Um dicionário

- Sentir dor deveria ser proibido. - Disse.
 Hesitei. Pensei comigo mesma "Como sentir dor deveria ser proibido? Como os poetas viveriam? Como as coisas funcionariam?".
 - Por que sentir dor deveria ser proibido?
 - Nascemos para a felicidade. Nunca ouvi dizer que nascemos para a desgraça, apenas para sermos felizes.
 - Quem disse isso? Isso não é uma lei.
 - Claro que é! Chico disse isso por si próprio.
 - No mundo dele, uma lei somente dele, isso não se aplica ao mundo real.
 - Quem gosta de sentir dor? Por acaso você é algum tipo de masoquista?
 - Eu não sei. Poetas sentem dor. Muita dor.
 - Muita dor? Você quer levar vida de poeta?
 - Sem dor não haveria literatura.
 - Sem dor não haveria choro, isso é bom. Não gosto de me remeter ao fracasso.
 - Nem sempre sentir dor é fracassar...
 - Você é maluca. Quem é que gosta de sentir dor?
 Outro trago no cigarro amarelado, um olhar profundo que explicava o vazio enorme que me consumia naquele instante. Suspirei, tentando encontrar uma solução, tentando afastar pensamentos, querendo descordar em concordar com essa coisa toda de dores-inúteis, acreditar que isso finalmente colocaria um fim a tanta coisa que se passa em minha mente.
 - Sentir dor é tão normal, eu acho... Se não houvesse dor, não haveria felicidade... Qual a graça de desconhecer um sentimento ruim que pode ser substituído por aquilo que o homem tanto procura?
 - Pra ser feliz precisa sentir dor?
 - Sim. Se não, não seria felicidade. O que seria?
 - Eu não sei. Algo vazio?
 - O que você sente todos os dias se excluir a dor. Você ri, mas é inútil rir quando em um momento você nunca soube o que era chorar.
 - Então talvez faça parte.
 - Faz sim.
 - Já foi feliz?
 - Já sim. Também fui triste. Na maior parte do tempo, me sinto vazia, mas há sempre algo que faz com que eu me contente com o que eu tenho.
 - E o que é?
 - No meu dicionário, eles chamam de Bárbara, não sei como se chama no seu.
 - E depois?
 - Depois dizem que o sofrimento é proporcional a felicidade vivida, mas isso é coisa clichê do Federico Moccia.
 - Não sei... Parece confuso.
 - Confuso é encontrar alguém que coloca seu mundo todo de cabeça para baixo e, no instante em que você sente que isso tudo pode desmoronar, é como se não precisasse de princípios.
 - Como assim?
 - Perder algo que você ama... Chegar perto disso... Não existe dor que se compare a tantas lágrimas derrubadas por tanto tempo.
 - E acha que isso vale a pena?
 - Claro, no final das contas, talvez exista algo que possa fazer voltar... E se voltar, acho que é melhor ainda.
 - Porque?
 - Pois nem lágrimas explicariam a alegria de ter todo o seu ar de volta num momento de sufoco. É como se afogar num mar raivoso, com chuva e trovões, encontrar uma ilha, esperar a chuva passar... O sol volta, tudo fica bem.
 - E ela?
 - Eu espero, oras. Se o sol raiou, há esperanças de que ela possa voltar.
E ele sorriu. Talvez tenha entendido como me sinto diante de tantas coisas nesse mundo. Um sufoco que mata a alma, palavras que entopem suas veias, lembranças que vagam pela cabeça. A esperança que no fim, nunca acaba.

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