Desalmados

 Minha pequena,


 Há muito tempo vago sem palavras para tanta movimentação nesse meu mundo tão inconstante. Tudo tem sido muito claro, com uma obscuridade quase que imperceptível, e nos tornado parte de algo que antes não fazia parte de nossas poesias. Das nossas políticas, dos nossos cigarros, cafés, assuntos banais de um sábado a tarde. Um mundo com diversos novos dialetos passou a reinar o nosso pseudo-estado, nos transformando em criaturas ferozes, famintas, estranhas e desconhecidas. Nós que não andamos mais descalças pelo chão de areia movediça desse nosso eterno deserto de almas abandonadas. Vazias. Pálidas.
 Tantas palavras foram riscadas nesse pequeno rascunho que já está ficando curto para se tornar uma carta. Esse pedaço de papel manchado com cerveja, um pouco de café nas pontas, um cheiro insuportável de boteco e de vômito rodeando os meus sentidos. Você, que é parte do meu eu tão desalmado. Você, de quem eu sinto falta nas noites de outono em minha casa abafada em plena capital Mato Grossense, sem sentido algum de viver e respirar tanta aridez que insiste em bater na minha janela exatamente às três da manhã. Eu, que nem sou mais poeta. Que te abandonei pra lá. Que te afastei assim. Que te quero. Que te amo.
 Apesar de tanto, eu entendo que há muito que eu gostaria de fazer para estar ao seu lado. Vou fazê-lo. Vou me esforçar. Sou de palavras concretas, discretas, um pouco de malícia para um mundo inteiro de sentimentos ardentes e gélidos. Como invernos Russos ou coisas parecidas, mas que não se comparam ao que acontece naquela parte do meu peito vazio aonde vive um pequeno ser chamado "coração". Coração de desalmados. Coração de pessoas solitárias que escrevem cartas de amor para uma certa menina que mora na saída da cidade. Você. Eu.
 Olha, menina dos olhos cor de amêndoa, és um pedaço e uma parte daquilo que chamo de poesia. És um poema belo, composto por uma simplicidade e trezentas ambiguidades para agradar a qualquer poeta frustrado. És um terceto, és música, melodia, um livro, um personagem navegando pelo mundo desconhecido de três magos, um pirata, uma princesa e cinco dragões vermelhos que sobrevoam os pequenos vilarejos, que dessa vez, não possuem um herói de armadura branca, mas sim, uma pequena donzela de cabelos negros e cacheados, disposta a conquistar o reino para lutar por suas palavras.
 Você, minha heroína, coberta de ouro com ametistas espalhadas pelo corpo, é uma parte do meu fogo gélido que me queima as retinas, me cegando caso esteja longe desse pedaço de não-alma que sou. Sou você, você pode ser eu, nós somos o que somos, temos o que temos, lutamos pelo que queremos e o mais importante: Encontramos o deserto do nosso profundo desejo de encontrar um amor em comum. Nós, que vivemos de amor. Eu que amo você e nada menos.
 Agora, me despeço. Uma boa vida e um bom silêncio para nós, pequena.
 E claro, toda a felicidade do mundo.

 Do seu eterno,
                           雪

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