Somos dois.
Mentira.
Eramos dois. Já fomos dois, agora somos só eu e ele. Ele e eu. Tanto faz, a ordem nunca vai mudar. Mas ele é ele e eu sou eu.
Viviamos juntos por conveniencia, só pra dizer que tinhamos um companheiro no quarto ao lado pra tomar um café e bater papo, quando estavamos de bom humor e não cansados demais para nos olharmos. Só pra dizer que tinhamos alguem pra trazer uma cerveja e reclamar das magoas da vida. Sei lá.
Só sei que um dia um tal de Paulo bateu lá em casa procurando por ele.
- Ei, tem um tal de Paulo na porta te procurando.
- Como?
- Tem um tal de Paulo na porta perguntando por você.
- Mas como? Eu não conheço nenhum Paulo.
- Tem um Paulo te chamando lá, oras. Ele disse que te conhece, parece ser um homem singelo.
- Mas não conheço nenhum Paulo. Ele disse de onde me conhece?
- Não, mas está com uma camiseta preta e fuma Marlboro e está perguntando por você.
- Não conheço ninguém com esse nome e que fume Marlboro... É red?
- Provavelmente.
- Então não sei quem é.
- O homem está te esperando, vai deixa-lo lá?
- Sim. Eu não sei quem é.
- Você é realmente ignorante, sabia? - Cerrei meus dentes enquanto caminhava até a porta, a ignorancia dele certamente me irritava por demais. Sabe-se lá quem era o tal de Paulo. Talvez um amante. Um ex-amante. Um ex-amor. Um ex-colega. Um primo, parente.
- Desculpe, mas ele alega não conhecer nenhum Paulo.
- Como não?!
- Diz ele que não conhece nenhum Paulo que fuma Marlboro red. O senhor pode estar confundindo-o com outro que tenha o nome parecido, talvez.
- Não. Eu sei quem ele é. Ele sabe quem sou.
- É um estúpido. Vou voltar a falar com ele. - E queria entender porque diabos isso estava acontecendo. Pareciam estar me sacaneando. De um lado, o tal de Paulo barbudo que fuma Marlboro red jura de pés juntos que o conhece, do outro lado, o ignorante do cabelo mal cortado insiste em dizer que não sabe quem é Paulo. O que diabos eu faço numa hora dessas? Mando os dois ir a puta que pariu? Talvez esteja exagerando. Ou talvez eu esteja realmente perdendo a paciência.
- O tal de Paulo ainda tá lá. Vá até lá ver o que esse homem quer e depois você volta a ler esse maldito jornal!
- Já disse que não sei quem é Paulo! Mas... Ele usa óculos?
- Usa. Tem olhos castanhos, meio estrabicos.
- Ah, então eu desconheço.
- Então por que pergunta? Vá até a porta e fale com o rapaz! Veja o que ele quer!
- Não o conheço, pra que vou lá?
- Vá até a porra da porta e fale com o desgraçado, estou de saco cheio de você.
- Porque está tão nervoso hoje?
- Porque isso parece piada.
- Já disse que não conheço nenhum Paulo!
- Então vá a puta que pariu e vá atender o maldito homem, agora você conhece o maldito Paulo! - Já estava irritado o suficiente para lhe arrancar o jornal das mãos e faze-lo ir até lá. Esse jeito de desligado, que não dava a minima pra nada me deixava puto da vida. Era incrivel como ele conseguia me broxar até na hora do sexo, sem nem dar satisfação. Era ridiculo. Talvez por isso e por outros motivos, a gente não se entenda.
- Escute, senhor Paulo, ele insiste em dizer que não lhe conhece. Poderia me dizer de onde é?
- Ah, nós fomos casados durante uns anos...
- Desculpe?
- Fomos casados... E eu queria dizer a ele que serei pai.
- Foram casados?
- Sim, assim como vocês.
- Não somos casados.
- Ah...
- Mas meus parabéns pela paternidade.
- É, a filha é da prima dele.
- Como?
- A filha é da prima dele. - Que confusão.
- Parabéns.
- Obrigado. Vou-me indo. Entregue isso a ele. - E me deu um envelope branco com algo dentro que parecia ser um convite. Não fui curioso e logo entrei em suas mãos e como sempre, ele não deu a minima. Mas no final daquela tarde, depois do tal do Paulo da barba mal feita, dos olhos castanhos estrabicos e que fumava marlboro red havia batido na porta lá de casa, ele nunca mais fora o mesmo. Parou de reclamar depois que leu aquele envelopezinho com sei lá o que. Algum tipo de magia. Só sei que transamos em todos os comodos da casa e um mês depois, decidimos voltar a sermos um. Mas ainda sou eu. Bem mais eu. Eu acima dele.
...Egoísta.
O tal do Paulo
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