Enquanto a estranha madrugada de segunda-feira se aproxima e eu tomo um café já frio, talvez do dia anterior ou sabe-se lá de quando, observo algumas grades enferrujadas que formam uma pequena estrutura na sacada. Observo como se a noite fosse se tornar dia, como se tudo fosse desaparecer em um suspiro qualquer, ou em uma piscadela que vá me fazer hibernar pelo resto do ano. Não quando setembro chegar, mas sim quando outubro chegar... Ou novembro.
Vejo você, deitada de bruços, vestindo apenas uma calcinha branca. Você tem um sorriso malicioso, um corpo arrepiado coberto por hematomas que deixam vestígios dos acontecimentos de algumas horas atrás. Suas costas nuas, cobertas pela penumbra da lua crescente lá de fora, suas pernas esticadas pelo tapete acinzentado e seus lábios inferiores sendo vitimas de seus dentes, manchados de batom, borrados com as cores do amor. Cabelos espalhados e olhares trocados. Eu bebendo café, você fumando um cigarro e nossos rostos se encontrando em uma perfeita sintonia.
Ouço o silêncio por todo o apartamento. Estou sentada de frente a você. Tenho as pernas encolhidas e apoio meu queixo em uma delas, enquanto um de meus braços se apoia no chão e o outro, segura firmemente a xícara branca com alguns desenhos bestas. Tenho olhos fixos nos teus. Não tenho nada a não ser todo aquele sentimento e as maçãs espalhadas, rolando por todo o apartamento, simbolizando todo o feitiço ali lançado.
Leio seu corpo como Eros lia as delicadas e tão sensuais curvas de Psiquê. Te desejo como o mais poderoso dos guerreiros, Ares, desejava Afrodite. Te vejo rolando pelas gramas dos jardins gregos num belo outono português. Vejo o seu sorriso e lhe descrevo cenas da minha pequena e fértil mente. Mente estúpida, mente dirigida a todos os seus doces toques, símbolos daquilo que costumamos chamar de paixão. Sinto você como uma brisa quente, um verão qualquer em uma praia deserta ou em um campo minado em uma guerra no oriente.
Depois de lhe beijar, manchar a minha roupa com batom e me despedir, percebo que há em mim a maior fraqueza de todos os seres humanos presentes no planeta terra: Paixão e desejo.
E me calo, mais uma vez, vendo você adormecer comigo em mais uma noite estrelada vista de Vênus e de Marte.