Conheci um cara semana passada que gostava de contar coisas. Ele tinha um bigode engraçado, uma postura de militar e uns olhos tão verdes que chegavam a me cegar. Tinha um sorriso singelo, talvez um bocado sincero, uma risada sarcastica e uma boina vermelho vinho. Ele era engraçado e o nome dele, eu acabo de esquecer.
O tal do bigodinho com postura de militar que gostava de contar coisas, me disse que tinha medo do mundo lá fora. Sabia ele que não sofreria muito, pois já sofrera o suficiente, mas morria de medo das pessoas e do que podia lhe acontecer, principalmente das coisas bonitas. Das coisas que o encantavam. Então, para evita-las, ele sempre corria, fugia e se escondia, em qualquer lugar aonde encontrasse coisas para poder contar, de zero a cem, de zero a dois mil ou coisa parecida. Nunca entendi muito bem. Só sei que ele contava até demais.
Ele me disse que em sua mente, tudo era lógico e racional, assim como matematica e todas aquelas equações que nos parecem inuteis quando as aprendemos na sexta série. Mas que tudo era como uma rede de pensamentos lógicos, com sequencias programadas, onde tudo funcionava direitinho e raramente sofria com falta de energia ou problemas mecanicos. Uma verdadeira revolução industrial dentro de sua mente-calculadora (eu poderia chamar assim, porque nunca consegui contar duas mil coisas sem me perder nesse meio tempo) e que a irracionalidade das pessoas, ou seja, as emoções das pessoas o faziam ficar confuso. Talvez entrar em parafusos, porque, de fato, ele nunca compreenderia lágrimas, beijos, carinhos e emoções.
Eu concordei com ele em alguns aspectos e realmente, as pessoas são bem confusas, mas mesmo que fossem 'programadas' para sentir alguma coisa, era o que chamavam de 'comum'. Gente como o tal do bigodinho com sua super mente calculadora eram vistas como pessoas anormais e sem sentimentos, embora eu soubesse que por trás daquele bigode, haviam muitas histórias para se contar, embora ele as trocasse por contas e mais contas. Talvez seja por isso que ele goste tanto de contar as coisas, pra se distrair e não lembrar das coisas que realmente o rodeiam. Não sei.
Entre um café ou dois, ele me contou sobre suas decepções de forma tão indiferente que chegou a me deixar confusa. Ele falava com um tom tão normal, a voz nunca esteve tremula, uma firmeza sabe-se lá de onde veio. Talvez tenha aprendido no exército. Só sei que entre suas histórias, houve uma que me deixou um tanto surpresa.
Quando ele tinha lá os seus 22 anos de idade, fruto da juventude ainda, conheceu uma garota. Uma garota qualquer, ela não tinha olhos verdes, mas tinha o coração dele. Tinha tudo o que ele possuía e numa tarde de domingo, pelo que ele me disse, segundo domingo de Dezembro, ela havia anunciado a sua partida. Ele não soube o que fazer, ficou confuso, tentou resolver o problema de várias maneiras diferentes, mas acabou perdido e sem rumo. Disse que ela havia sido a unica pessoa que ele havia amado em toda sua vida. Não houveram outras antes dela e nem depois dela. Apenas a paixão por contar coisas, dom que ele descobriu três meses depois de ter sido abandonado pela tal garota de olhos castanhos perversos.
Depois de muito bate papo sobre esse período dificil em sua vida, lembro-me apenas de ter tido a impressão de ter visto lágrimas em seus olhos verdes, mesmo que ele as segurasse para não cair. Lembro-me de tudo o que ele havia me dito e lembro-me de tê-lo admirado pelos seus pensamentos tão calculistas que de vez em quando, lembravam-me de mim mesma. Só sei que dito isso, ele apenas citou uma pequena frase da música do Cat Stevens, que dizia "Oh baby, baby it's a wild world", que foi o que ele havia cantado para a garota uns dias depois da mesma ter partido. Eu concordei.
O mundo sempre será selvagem, não importa o que. Acho que por isso e mais outras coisas, essa música se tornou uma das minhas favorita e se não for a favorita. Que mundo selvagem.
Mundo selvagem.
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