De nove a dez, João gostava de onze, porque era impar e porque era do contra. João era solteiro. João vivia sozinho e trabalhava num escritório, aonde saía as onze da noite e passava no supermercado pra comprar salsicha enlatada, porque João não tinha tempo de cozinhar.
João tinha duas tatuagens e uma delas é um rabisco na nadega esquerda, porque não quis terminar. João era romantico e poeta, João assistia a novela das oito e sonhava em ser galã da globo só pra namorar a loira gostosa do comercial de cerveja e jogar na cara da sua ex-namorada que arranjaria coisa melhor.
João só usa microondas, porque é pós-moderno. Gosta de ler veja e fazer testes na internet nas horas vagas. Também gosta muito de estudar os seus colegas. João é um cara discreto que sabe do caso do seu patrão com a secretária que por uma ironia do destino, senta-se ao lado dele e fofoca com a amiga no telefone durante o horário de trabalho. João ignora porque João não se importa.
João não ri, João não chora, João não reclama, João não fala. João gosta beber cerveja e finge que gosta de futebol, porque os amigos todos adoram. João finge ser palmeirense. João não entende nada de futebol. João só entende que há prioridades (depois das onze) quando se tem um emprego. João também não gosta de namorar.
João já foi casado com Maria, que na noite de núpcias fugiu com José, que agora é dono de todo o mercadinho do seu Zézão, alí na rua debaixo. João nunca entendeu. João e Maria nunca se entenderam. Maria nunca nem voltou pra devolver os 10 reais do cinema naquela tarde de quinta-feira, quando se conheceram. Nem voltou pra agradecer. Maria fugiu e engravidou.
João já quis cometer suicidio. João já quis se sentir europeu. João tentou ser culto. Mas abandonou tudo pra resolver um teste sobre signos que acabara de aparecer no google. João é da época da internet. João é pós-moderno.
Também já quis ser anarquista, comunista, mas deixou de ser tolo. Gostava de comprar. Revistas. Só de palavras cruzadas, mas gostava de comprar. João decidiu aceitar sua posição como capitalista. João reclama de política sentado na poltrona da sala. João resmunga porque não fala. João não é mudo. Só não fala.
João acorda as onze e trabalha até as onze, porque gosta das onze. João não tem carro e pega o 311. João diz gostar de frio mas mora no calor. João é pós-moderno. João é brasileiro. João é reclamão.
Joga o jornal fora e não fuma maconha, porque faz mal. Mas João fumava. João só gosta das onze.
João é pós-moderno.
Pós-modernismo.
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