"Minha pequena,
Quanto tempo faz que não nos falamos, certo? Ando escrevendo um bocado de coisas e criando coragem para te mandar cada uma delas. Cartas cada vez mais apaixonadas de alguém que sente falta de um certo verão numa certa cidade no interior do país. Talvez você se lembre melhor do que eu de como aquilo parecia ser um total desastre. Eu querendo estar em São Paulo pro show da minha banda predileta e você querendo estar em copacabana com as suas amigas, bebendo drinks na praia e curtindo o Rio de Janeiro. Que pena que eu nunca pude estar lá por você. Pra você, eu diria. Mas um dia ainda hei de te levar até lá!
O que você anda fazendo? Como andam as coisas por aí? Imagino que já tenha terminado o colegial, pois desde o nosso último encontro já se fazem uns cinco anos e lá tinhamos apenas 17 anos. Nem parece tanto tempo, né? Mas eu nunca consegui lidar com toda essa distancia que nos separa e eu realmente gostaria de estar contigo aí. Ainda vou! Disse que vou e ainda irei.
Se lembra daquele sabado a tarde? Logo depois do almoço quando não tinhamos nada pra fazer? Eu nem te conhecia, você nem me conhecia, mas foi aquela minha barulheira com o skate na rua que fez você sair para reclamar ou quando eu estava tocando violão e você queria estudar. Na verdade, convenhamos, essa minha mania de ouvir musicas barulhentas te encomodava bastante, eu sei. Mas tudo bem, no final das contas, você passou a gostar delas. Lembro-me exatamente desse dia do skate, depois de levar um tombo e ralar o joelho, você saiu de casa para reclamar e me viu com o joelho sangrando, até passar mal, porque detesta sangue e eu te peguei nos braços para te levar pra casa. Sua mãe achou que eu tinha algo a ver com a situação, que tentei te estuprar ou coisa do tipo, mas logo quando me identifiquei, ela soube que eu não era tão ruim assim. Sobrinho da querida amiga dela e então, tudo ficou bem.
Aí, no dia seguinte, você foi me agradecer. Lembro-me que desde então, você se ofereceu para me fazer companhia e me mostrar a cidade que não era tão grande assim. Demorou apenas algumas horas para que fossemos até o final dela e voltassemos e você me contava todas as histórias, tudo o que acontecia por alí, me dizia quem era quem e tudo o que se passava naquele lugar que para mim, até então, nunca significou nada. Até encontrar você por lá.
Lembro-me daquela sexta-feira. Você foi até a casa dos meus tios para que eu fosse contigo até o parque. Nos sentamos naquela grama tão molhada e tão verde, aquele cheiro único e especial que ela possuía e você sorriu. Conversamos tantas bobagens, rimos tanto e até os segredos mais profundos que tinhamos, compartilhamos. Nunca pensei que fosse se tornar tão especial até encontrar você. Aí então, o tão esperado beijo aconteceu e você deixou de sair com seus amigos para ficar comigo durante a noite inteira. Sabiamos o que estava por vir depois.
Se lembra de quando o verão parecia mais longo do que todo o ano escolar? Que todos aqueles momentos pareciam fazer o tempo parar? Que as noites eram imensas quando estavamos separados? Era triste ficar sem você e voltar para casa apenas com seu cheiro em minhas roupas. As vezes, eu brigava muito com a minha mãe para não lavar minhas roupas, só porque o seu cheiro ainda estava alí.
Eu tenho tanto pra dizer, mas espero para dizer quando você me responder, porque então, podemos dar um jeito de nos encontrar e finalmente, ficarmos juntos. Não se esqueça jamais de mim, pequena. Vou estar sempre esperando você bater na porta da casa dos meus tios nas férias de verão, embora eu não saiba se você chegará a ler isso.
Te amo. Com todas as minhas forças.
M."
- Encontrei essa carta já tem algum tempo. Ninguém sabe quem pode ser esse tal de M. mas os moradores creem que a familia desse rapaz já se mudou daqui tem muito tempo. O pior é a moça, ele nem sequer cita o nome dela. O problema é a data da carta.
- É, mas ele não descreve e nem nada né? Pode ser que tenha assinado com um pseudônimo também.
- Nunca vamos saber, só sei que essa garota nunca receberá essa carta. - Olhei um tanto desconfiada para aquele pedaço de papel surrado e manchado em minhas mãos. Parecia ser de muito tempo e ninguém parecia reconhecer os dois jovens apaixonados. Dei um longo suspiro e embrulhei a carta novamente. Fui até o parque da cidade, porque ainda continuava sendo o unico e pela descrição, pude localizar o lugar. Encontrei alí uma arvore que possuía algumas marcas e vi o mesmo M que estava assinalado na carta juntamente com um C que estava na arvore. Arqueei a sobrancelha esquerda mas logo entendi.
Embrulhei a carta em um plastico bolha e no canto da arvore, abri um pequeno buraco, enterrando-a alí. Não sei bem o que havia acontecido entre esses dois, nunca imaginaria algo desse tipo mas sei que infelizmente, nunca ficaram juntos. Era um amor de verão, que talvez tivesse se tornado muito mais do que isso. Mas me pergunto se depois de 50 anos dessa carta, ainda sentem algo um pelo o outro ou se a garota chegou a algum dia, responde-lo. Ou se estão juntos, sei lá.
É uma triste história de amor. Só isso. Me reergui em meus pensamentos e decidi voltar para casa. A noite seria longa e fria e eu mal sabia que no final das contas, eu mesma sabia demais.
Do you remember when the summer felt as long as the school year?
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