Exposição

 "Eles disseram que você deveria desaparecer."

 "Egoísta."
 "Desequilibrada."
 "Infantil."
 "Doentia."
 "Neurótica."
 "Depressiva."
 "Destruidora."
 "Teimosa."
 "Cabeça dura."
 "Impaciente."
 "Mentirosa."
 "Estúpida."
 "Ansiosa."
 "Covarde."
 "Sensível."

 ...

 - Seu diagnóstico, senhora.
 - Obrigada.
 - Deseja iniciar um tratamento intensivo para a sua cura?
 - Deveria?
 - Sim. Faria bem, seria saudável para você e para os que lhe rodeiam.
 - Ok, diante disso, acho que não posso relutar.
 - Certo. Assine aqui. E aqui. E mais aqui.
 - Pronto.

 ...

 O quarto branco. Uma mesa de madeira no canto, um pequeno vaso contendo flores coloridas em cima da mesma, uma porta de metal pesado, trancado as sete chaves, uma cama mofada, coberta com lençóis brancos com algumas manchas de sangue a vista. Meu olhar é fixo na pequena janela, com grades enferrujadas, me levando a beira de um precipício.
 Eu enlouqueci.
 Tentei morrer de amor.
 Tentei morrer de mim.
 Eu falhei.
 As palavras já deixaram de fazer sentido há muito tempo. Os lábios pálidos, rachados, vez ou outra mordiscados pelos dentes amarelados, sangram levemente ao olhar incansável em busca de uma esperança.
 Esperança?
 Que merda.
 Não existe tal coisa.
 Desilusão.
 É o que existe, é o que me rodeia, o que me cerca, a tristeza eterna de odiar o que sou.
 O que me tornei.
 O que sempre soube que era, mas que tentava esconder.
 O que se é ruim por natureza, nunca se torna bom, por mais que tente, sempre será.
 Nunca vi diarreia virar sopa de ouro.
 Nunca vi morte se transformar em alegria.
 Nunca vi cigarro curar o câncer.
 Nunca vi injustiça se tornar justiça.
 Nunca vi dor se tornar alegria.
 Nunca vi tristeza se converter em sorrisos.
 Acreditei que haveria sol, mas desde que cheguei, só vejo chuva, e apesar de gostar de dias chuvosos, detesto saber que vou me afogar nesse quarto novamente.
 Esperando, mais uma vez, para ver o que nunca irei ver novamente. O que acreditei ser parte de mim, mas que nunca fora, que não deveria ter me revelado, que deveria ter me contido, fingido ser o que gostavam que eu fosse.
 Uma mentira. Um grande balde de merda que parecia nunca estar só. Que não era infantil. Que era forte, rude, ignorante, sempre centrado em ideias banais.
 O ódio de ser o que sou.
 O asco de viver na pele em que vivo.
 A vontade de doar essa vida pra quem quer viver mais do que eu.
 Eu. Que sou mais uma em sete bilhões.
 Que não significo quase nada, ou nada mesmo. Nem um ponto final.
 Que acordou, mais uma vez, por outro pesadelo.
 Que não se perdoa. Que gostaria de ser tão diferente.
 Que se importa.
 E que, infelizmente, sente falta do que nunca foi seu.
 Que se joga nos braços de outra pessoa e enche teus olhos de lágrimas, de fúria, de raiva, por ter se convencido de tantas coisas, por ter tentado, por carregar tantos sentimentos que gostaria que desaparecessem. Que simplesmente confirma a tese de que todos os Homo Sapiens são um bando de saco de merda, incluindo a si mesma, já que faz parte dessa raça tão desgraçada.
 Que se desespera, que não se move, que seus braços estão amarrados, mais uma vez, naquela camiseta que lhe aperta o peito, o coração que pára de bater a cada dia que se passa. As lágrimas molhando, deixando seu corpo com calafrios, sentindo frio, medo, uma solidão tão grande, uma angústia, uma raiva.
 De saber que enlouqueceu.
 Que ninguém lhe da ouvidos.
 Que morrerá assim, porque gente do seu tipo deveria estar em lugares como esse.
 Nesse quarto branco, amarrada até a morte, com uma chuva lá fora e uma porta que não se abre pra visitas, desde quando...
 ...
 ...
 ...
 ...
 ...
 Lágrimas e desespero.
 Dor.
 ...
 ...
 ...
 ...
 E só... Eternamente só. Exposta, abandonada, fodida e odiada...
 Morrendo só...

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