Uma conversa entre amigos.

 O som do copo outra vez selou o ínicio de mais uma troca de olhares um tanto perturbadora. As pernas cruzadas, cheiro de um cigarro já extinto e um pouco do barulho da cidade pra nos acalmar as batidas. O vento soprando de fora pra dentro, com uma brisa gelada, nada comum em Cuiabá e pensamentos distantes que não podiam ser ouvidos por nenhum de nós.

 - Isso não importa mais.
 - Acho que importa sim... Como você pode achar que não importa sendo que não está feliz do jeito que é agora?
 - Não sei. Me perdi pelas ruas da vida já tem muito tempo. Me desencontrei comigo mesmo e agora esse vazio todo deve ser algo totalmente normal.
 - Você não pode ir embora de si mesmo... Quer dizer, talvez até possa, mas não acho que não há alguma razão.

 Outro silêncio. Ele realmente tentava desviar do assunto toda vez que tocavamos no mesmo. Ele me fez voltar a fumar e me fez abrir a cerveja mais gelada pra uma noite não tão gelada. Ele me fez ficar acordada tentando acreditar em vários motivos pra que a gente entenda isso tudo... É só uma hipótese, acho. Laire é cheio de hipóteses. Cheio de tanta coisa.

 - Acho que cê deveria ser menos sentimental.
 - Eu?!
 - É...
 - Eu sei lidar muito bem com isso.
 - Sei não.
 - Cê não sabe o que fala as vezes, Laura.
 - É uma hipótese?
 - Não. Uma afirmação.
 - Acho que cê ta blefando.
 - Se eu blefasse, ganharia! Aposto.
 - Sempre apostando, não?
 - Claro. É assim que funciona, não é?
 - Acho que sim...
 - Você acha que eu deveria me arrepender de ter me perdido?
 - Acho que não. Depende. Você gosta?
 - Gosto. Me faz feliz. Ficar perdido me faz feliz. Eu não tenho do que temer e acho que também não tenho muito a perder, sendo que o que eu tenho a perder, eu nunca coloquei em jogo.
 - Percas são normais. Fazem parte, acho. Quanto mais se perde, mais se ganha... Já ouviu falar algo do tipo?
 - É, já sim. Bem clichê, na realidade.
 - Devo concordar que sim. Tem gente que não entende. Tem gente se vendendo no jornal, dá pra entender?
 - Dá não. Se desse a sociedade talvez não fosse tão confusa.
 - E tão inútil, tenho que complementar.
 - Sim, isso é um real fato... Fazemos parte disso então podemos dizer.
 - É, creio que sim. Qual o preço de se entender tudo isso, hein?
 - Frustração pelo resto da vida?
 - É, eu não pago pra ver.
 - Nem eu.

 Outro silêncio. Era bem comum já, a gente se entendia sem se entender muito bem. Ele me entregou a cerveja e eu dei outro gole antes de abandonar a garrafa em cima da mesa de vidro novamente. Fechei os olhos e senti o cheiro, o barulho do isqueiro e o Laire acendia outro cigarro.

 - Quer um?
 - Pra quê?
 - Tem medo de morrer?
 - Tenho não.
 - Então fuma mais um. Faz uma hora aí. Faz um tempinho aí que logo o dia chega e a gente vai embora.

 Sorrisos trocados, cigarros acesos e uma noite inteira contemplando uma imensa escuridão coberta de nuvens alaranjadas pelas luzes da cidade. Meu suspiro, suspiro de Laire e um conto qualquer que poderia ter sido apenas uma hipótese... Não é, Laire?

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