ombros todos os dias, era pensar que em uma vida toda, se há chuva o suficiente, mas nunca houvera sol. Nem por três segundos sequer.

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