Pequeno relógio.

 O tempo tá voando. Olhei a minha volta e me perguntei se poderia sorrir. Os carros corriam na avenida em movimento ritmado, enquanto eu esperava a noite calar as últimas vozes daquele lugar. Cigarro no cinzeiro, fumaça no rosto.
 Revolução industrial.
 Salas vazias e radio ligado. A voz anunciava a data e as músicas.
 As mãos, suadas, com os dedos grossos e calejados entrelaçados.
 O chapéu que estreitava a visão e fazia sombra.
 1931 e vinte e dois anos. Juventude perdida em becos escuros no suburbio daquela cidade.
 Inverno e suor, esperança e morte.
 A saudade participava também.
 Copo na mesa, pensamentos distantes e dedos que agora se desprendiam lentamente.
 Se apoiaram no balcão de madeira e batiam suas pontas em um compasso quase perfeito. O barulho imperceptivel ignorado por algumas vozes ao fundo.
 Lábios aflitos e resscados.
 As marcas de suor no balcão e mãos que voltavam a se encontrar.
 Agonia e sufoco, gravata apertada, sobretudo pesado, calças surradas e sapatos manchados.
 Vinho. Muito vinho.
 Cinzas no cinzeiro, cigarro apagado e o isqueiro em chamas para mais um.
 Um trago a mais, um suspiro e um rabisco imaginario.
 Olhos se fechando, madrugada chegando, portas se abrindo e passos na neve.
 A arma no bolso esquerdo, gelada, mãos protegidas por luvas e pernas embriagadas.
 As palavras caladas, a agonia de viver sozinho e a vontade de pedir... Pedir algo, pedir arrego e suplicar por algo que talvez eu soubesse o que significava.
 Nunca pensei que fosse querer.
 Talvez dessa vez ou numa outra vida, num outro sapato coberto de neve e num chapéu panamá preto e cabelos...Cabelos... Deixa pra lá.

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