Um turno de doze horas.

 No silêncio, no escuro, estava eu entre bons sonhos e alguns pesadelos, até o coração acelerar de vez e os olhos se abrirem de forma com que eu não pudesse enxergar nada ao meu redor a não ser o medo que sentia naquele instante. Suor. Muito suor. Medo. Calor. Tudo misturado. Tudo estranho. Os lençóis amassados em cima da cama, o travesseiro branco e molhado pelo tanto de suor e as horas que nem pareciam existir. O escuro lá fora e nenhum barulho sequer. Eu parecia nem saber aonde estava. Parecia nem querer saber.
 Num suspiro e outro, me sentei na cama com uma expressão indiferente e talvez um tanto irritada. Sei lá o que se passava na minha cabeça. Levantei-me e quando fui até o banheiro, me assustei de novo e dessa vez, por duas razões: o rosto amassado com uma expressão deprimida no espelho e as horas que já estavam além das 3 da manhã. Provavelmente eu iria varar a noite e passaria o dia de amanhã totalmente desorientada, me perdendo em meus próprios pulos.
 Não sei o que me deu, o que acontece. Porque me importar com esses lençóis finos, rasgados? Marcados pelo cigarro de ontem a noite, o qual adormeceu em meus lábios enquanto tentava me sufocar com sua fumaça intensa e que parecia me levar pra bem longe. Não entendia muito bem do que se tratava afinal, se era apenas um ultimo cigarro ou se era apenas o último dos últimos cigarros. Se era o último maço e se queimaria como todos os outros. Me perguntei tanto pra não chegar a lugar nenhum.
 Depois, entre pernas e braços, dedos e olhos, a imagem de um rosto familiar. Um rosto que eu parecia ter visto recentemente. Um rosto tão belo, magro, estranho, cansado e assustado. Um rosto tão meu, tão seu, tão nosso, tão tudo. Todos os contos que eu pude escrever, todas as palavras que eu pude encontrar. Um rosto que as resumia em apenas uma expressão: medo.
 Aí então, se misturou com longas pernas, suadas, marcadas, tatuadas, cicatrizadas, estranhas e indiferentes. Elas corriam tanto e pareciam dar voltas e mais voltas, pareciam não chegar a lugar algum, pareciam acabar de repente e transformar todo aquele odor, toda aquela dor em apenas uma descrição familiar de mais um de seus contos banais e estupidos. Quem era eu sentada naquela janela estranha pensando no ultimo dos ultimos dos ultimos e dos ultimos? Não sei.
 A cama desarrumada então, simbolizava o meu processo de insonia, enquanto as horas no relógio pareciam caminhar conforme a música que tocava na rádio naquele instante. Estava desligada mas eu sabia. Eu sabia que algo alí estava para me lembrar de pequenas xicaras de cafés abandonadas ao longo da vida. Ao longo do ultimo gole e do ultimo suspiro. Dos jornais rasgados, das noticias, de tudo que me rodeava e eu simplesmente parecia ignorar por um instante ou dois, só pra tentar viver de forma que eu conseguisse enxergar algo além do mundo de papelão que eu insistia em viver.
 Embora eu soubesse melhor do que ninguém que esses pequenos deslizes cometidos por mim sejam maiores do que eu imaginava, eu simplesmente quis escolher a opção de cair de novo. Não tenho exatamente um porque pra tentar entender, não tenho leite o suficiente para alimentar toda essa angustia que cabe dentro de um pequeno ser como eu. Angustia demais. Palavras demais, poesia demais, sei lá, sei lá e sei lá.
 Só sei que quando já eram cinco da manhã e o cigarro já havia queimado até o filtro, decidi tomar um banho e recomeçar a vida, das 5 da manhã, as 5 horas da tarde.

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