Rua escura, noite estrelada e as vozes se misturando na esquina da padaria.
Não era muito tarde, bastava ser meia noite e nada mais se ouvia por alí. As luzes sempre apagadas, passos as 23:30, talvez 23:45, caso estivesse atrasado e mais um monte poeira. A droga da rua nem sequer era asfaltada e isso facilitava o escurecimento das paredes do quarto dela, que já estavam amareladas.
Menina diferente e de poucos amigos. Fumante profissional e entediada por natureza. Olhos verdes, cabelos castanhos e uma vida inteira pela frente.
Hoje, não pensou que pudesse ser diferente e quando se sentou na janela de seu quarto para fumar o ultimo cigarro antes de dormir, ouviu ruídos que lhe pareciam comuns. Olhou para os lados e nada pôde ver, a não ser um reflexo em branco caminhando sobre a poeira. Forçou a vista mais um pouco para que pudesse enxergar melhor e vindo de sul para norte, estava lá, um rosto desconhecido, uma boina que parecia ser preta, uma camisa branca que já estava amarelada e calças surradas com sapatos que pareciam estar manchados.
Derrubou seu cigarro pela janela enquanto ele se aproximava e assustada, deu um pulo para trás enquanto os olhos irreconheciveis, porém azuis, debaixo daquela boina preta a fitavam.
- Boa noite. - Disse, num tom sutil, tentando não assusta-la. - Não vim lhe fazer mal, eu queria apenas... Lhe pedir uma informação.
Ela, ainda assustada, fitou aqueles olhos azuis e com firmeza, escondeu o medo, aproximando-se da janela.
- Diga.
- Então... É que eu não sou daqui e estou procurando uma pequena vila nessa mesma direção.
- Qual o nome?
- Bem, eu não sei ao certo... Acho que é uma vila de pescadores.
- Ah sim, sei de qual está falando. Pode continuar nessa direção que chegará lá.
- Tudo bem, obrigado. - Ele deu um sorriso, enquanto acenou e preparou-se para ir.
- Você é pescador? - Ela o interrompeu de partir.
- Não... Na verdade, eu estou atrás do La Sierra Roja. Um navio argentino que está para partir. Eu quero navegar, conhecer os mares do mundo todo, quero sair, quero fugir. Quero esquecer tudo de ruim que já me aconteceu.
- Acha que sendo marinheiro fará isso? Tá ouvindo muita Adriana Calcanhoto, não acha?
- Não, não acho. Eu penso que como estou vivo, eu deveria tentar. Pode ser o que me faça feliz! Não preciso ser necessariamente um médico ou coisa do tipo, talvez eu precise estar lá, conhecendo os mares, navegando por todos eles e descobrindo coisas que nunca imaginara!
- Desculpe, mas... Não sei se posso concordar.
- Sim, eu imagino que não concorde. Eu quero experimentar algo que talvez possa me fazer feliz, porque muitas vezes o que nos faz feliz realmente, nunca é o que imaginamos! Talvez o que nos faça feliz esteja tão perto e nós nem ao menos possamos enxergar. Talvez eu tenha que me afogar na maresia para poder entender.
Ela se calou, ouvindo-o com atenção e em certas partes, ele tinha razão.
- Porque não se aventurar? Porque não tentar? Pode ser que o final lhe surpreenda, não? Eu acho que devo tentar. Você acha que deve tentar?
E logo ela pensou em milhares de coisas que gostaria de fazer, mas que nunca pôde e logo deu um sorriso de canto.
- Com certeza.
- Então tente, antes que seja tarde. Antes que se arrependa apenas de não ter tentado. - E sorriu. - Mas preciso ir. Preciso encontrar esse navio e enquanto a você. Tente! - Voltou a caminhar na direção indicada por ela, logo se perdendo no meio da poeira amarelada enquanto ela se perdia em seus pensamentos distantes depois de uma pequena conversa estranha com um estranho que gostaria de ser marinheiro porque talvez, isso fosse o que lhe fizesse feliz e depois... Porque não se aventurar?
Sussurrou algumas coisas e sorrira, desta vez, abrindo de vez a sua janela para não ter medo, para não se entediar e para, quem sabe, ser feliz.
Conversa de estranhos.
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest