Deus Mar.

 As ondas alcançavam as pedras, na beira do mar.
 Batiam, rebatiam, atacavam e recuavam como quem se afobava.
 Era um belo pôr-do-sol, observava com atenção enquanto o azul se transformava em laranja e que por fim, se escurecia, deixando a perceber alguns pequenos detalhes espalhados, que brilhavam conforme as ondas invadiam o cais.
 Pessoas andavam de um lado pro outro, bebiam bebidas, conversavam entre si, fofocas diárias de um lugar completamente utópico, enquanto eu observava de longe, os olhos dela, fissurados em outros olhos que a acolhiam com afeto, se jogando naqueles braços e nem via.
 "Pela manhã estou partindo, pela manhã estarei longe, pela manhã eu nunca mais a verei."
 Eu era marinheiro, rei dos sete mares, idolatrado pelo descobrimento das américas e das indias, encantado por percorrer o mundo pelas correntes, pelas ondas, pelo grandioso Deus mar que andava me guiando desde cedo, desde meus 17 anos.
 Ela? Bem, ela era ela. Ela era o meu amor, a dona de meus olhos, de meus lábios, de minhas mãos, de meus abraços. Era a ela que eu gostaria de pertencer e deixar Deus Mar para depois, era por ela.
 A manhã foi rapida e o embarque instantaneo, quando subi, percebi que o mar me levaria mais dessa vez, ele realmente me levaria para conhecer outros cantos... Cantos que nunca tive coragem de conhecer.
 O navio embarca, ela fica para trás. As ondas nos levam, Deus Mar nos carrega, nos guia para um lugar qualquer... Talvez pela direção norte ou sul, não me recordo muito bem mas escrevia com clareza o que aconteceu.
 Jovens apaixonados se entreolhavam numa bela noite de primavera enquanto eu os observava, de longe, da cabine, solitário. Lembrava-me de ti, como quem não queria nada, como quem queria tudo, como quem não soubesse de nada.
 Os dias iam passando, as ondas me levavam e Deus Mar sabia. Deus Mar entendia. Deus mar levava. Deus Mar cegava. Inconsequentemente, nuvens nos acompanhavam e os pequenos brilhos do céu nos ajudava. A fé não havia acabado ainda e continuavamos a lutar.
 Era água salgada por todos os lados. Algumas chuvas doces também. Era o destino que me levava.
 No entanto, durante uma madrugada, ouvia-se algumas vozes a cantar melodias que me faziam falhar e sentir falta da terra firme, dos olhos dela que nunca foram meus. As canções continuavam e eu, hipnotizado, continuava a velejar em alto mar, perdendo-me em pensamentos, escrevendo cartas e mais cartas e atirando-as no mar, como quem gostaria de apagar todas as pequenas memórias de uma pequena cidade com um grande amor.
 Meus olhos eram teus, mas eu me devotei ao grande Deus Mar que me levou. Que só me levou. Seguindo as canções do vento para lugar qualquer.

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