Eu disse que tinha medo de rodas gigantes

- Ter medo pra quê? Vamos! O máximo que pode nos acontecer é uma morte terrível e dolorosa. - Um tom de deboche acompanhou suas palavras cruéis. Eu, medroso, com problemas respiratórios, óculos de grau e meio metro de altura, já estava praticamente me atirando em qualquer beco que eu pudesse encontrar. Tinha dito a ela que odiava rodas gigantes, mas tudo o que ela faz é ignorar o que eu digo. Eu odeio altura. Odeio a tosse maldita que começou a me atacar. Eu odeio essa ferrugem.

 - Pare com isso! Vamos subir! Estou animada.
 - Vá sozinha! Não quero ir.
 - Ora! Não seja medroso.
 - Sou medroso, deixe-me em paz!
 - Nada disso. Estamos juntos. Ou vamos ou não vamos.
 - Então não vamos!
 - Ainda não me convenceu!

 E com suas mãos, me puxou pelos pulsos até a entrada da bendita maldita roda gigante. Aquela esfera pelo menos cinquenta vezes maior do que eu fez com que toda a saliva presente em minha boca sumisse rapidamente. Seus suportes estavam tingidos numa cor amarela que me lembrava urina, e suas cadeiras eram azuis. Parecia uma porra de uma roda gigante de patriotas, pois além do mais, possuía pequenos detalhes em verde.
 Na fila quilométrica, haviam crianças de vários tipos. Das mais remelentas e catarrentas até mesmo as mais mimadas e irritantes. A excitação delas era perceptível e eu, por ter quase 30 anos nas costas, já estava me sentindo envergonhado por ter pavor de altura. De rodas gigantes. De uma bosta gigante. É exatamente isso. Mas ela insistia tanto que eu nem poderia dizer. Eu nem poderia contrariar.
 Ao sentar minha bunda naquela ferrugem desgraçada e patriota, a esponja negra que habita meu corpo e que eu carinhosamente chamo de pulmão, passou a reagir. Os cigarros, apesar de serem deliciosos, haviam me deixado um belo presente. Agora eu não conseguia mais me aventurar sem tossir até a morte... Para isso eles valeram, mas não me salvaram de uma maldita roda gigante.

 - Vai ser divertido!
 - Diga por você.
 - Você é tão rabugento... É por isso que não se diverte.
 - Não venha me dar aulas de como me divertir. Eu preferia estar em casa lendo, fumando e bebendo.
 - Sim, se afogando aos poucos na sua própria desgraça. Apenas tente se divertir.

 Com um tranco, aquela coisa já estava rodando. O carrossel ao lado tocava uma música macabra que combinava perfeitamente com o ritmo que meu estômago seguia de descer e subir. Senti um certo sufoco, meus olhos se fixaram nas ferragens cor de qualquer coisa menos de ferro, enquanto a cadeira balançava conforme o ritmo do vento. Eu engolia em seco, ela sorria. A sensação era péssima.
 Depois de chegarmos ao topo, seus dedos me cutucavam para que eu pudesse abrir meus olhos e enxergar a cidade inteira, que estava coberta de poeira pelo clima seco que fazia naquele inverno estranho. Meus olhos se arregalaram quando se depararam com a imensidão que estava abaixo de meus pés. O medo intenso se transformou em uma explosão de sentimentos que eu não pude nem ao menos lidar. A sensação de tê-la segurando minha mão me trouxe para a realidade e pude perceber que afinal de contas, eu nem estava tão perdido assim. As tosses pararam, o efeito de ser uma gelatina humana também acabou. Meus olhos se acalmaram, procurando os olhos dela para poderem se apoiar. No instante em que se encontraram, eu soube que poderia ser diferente. Engoli em seco e soltei sua mão. O medo voltou.

 - Achei que você tinha superado.
 - Não é tão simples assim!
 - Não mesmo?
 - Não.

 Então, seus abraços envolveram o meu pequeno e gélido corpo. Nossas respirações se encontraram, e ela ouvia perfeitamente o som dos batuques do meu coração. Fechei meus olhos e deixei que seu abraço permanecesse assim. Encontrei motivos e razões para fugir, mas eu estava encurralado. Encontrei coisas pra fazer, dias pra contar, horas pra alterar, cartas para escrever, sentimentos para superar.
 No final das contas, quando meus pés tocaram o chão e meus olhos se abriram, a minha surpresa foi maior. Ela ainda estava lá. Eu ainda estava lá. Nós nos olhamos e seus olhos, curiosos e questionadores, esperavam que eu dissesse algo mais produtivo dessa vez. Lhe ofereci o meu melhor sorriso e com dois passos, me levantei da cadeira, ajudando-a a se levantar. Quando caminhamos em direção a nossa casa, ela então quebrou o silêncio.

 - Foi tão ruim assim?
 - Não, nem tanto.
 - E o medo?
 - Ah, eu não sei.

 Ela apenas sorriu. Eu sorri porque soube que naquele instante, ela havia descoberto que no fundo da minha carcaça enferrujada, o medo de rodas gigantes havia sido superado. Agora, elas não pareciam mais me assustar. Seus pedaços de ferro eram apenas uma maneira de explicar que não importa o que aconteça, se ninguém por a cara a tapa por nada, nunca vai aprender a viver. Eu pus por ela, ela continuou sorrindo por confiar plenamente no que eu estava lhe oferecendo. Se vai valer ou não, eu não sei, mas no final, vai doer como se fosse qualquer outra coisa e é assim que funciona... O mundo é uma roda gigante de espinhos, é só saber andar, balançar na hora certa e descer apenas quando seus pés encontrarem o chão. Fugir nunca é a solução.

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